Revogação dos direitos de utilização de frequências associados aos Muxes B a F


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Projecto de Decisão relativo à revogação dos direitos de utilização de frequências associados aos Multiplexers B a F

Por deliberação do Conselho de Administração do ICP - Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM), de 16 de Outubro de 2008, foi homologada a proposta da Comissão nomeada nos termos e para os efeitos do artigo 5.º do Regulamento do Concurso aprovado pela Portaria n.º 207-A/2008, de 25 de Fevereiro, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 8-A/2008, de 26 de Fevereiro, de atribuição à PT - Comunicações, S.A. (doravante PTC) dos direitos de utilização de frequências de âmbito nacional e parcial para o serviço de radiodifusão televisiva digital terrestre (doravante TDT), a que estão associados os Multiplexers B a F (ou Muxes B a F).

Na sequência desta atribuição, por deliberação do Conselho de Administração do ICP-ANACOM, de 14 de Novembro de 2008, foram aprovados os projectos dos títulos a emitir à PTC, os quais foram submetidos a audiência prévia da empresa.

Por deliberação de 9 de Junho de 2009, analisada a pronúncia da PTC, foram emitidos os 5 títulos que consubstanciam os direitos de utilização de frequências para a TDT, a que estão associados os Multiplexers B a F.

1. O pedido apresentado pela PTC

Através da carta datada de 16 de Dezembro de 2009, a PTC vem requerer ao ICP-ANACOM a revogação dos actos de atribuição dos direitos de utilização de frequências associados aos referidos Multiplexers, bem como dos correspondentes actos de emissão dos títulos habilitantes, sem perda de caução, com base nos fundamentos que se sumarizam:

a) Antecipação dos investimentos relativos ao Multiplexer A e perda de sinergias

A empresa invoca neste domínio que a antecipação do investimento e de mobilização de recursos que efectuou para a operacionalização da rede afecta ao Multiplexer A (ou Mux A) - o que permitiu uma antecipação do início da exploração dos serviços de TDT Free-to-Air, do roll-out da respectiva rede e do cumprimento das obrigações fixadas no título emitido -, associado ao facto de a empresa ter estado impedida de iniciar o desenvolvimento da rede relativa aos Muxes B a F em resultado da acção judicial interposta pela sociedade ''Airplus'', determinaram que a PTC não pudesse beneficiar das sinergias previstas nas propostas apresentadas no âmbito dos concursos respeitantes aos direitos de utilização do Mux A e dos Muxes B a F.

b) Desenvolvimentos ocorridos no mercado da televisão por subscrição

A PTC evidencia que, desde a data em que lhe foram atribuídos os direitos de utilização de frequências associados aos Muxes B a F (Outubro de 2008), ocorreram diversos desenvolvimentos no mercado da televisão por subscrição que comprometem decisivamente as possibilidades de sucesso do ''projecto Pay TV'', pondo seriamente em causa a respectiva viabilidade comercial.

Para sustentar a sua posição, a empresa alega, em síntese, que:

- O aumento considerável da taxa de penetração dos serviços de televisão por subscrição, aliado à consolidação da nova plataforma de IPTV, retirou espaço à viabilidade e à afirmação da televisão por subscrição na plataforma TDT;

- Na sequência de um Protocolo celebrado com o Governo, em Janeiro deste ano, a empresa assumiu o compromisso de apostar fortemente no desenvolvimento de uma rede de fibra óptica, até ao cliente final, com a consequente criação de uma nova plataforma de Pay TV, o que veio condicionar o espaço de afirmação, junto das populações, da oferta de televisão por subscrição na plataforma de TDT;

- No actual contexto económico - financeiro, os recursos de investimento devem ser criteriosamente canalizados para projectos sustentáveis e que vão ao encontro das necessidades dos consumidores, pelo que o investimento nos Muxes B a F desviaria necessariamente os recursos disponíveis, reduzindo a capacidade de investimento em fibra óptica e o ritmo do roll-out desta plataforma, em detrimento dos objectivos publicamente assumidos e afirmados pelo Governo em matéria de desenvolvimento de redes de alta velocidade;

- Verificou-se, entretanto, um forte endereçamento do mercado abordável pela TDT paga, com ofertas de televisão por satélite a preços extremamente competitivos e aptas a captar uma boa parte do mercado que seria tipicamente servido por ofertas de televisão por subscrição sobre TDT;

- Na sequência dos cinco concursos públicos lançados para a exploração de redes de nova geração, as zonas rurais e remotas do território nacional serão previsivelmente servidas, no curto prazo, por redes de alta velocidade, as quais permitem a disponibilização, naquelas zonas, de ofertas de televisão paga de alta qualidade a preços acessíveis.

c) Crise económica e financeira

A PTC invoca que a crise económica e financeira que deflagrou em momento posterior à apresentação da sua proposta afectou muitos dos pressupostos em que a mesma assentou e que o desenvolvimento do projecto de TDT por subscrição implicará uma redução do investimento em fibra óptica e o atraso do roll-out desta rede, com prejuízo para o desenvolvimento sócio-económico do país face às externalidades positivas das redes de alta velocidade.

d) Atribuição de maior capacidade de transmissão para emissões em HD

Salienta que com a configuração actual - existência, no Mux A, de um serviço de programas em alta definição (HD) partilhado entre os operadores de televisão -, não será possível a emissão de todos os canais de televisão em simultâneo e que os respectivos operadores têm mostrado pouca adesão à utilização deste modelo, preferindo uma solução em que fosse possível emitir em HD sem restrições. Tais circunstâncias têm, no entender da empresa, condicionado uma adesão mais intensa e mais célere da população à TDT, o que poderá tornar mais complexa a realização do switch-off 1.

Por forma a minorar as condicionantes apontadas, entende a empresa que devem ser criadas condições para garantir capacidade do Mux A para transmissão de emissões HD em regime Free-to-Air de uma forma que responda aos interesses, quer das partes envolvidas neste processo, quer da população.

Tendo também em consideração que não é expectável que seja lançado, a curto prazo, o quinto canal de televisão, destinado a ser transmitido exclusivamente na plataforma digital - o que permitiria fomentar a migração para a TDT -, a PTC considera que o cancelamento do projecto de TDT por subscrição permitirá a optimização da utilização do espectro por forma a permitir a prossecução dos objectivos afirmados na Resolução do Conselho de Ministros n° 12/2008, de 22 de Janeiro, no que se refere às emissões dos operadores de televisão em HD.

e) Alocação harmonizada da faixa dos 800 MHz

A PTC considera que também a Recomendação 2009/848/CE, da Comissão Europeia, de 28 de Outubro, que incentiva os Estados-Membros a atribuírem a faixa dos 800 MHz a serviços de comunicações electrónicas facilitadores do desenvolvimento da Sociedade de Informação e da eliminação do digital divide 2, nomeadamente, serviços fixos e móveis de banda larga, constitui mais um elemento que milita a favor de uma rápida reafectação dos canais atribuídos à TDT e, no caso dos Muxes B a F, a favor do interesse público em cancelar o projecto de televisão por subscrição, mediante revogação dos títulos emitidos.

No presente pedido a PTC informa, ainda, que requerimento equivalente seria apresentado perante a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) relativamente ao título habilitante para a actividade de operador de distribuição.

2. Enquadramento do pedido

 
2.1. O modelo definido para a introdução da TDT em Portugal

O modelo definido para a introdução da TDT em Portugal teve em conta a necessidade de assegurar o cumprimento das orientações comunitárias em matéria de fecho do sistema analógico de radiodifusão televisiva terrestre (processo comummente designado por switch-off), com a consequente libertação das faixas de frequências a esta associadas até 2012 3.

Concomitantemente, a introdução da TDT constituiu um dos objectivos enunciados no Programa do XVII Governo Constitucional, enquanto forma de assegurar a igualdade de acesso a emissões televisivas digitais pelo conjunto de cidadãos, independentemente da sua condição social ou territorial.

Assim, no contexto regulamentar aplicável e por existir recurso ao espectro radioeléctrico, competiu ao ICP-ANACOM a criação de condições que possibilitassem a transição analógico-digital da plataforma terrestre, por via da atribuição de direitos de utilização de frequências, procurando criar mecanismos que estimulassem a migração voluntária dos cidadãos para a plataforma digital, condição fundamental para o sucesso da transição.

Em síntese, considerando o espectro então disponível e reservado no Quadro Nacional de Atribuição de Frequências (QNAF) para o serviço de radiodifusão televisiva digital terrestre 4 e tendo como objectivos (i) primordialmente assegurar a criação de condições para que, no prazo proposto pela Comissão Europeia, se efectuasse a migração analógico-digital dos (ainda) actuais serviços de programas televisivos de acesso não condicionado livre, continuando-se a disponibilizar à generalidade da população nacional uma oferta mínima, em condições similares para o utilizador, bem como (ii) propiciar uma oferta de serviços de acesso não condicionado com assinatura ou de acesso condicionado concorrencial às demais, assumindo a promoção da concorrência como um factor de estímulo à migração voluntária, o modelo definido para a introdução da TDT em Portugal, no âmbito de um processo que culminou no início de 2008 5, assentou em duas operações distintas mas que, à data, se entendeu poderiam ser complementares, a saber:

- Uma operação comummente designada por Free-to-Air (FTA), através da qual se asseguraria a migração analógico-digital da plataforma terrestre, proporcionando condições para a continuidade da oferta por parte dos respectivos operadores de televisão dos serviços de programas televisivos hoje disponibilizados por via analógica terrestre.

Esta operação seria suportada numa cobertura de âmbito nacional, tendo por base uma rede de frequência única (SFN), a que estaria associado o Multiplexer A, destinada à transmissão de serviços de programas televisivos de acesso não condicionado livre; e

- Uma operação Pay TV, com a qual se pretendia propiciar aos utilizadores finais a existência de uma oferta comercial concorrencial às disponibilizadas por outras plataformas, a nível de serviços de televisão por subscrição.

Esta operação suportar-se-ia em duas coberturas de âmbito nacional, a que estariam associados os Multiplexers B e C, e três coberturas de âmbito parcial do território continental, a que estariam associados os Multiplexers D, E e F, em todos os casos, tendo por base redes de frequência única (SFN) 6, destinadas à transmissão de serviços de programas televisivos de acesso não condicionado com assinatura ou condicionado.

Salienta-se que o modelo adoptado, assentando na separação de operações, o que propiciaria uma desactivação do sistema analógico terrestre potencialmente menos dependente do sucesso de uma operação de serviços pagos, permitia que - nomeadamente por uma questão de racionalidade económica - o próprio mercado se viesse a articular para que as ofertas se complementassem ou mesmo se integrassem, sendo aliás possível a atribuição dos direitos de utilização de todas as frequências em causa a uma mesma entidade, como aliás se veio a verificar. Neste caso, permitia-se que os concorrentes pudessem apresentar, no âmbito do concurso relativo à operação FTA, um cenário variante no qual reflectissem as sinergias decorrentes do desenvolvimento de uma operação conjunta.

Como é sabido, o modelo definido deu origem a dois procedimentos concursais alicerçados em dois instrumentos normativos: o Regulamento n.º 95-A/2008 e a Portaria n.º 207-A/2008, ambos publicados em Diário da República, a 25 de Fevereiro. Em conformidade com o enquadramento legal (Lei das Comunicações Electrónicas 7 e Lei da Televisão 8) e com os instrumentos dos concursos, competiu ao ICP-ANACOM a atribuição de todos os direitos de utilização de frequências e à ERC a atribuição da licença de operador de distribuição (no âmbito do concurso para a operação de Pay TV).

Tendo a PTC ganho os dois concursos públicos, por deliberação do Conselho de Administração do ICP-ANACOM, de 9 de Dezembro de 2008, foi determinada a emissão do direito de utilização de frequências para a prestação do serviço de TDT a que está associado o Mux A, destinado à transmissão de serviços de programas televisivos de acesso não condicionado livre (FTA) e, posteriormente, tal como supra referido, por deliberação do Conselho de Administração, de 9 de Junho de 2009, foram emitidos à PTC os direitos de utilização de frequências para a prestação do serviço de TDT a que estão associados os Muxes B a F, e que se destinam à transmissão de serviços de programas televisivos de acesso não condicionado com assinatura ou de acesso condicionado (Pay TV).
 
É sobre estes últimos que recai o presente pedido da PTC, mantendo-se inalterável o direito de utilização de frequências a que está associado o Mux A.

A este propósito destaque-se que apesar do pedido de revogação apresentado pela PTC, esta empresa se mantém vinculada aos termos e condições, designadamente quanto ao preço de disponibilização do serviço aos operadores de televisão, do cenário variante da proposta que apresentou ao concurso da operação FTA, uma vez que não se verificou a condição prevista na cláusula 16ª, nº 2 do título emitido 9, que a verificar-se determinaria a vinculação desta empresa à proposta base da sua candidatura.

2.2. Revogação de actos administrativos válidos

O requerimento da PTC consubstancia um pedido de revogação de um acto administrativo válido 10 e dos cinco títulos habilitantes 11 em que o mesmo se materializou.

Nos termos do artigo 138º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) «os actos administrativos podem ser revogados por iniciativa dos órgãos competentes, ou a pedido dos interessados, mediante reclamação ou recurso administrativo». No entanto, o pedido de revogação apresentado pela PTC não constitui nem uma reclamação, nem um recurso, em ambos os casos fundado em qualquer vício de que padeça o acto atributivo dos direitos de utilização de frequências (muito embora, nos termos do artigo 159º do CPA, a reclamação ou recurso possam ter fundamento, em alternativa à ilegalidade, na inconveniência do acto impugnado). Nem esta entidade, de resto, o identifica como tal.

Porém, o disposto no artigo 138º do CPA não visa privar os particulares do exercício do direito fundamental de petição, nomeadamente solicitando à Administração a reavaliação de uma determinada situação. Nestes termos, o requerimento da PTC (como manifestação do seu direito de petição) constitui o ICP-ANACOM no dever legal de pronúncia (artigo 9º do CPA) e, no caso em apreço, perante a ponderação dos motivos arrolados pela PTC, entendeu esta Autoridade, desencadear o adequado procedimento administrativo (artigo 54º do CPA) o que a constitui no dever legal de decisão sobre o pedido de revogação apresentado.

Com efeito, o ICP-ANACOM considera, como adiante se demonstrará, que o procedimento administrativo desencadeado permite efectuar uma ampla ponderação do interesse público em causa, justificando que se emita uma decisão.

Posição diversa (não iniciar em tempo o procedimento administrativo), sabendo que o pedido da PTC permite ao ICP-ANACOM reflectir, de modo transparente e participado por todos os interessados, sobre os objectivos a alcançar no processo de implementação da TDT em Portugal - conduziria a uma situação dificilmente justificável face ao princípio da boa-fé que rege a actividade administrativa.

Na verdade, tendo o requerimento da PTC sido recebido em momento anterior ao vencimento de qualquer obrigação e, sobretudo, reconhecendo que esse pedido tem efeitos potenciadores de uma decisão que devidamente acautele os principais objectivos em presença, uma não-decisão (ou uma decisão não tempestiva) sobre esta matéria teria como único efeito conduzir a requerente a uma situação objectiva de incumprimento, o que não se considera que satisfaça qualquer interesse digno de tutela.

É pois, à luz do regime da revogação de actos administrativos válidos, previsto no CPA, que a situação deve ser analisada. Esta figura consiste numa «decisão administrativa dirigida à cessação dos efeitos de outra decisão administrativa prévia, por se entender que os efeitos desta não são convenientes, não representam uma maneira adequada de prosseguir o interesse público em causa (…)» 12.

O artigo 140º, n.º 1 do CPA estabelece o princípio da livre revogabilidade dos actos administrativos válidos, «o que significa que eles podem ser revogados com fundamento na sua inconveniência (…) a todo o tempo - mas com efeitos apenas para o futuro - salvo nos casos exceptuados na lei» 13, ou seja, se se tratar de actos devidos (incluindo os que constituem direitos ou obrigações irrenunciáveis para a Administração) ou constitutivos de direitos e interesses legalmente protegidos 14

No entanto, os actos administrativos (válidos) constitutivos de direitos ou de interesses legalmente protegidos, como é o caso, podem ser «(…) revogáveis: a) na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos seus destinatários; ou b) quando todos os interessados dêem a sua concordância à revogação do acto e não se trate de direitos ou interesses indisponíveis» (artigo 140º, n.º 2 do CPA). 

No caso vertente o pedido de revogação é da iniciativa da PTC, única interessada, no sentido implícito na norma do CPA acima referida, ou seja, enquanto titular de direitos ou interesses legalmente protegidos cuja concordância é necessária para a revogação do acto.
 
Assim, para efeitos do presente procedimento, os operadores de televisão não são interessados, uma vez que a revogação requerida não afecta os termos e condições constantes do direito de utilização de frequências a que está associado o Mux A, designadamente no que respeita à vinculação ao cenário variante apresentado pela PTC na proposta vencedora, como atrás referido, mantendo-se assim o preço de disponibilização do serviço aos operadores de televisão constante daquela proposta.

Também não são interessados, para efeitos do art. 140º do CPA, os produtores de conteúdos, os cidadãos com necessidades especiais, os grupos populacionais mais desfavorecidos e as instituições de comprovada valia social, pois não se reconhece que os compromissos assumidos pela PTC na sua proposta tenham gerado na sua esfera jurídica direitos ou interesses legalmente protegidos, de forma estável, consistente e concreta, que justifiquem a necessidade da sua concordância.

Por último, nesta acepção, afigura-se óbvio que terceiros preteridos no âmbito do concurso público para a atribuição dos direitos de utilização de frequências associados aos Muxes B a F (processo que se esgotou) não são interessados.

Sem prejuízo, todas estas entidades sempre se poderão pronunciar, querendo, no âmbito do procedimento geral de consulta a que será submetido o presente projecto de decisão.

Nos termos do disposto no artigo 18º, nº 7 da Lei da Televisão compete ao ICP-ANACOM revogar os títulos habilitantes que conferem os direitos de utilização das frequências ou conjuntos de frequências radioeléctricas destinadas à disponibilização dos serviços de programas televisivos de acesso não condicionado com assinatura ou condicionado 15.

O ICP-ANACOM é pois a entidade competente para avaliar e decidir o presente pedido, competindo à ERC decidir sobre o pedido de revogação do acto de atribuição da licença de operador de distribuição.

Naturalmente que esta competência não se encontra condicionada à emissão de qualquer acto normativo superveniente, dado que o quadro legislativo em vigor é claro na afirmação de atribuições de cada entidade envolvida e nas competências dos respectivos órgãos. Tal não significa que uma leitura actualizada do interesse público não tenha de ser feita, nomeadamente porque o ICP-ANACOM, sem prejuízo da sua independência, deve ter em conta os princípios orientadores de política de comunicações fixados pelo Governo, nos termos constitucionais e legais.

A este propósito é de referir o actual Programa do Governo no qual se prevê como objectivo a prosseguir, no âmbito das políticas de comunicação social, a conclusão do processo de operacionalização da TDT, definindo o modelo de desenvolvimento da plataforma de acesso livre, com base numa oferta ampliada de serviços de programas, e respeitando o prazo determinado para o switch-off analógico 16.

Como se nota, a orientação política não sublinha que a TDT em Portugal tenha, necessariamente, de comportar uma componente paga e outra gratuita.

3. Análise do pedido

A análise do presente pedido requer, em primeira linha, que se aprecie o objectivo de interesse público que esteve subjacente, no início de 2008, à disponibilização de frequências para a operação de Pay TV e, num segundo plano, que se avalie em que medida esta devolução de frequências permite ao ICP-ANACOM repensar a planificação do espectro em causa, quer equacionando novos estímulos à migração voluntária, quer ponderando sobre a utilização harmonizada da sub-faixa dos 790-862 MHz.

3.1. Promoção da concorrência

Uma vez que, como já referido, o objectivo primordial a prosseguir com a introdução da TDT, em concreto através da operação FTA, é o de garantir a transição analógico-digital dos serviços de programas televisivos de acesso não condicionado livre, e, consequentemente, proceder à cessação das emissões televisivas analógicas terrestres (o designado switch-off) até à data fixada pela Resolução de Conselho de Ministros nº 26/2009, isto é, até 26 de Abril de 2012, com o menor impacto económico-social possível 17, releva-se que com a disponibilização de frequências para a operação de Pay TV pretendeu-se, fundamentalmente, promover a concorrência, em particular no mercado da televisão por subscrição 18, proporcionando ao utilizador final uma mais ampla e diversificada oferta de redes e serviços, e dessa forma, ajudando a estimular a migração voluntária, tendo em conta que o arranque e desenvolvimento simultâneo das duas operações poderia potenciar a promoção da plataforma TDT junto da opinião pública.

Por motivos que não lhe são imputáveis, na decorrência da acção judicial interposta por uma das entidades concorrentes ao concurso para a atribuição de direitos de utilização de frequências a que estão associados os Muxes B a F, a PTC viu-se impedida de iniciar a operação Pay TV em simultâneo com a operação FTA.

Com este desfasamento, as sinergias decorrentes da implementação das duas operações em simultâneo ficaram comprometidas, em especial e de forma definitiva as ordem operacional de instalação das redes associadas aos seis Muxes - note-se que a obrigação de cobertura da rede de difusão terrestre associada à operação FTA constante do respectivo título é de 78% no final de 2009 - mas também, em parte, as de promoção da TDT em sentido lato (FTA e Pay TV).

Poder-se-á argumentar que estas sinergias se perderam assim que se verificou, por via do processo judicial, que o arranque e desenvolvimento das duas operações não poderiam ocorrer em simultâneo, não tendo então a PTC requerido a revogação dos direitos de utilização. Contudo, este facto não foi e nunca seria, por si só, suficiente para justificar a revogação dos títulos. É contudo, mais um facto, e indesmentível, que a somar a todos os outros, tornam o lançamento da operação de Pay TV mais susceptível de não ser economicamente viável.

Paralelamente, no período que decorreu entre a definição do modelo do concurso(início de 2008), a data de entrega de candidaturas (Abril de 2008) e o presente pedido da PTC 19, ocorreram desenvolvimentos significativos no mercado de televisão por subscrição que, sendo reveladores de maior concorrência, reduzem a importância concorrencial que se esperava da plataforma terrestre e, consequentemente, limitam as possibilidades de viabilização de uma operação comercial associada aos Muxes B a F.

Com efeito, o mercado de televisão por subscrição, suportado nas várias plataformas já disponíveis (cabo e satélite) e na consolidação das emergentes (como a IPTV e FTTH), evoluiu no sentido de um maior leque de ofertas, nomeadamente em segmentos de mais baixo valor, tendo verificado uma adesão considerável por parte da população portuguesa, assim registando desde o lançamento do concurso, no início de 2008, até ao 3º trimestre de 2009 um incremento superior a 22%, atingindo-se agora um total nacional de mais de 2,4 milhões de assinaturas 20, que corresponderá já a cerca de 60% do total de alojamentos de residência habitual 21.

De facto, sem prejuízo de uma análise de substituibilidade mais detalhada, considera-se que, prospectivamente, do ponto de vista das características da procura, as ofertas de televisão por subscrição (Pay TV) suportadas nos Muxes B a F estão no mesmo mercado de outras ofertas de televisão por subscrição (nomeadamente as ofertas suportadas nas plataformas de distribuição por cabo, DTH, xDSL, FTTH e FWA).

Neste mercado têm existido evidências de um aumento de concorrência em consequência do aparecimento de novas ofertas suportadas em plataformas alternativas à plataforma de distribuição por cabo 22 e do desenvolvimento de ofertas suportadas na plataforma de DTH. Este aumento de concorrência pode ser comprovado pela evolução de características das ofertas disponibilizadas (diminuição do preço por canal, aumento do número de canais e mais funcionalidades) e, principalmente, das quotas do mercado de televisão por subscrição (aumento de quota de mercado do Grupo PT e redução significativa da quota de mercado da ZON, conforme se verifica no gráfico infra).

Gráfico 1. Evolução das quotas de mercado considerando actual estrutura empresarial dos operadores 23

Neste mercado têm existido evidências de um aumento de concorrência em consequência do aparecimento de novas ofertas.
(Clique na imagem para ver o gráfico numa nova janela)

Sem prejuízo do mencionado relativamente à integração das ofertas de televisão por subscrição suportadas nas várias plataformas num único mercado, podem-se identificar ofertas com um maior grau de semelhança entre si. Tal como as ofertas suportadas na plataforma DTH, as propostas de ofertas suportadas na TDT suportam, normalmente, um único serviço: o serviço de televisão por subscrição, sendo o mesmo disponibilizado como uma oferta isolada.

Verifica-se que a difusão realizada através do serviço de televisão por DTH apresenta uma penetração relevante no mercado, contando com cerca de 624 mil clientes no final do 3.º trimestre de 2009 e garantindo a cobertura total do território nacional. A taxa de crescimento anual de clientes tem sido alta e, após um período de alguma estagnação, revela-se crescente, como se pode observar no gráfico seguinte.

Gráfico 2. Evolução da taxa de crescimento dos assinantes de DTH

A taxa de crescimento anual de clientes tem sido alta e, após um período de alguma estagnação, revela-se crescente.
(Clique na imagem para ver o gráfico numa nova janela)

De acordo com a teoria económica, o aumento da concorrência nos mercados tem como consequência o aumento das quantidades transaccionadas, o que é coerente com os dados apresentados no gráfico supra.

A esta evolução não é alheia a própria PTC. Nesse sentido é de ter em especial atenção a disponibilização por parte da PTC de uma oferta de televisão suportada na plataforma de DTH (em Abril de 2008) que passou a concorrer a nível nacional com a oferta DTH da ZON. Note-se que, na sequência do spin-off entre a PTC e a TV Cabo (actual ZON), esta empresa reorientou legitimamente a sua estratégia, dirigindo a sua acção no sentido de concorrer com o (novo) operador dominante no mercado da televisão por subscrição, estratégia que veio a ser reforçada pelo facto de se ter visto impedida de lançar a plataforma terrestre de Pay TV no calendário previsto. É neste enquadramento que se insere a oferta MEO (suportada em FTTH, DTH e xDSL).

Ou seja, actualmente a PTC dispõe já de diferentes tecnologias (FTTH, DTH e xDSL) que permitem prestar o serviço de Pay TV e que, em conjunto, possibilitam que essa prestação possa ocorrer em qualquer parte do território nacional.

Como referido tal não acontecia à data do concurso, o que resulta, agora, em perspectivas reduzidas do impacto concorrencial do lançamento de ofertas Pay TV na plataforma TDT, por parte da PTC.

O ICP-ANACOM verifica também que actualmente existem, no mínimo, duas ofertas em concorrência por concelho e que todos os concelhos têm uma cobertura de ofertas de televisão por subscrição com, pelo menos uma plataforma (DTH), garantindo o acesso ao serviço de televisão por subscrição em condições concorrenciais a nível nacional. É inegável, porém, que a menor disponibilidade de ofertas e plataformas de difusão está concentrada nas áreas geográficas onde existe menor densidade populacional e um menor rendimento per capita. É precisamente nestas áreas geográficas que as ofertas de DTH apresentam actualmente um maior grau de relevância e onde as ofertas de TDT teriam um maior potencial de desenvolvimento.

Considera-se, contudo, que as potencialidades de desenvolvimento de novas ofertas e plataformas e, consequentemente, de crescimento da intensidade concorrencial com benefícios concorrenciais nestas áreas geográficas não se esgotam na plataforma de TDT. Note-se que é previsível que a cobertura das plataformas de xDSL e FTTH aumente ainda de forma relevante. A este respeito há também que considerar os efeitos do lançamento e concretização dos concursos públicos lançados pelo Estado Português para o desenvolvimento de redes de nova geração precisamente nas zonas em que existem menores possibilidades de desenvolvimento de plataformas alternativas de difusão de ofertas de televisão por subscrição.

Por último, e ainda sobre este aspecto, entende-se que existindo actualmente uma oferta de DTH disponibilizada pela PTC em todo o território nacional não é previsível que a disponibilização de uma oferta suportada na TDT pela mesma empresa resultasse num aumento concorrencial especialmente relevante quando comparado com as evidências actuais e prospectivas de incremento da concorrência resultante da disponibilização de outras plataformas alternativas.

Assim, face aos desenvolvimentos do mercado de televisão por subscrição, e embora existam ainda perspectivas de crescimento e desenvolvimento do mercado, não se encontrando a procura deste tipo de serviços esgotada, não pode deixar de se reconhecer que a plataforma terrestre de Pay TV já não exercerá a pressão concorrencial nem os efeitos a nível da expansão da procura ou, em menor grau, da cobertura, que se perspectivou quando da definição do modelo de introdução da TDT - papel que entre outras tem sido desempenhado pela oferta MEO Satélite.

Neste contexto, a revogação do acto de atribuição dos direitos de utilização de frequências a que estão associados os Muxes B a F não prejudica, nas actuais condições de mercado, o interesse público que esteve na sua génese.

3.2. Factores indutores da migração voluntária

Considerando a transição voluntária dos utilizadores para a nova plataforma como elemento chave para o sucesso da introdução da TDT em Portugal (e consequentemente para o switch-off), assumiram-se, no âmbito deste processo, como principais indutores de tal migração os seguintes factores:

a) A disponibilidade de um novo serviço de programas televisivo de acesso não condicionado livre - vulgarmente designado 5º canal - a suportar-se no Mux A;

b) As emissões em alta definição (HD), em modo não simultâneo dos serviços de programas suportados no Mux A, até à cessação das emissões analógicas terrestres;

c) As sinergias entre a operação FTA e a operação Pay TV, em especial de ordem operacional da rede e de promoção do serviço TDT em sentido lato, já anteriormente mencionadas, caso estas operações decorressem em simultâneo.

Recorde-se que os dois primeiros factores decorreram da Resolução de Conselho de Ministros nº 12/2008, de 22 de Janeiro, que determinou a forma de ocupação da capacidade remanescente 24 do Mux A.

Com efeito, nessa sede o Governo afirmou que «a importância estratégica de uma rápida transição para o digital (…) aconselha a que a opção escolhida estimule em moldes decisivos a migração voluntária do conjunto dos cidadãos» e considerou que a «diversificação da oferta televisiva poderá funcionar como importante catalisador do processo de migração voluntária», bem como que «a emissão em alta definição (HDTV) poderá constituir-se como mais um factor diferenciador da TDT (…) criando uma nova experiência na recepção da televisão, apta a fomentar a referida migração».

O terceiro factor era permitido pelo modelo desenhado para os concursos da TDT e tornou-se concretizável a partir do momento em que a PTC ganhou os dois concursos, como atrás sucintamente explicitado no ponto 2.2.

O ICP-ANACOM verifica agora que desenvolvimentos posteriores, alheios à vontade das entidades públicas envolvidas na concepção do modelo de lançamento da TDT, vieram inegavelmente comprometer a concretização destes factores indutores da migração analógico-digital.

a) O 5º canal

Na sequência da abertura do concurso público 25 para o licenciamento de um serviço de programas de âmbito nacional, generalista, de acesso não condicionado livre, ou seja, o 5º canal a ser transportado no Mux A (FTA), a ERC, por deliberação de 23 de Março de 2009, determinou excluir as duas candidaturas apresentadas, por entender que estas não reuniam os requisitos legais e regulamentares necessários. Não conformada com esta decisão, uma das concorrentes interpôs recurso para o Tribunal Administrativo de Lisboa e em Outubro de 2009 o Tribunal deu razão à entidade recorrente, deferindo a providência cautelar instaurada e suspendendo o processo concursal. A ERC recorreu da decisão.

Neste contexto, e ao contrário do que o modelo definido fazia prever, o 5º canal não pode ser considerado como elemento indutor da transição analógico-digital no prazo previsto e necessário para o efeito.

b) Emissões em HD

Na decorrência da Resolução de Conselho de Ministros nº 12/2008, no âmbito do concurso FTA 26, foi imposta à PTC uma obrigação de transporte e difusão, em modo não simultâneo até ao fecho da radiodifusão televisiva analógica, de emissões em alta definição dos serviços de programas distribuídos no Multiplexer A 27.

Para o efeito, o planeamento para as emissões em alta definição devia ser acordado, atempadamente, entre os operadores de televisão envolvidos e, posteriormente, comunicado à PTC (art. 20º, nº 3 do Regulamento nº 95-A/2008, de 25 de Fevereiro - Regulamento do concurso do Mux A).

Ora, até à presente data, estas emissões em alta definição não tiveram lugar. Na verdade, a sua concretização afigura-se de difícil exequibilidade, dada a falta de entendimento entre os três operadores de televisão envolvidos.

Sem prejuízo, RTP, SIC e TVI têm manifestado publicamente o seu interesse numa eventual possibilidade de emissão em alta definição, não partilhada e integral. Recentemente, em sede de resposta à consulta pública sobre o dividendo digital 28, lançada pelo ICP-ANACOM, em Março de 2009, relativamente ao calendário a adoptar para a televisão de alta definição, os operadores de televisão foram, aliás, unânimes em considerar que assim que possível, nomeadamente após o switch-off, lhes deveria ser dada a oportunidade para emitirem os seus serviços de programas em alta definição.

Esta emissão não partilhada e integral em alta definição e em aberto dos serviços de programas televisivos constitui de resto um desígnio de interesse público já anunciado na Resolução de Conselho de Ministros n.º 12/2008, onde o Governo considerou que «a adopção em alta definição numa plataforma de acesso gratuito permitirá evitar a discriminação no acesso a tais emissões por parte dos cidadãos que, por opção ou restrições socioeconómicas, não têm acesso a outras redes de distribuição televisiva».

Tal desiderato, no entanto, carecendo de uma maior capacidade de transmissão por parte do operador de suporte, só seria concretizável após o switch-off, momento em que cessariam os constrangimentos de espectro existentes.

Num contexto mais recente, e como antes referido, o Governo elege, entre outros, como objectivo no âmbito das políticas de comunicação social a conclusão do processo de operacionalização da TDT, definindo o modelo de desenvolvimento da plataforma de acesso livre, com base numa oferta ampliada de serviços de programas, e respeitando o prazo determinado para o switch-off analógico 29.

Realce-se que esta orientação política enfatiza a componente FTA da TDT e a necessidade de cumprimento da data do switch-off.

c) Sinergias FTA/Pay TV

Conforme referido supra, por motivos que não lhe são imputáveis, a PTC viu-se impedida de iniciar a operação Pay TV em simultâneo com a operação FTA, o que no entender do ICP-ANACOM prejudicou seriamente as potenciais sinergias entre as duas formas de exploração.

Do exposto decorre, assim, que destes incentivos considerados essenciais para a transição analógico-digital nenhum se concretizou nos termos perspectivados, prejudicando um processo sensível e que se pretende bem sucedido, face ao interesse público em causa.

3.3. A utilização harmonizada da sub-faixa dos 790-862 MHz

A possibilidade de afectação de parte do dividendo digital 30 para aplicações de banda larga sem fios tem sido, nos últimos tempos, objecto de alargada discussão, tanto no contexto europeu, como no plano nacional.

Com efeito, o processo de migração da televisão analógica para a digital proporcionará a abertura de novas perspectivas em termos de utilização do espectro, que poderão assumir um valor social e económico inestimável.

No cerne deste debate está a utilização harmonizada da sub-faixa dos 790-862 MHz por redes e serviços de comunicações electrónicas diferentes do serviço de radiodifusão. 

Este movimento, que agora se perspectiva irreversível - o que não era antecipável no início de 2008 -, não pode ser dissociado da presente análise uma vez que os direitos de utilização de frequências a que estão associados os Multiplexers B, D, E e F, e que a PTC ora pretende devolver, integram frequências dessa sub-faixa cujas características 31 as tornam adequadas a um vasto leque de aplicações e serviços.   

A este propósito, importa mencionar a consulta pública sobre o dividendo digital, promovida o ano passado pelo ICP-ANACOM na qual, inequivocamente, a possibilidade de atribuição de parte do espectro a libertar para aplicações móveis de banda larga foi a matéria que mereceu maior participação e interesse dos respondentes. A maioria, apesar de reconhecer os desafios que tal medida acarretará, defendeu a atribuição, tão cedo quanto possível, da sub-faixa 790-862 MHz para aplicações móveis de banda larga.

Em concreto, os respondentes consideraram que «os benefícios resultantes da afectação da sub-faixa 790-862 MHz repercutir-se-ão na sociedade e na economia nacionais permitindo, designadamente, uma maior cobertura do acesso à Internet em banda larga nas zonas rurais, devido ao menor número de estações de base a instalar, em comparação com outras faixas actualmente utilizadas. O acesso a aplicações de banda larga através destas frequências, entendem, será um instrumento de info-inclusão, minimizando o fosso digital (…)».

Em sede de Relatório final da referida consulta pública, esta Autoridade reconheceu que se começa a desenhar uma tendência generalizada de atribuição desta sub-faixa para aplicações móveis de banda larga - também em Espanha - facto que deverá ser particularmente ponderado numa decisão final sobre esta matéria, nomeadamente quanto aos elevados riscos de isolamento que Portugal pode correr neste domínio.

Neste contexto, o ICP-ANACOM concluiu que «(…)tendo em consideração os desenvolvimentos comunitários que se perspectivam irá em sede própria, face ao enquadramento jurídico vigente, tomar posição formal sobre a matéria, antevendo-se que tal posição seja no sentido de disponibilizar esta sub-faixa para serviços de comunicações electrónicas de banda larga, de acordo com os princípios WAPECS 32». Mais referiu que «uma eventual decisão no sentido de disponibilizar a sub-faixa 790-862 MHz para comunicações electrónicas de banda larga, implicará a alteração dos canais radioeléctricos actualmente utilizados pela TDT em Portugal, com eventuais impactos na sua implementação» (sublinhado nosso).   

No plano comunitário, e já em momento posterior a esta consulta pública, a Comissão Europeia, em 28 de Outubro de 2009, aprovou uma Recomendação 33 e uma Comunicação ao Parlamento Europeu e ao Conselho 34 e nestes dois documentos insta os Estados Membros a apoiarem os esforços regulamentares no sentido de estabelecer na Comunidade condições harmonizadas de utilização da sub-faixa dos 790-862 MHz para serviços de comunicações electrónicas distintos do serviço de radiodifusão e complementarmente a estes, e se abstenham de qualquer acção que possa dificultar ou impedir a implantação de tais serviços de comunicações nessa sub-faixa.35.

3.4. Caução

Para garantia do cumprimento do faseamento das obrigações de cobertura resultantes do compromisso assumido na proposta apresentada pela PTC a concurso, e nos termos do regime previsto no artigo 16º do Regulamento aprovado e publicado em anexo à Portaria n.º 207-A/2008, a requerente prestou caução no valor de € 2.500.000.

A referida caução vigora por um período máximo de 42 meses, sendo libertada na medida em que se verificar o cumprimento do faseamento das obrigações de cobertura resultantes do compromisso neste domínio assumido na proposta vencedora e previstas (sinteticamente) nas cláusulas 9ª dos títulos habilitantes emitidos. 

No entanto, tendo em conta a análise que precede e da qual decorre que o interesse público não fica prejudicado  se se deferir o pedido da PTC  e concluindo-se, portanto, que não é exigível o cumprimento das obrigações de cobertura relativas aos Muxes B a F, que a imposição da caução visava acautelar, pode a mesma ser liberta. Na verdade, não subsistindo as obrigações de cobertura relativas aos Muxes B a F, a caução que garantia o respectivo cumprimento  fica sem objecto e não é exigível.

Acresce  que, mesmo do estrito ponto de vista formal, eventuais incumprimentos susceptíveis de desencadear o accionar da garantia, só seriam verificáveis  a partir do final do 2º trimestre de 2010 36. Quanto ao prazo, não houve ainda, pois, qualquer incumprimento que pudesse impedir a libertação da caução; e quanto à substância das obrigações garantidas, perdendo a caução o seu objecto, justifica-se a sua devolução.

4. Deliberação

Face ao pedido da PTC e considerando que:

a) O objectivo primordial a prosseguir com a introdução da TDT, através da operação FTA suportada no Mux A, cujo direito de utilização de frequências não é objecto da presente decisão, é o de garantir a transição analógico-digital dos serviços de programas televisivos de acesso não condicionado livre - continuando-se a disponibilizar à generalidade da população nacional uma oferta, em condições similares para o utilizador -, e, consequentemente, proceder à cessação das emissões televisivas analógicas terrestres (o designado switch-off) até à data fixada pela Resolução de Conselho de Ministros nº 26/2009, isto é, até 26 de Abril de 2012, com o menor impacto económico-social possível;

b) Com a disponibilização de frequências para a operação de Pay TV, suportada nos Muxes B a F, cujos direitos de utilização a PTC pretende devolver, se visava, fundamentalmente, promover a concorrência, em particular no mercado da televisão por subscrição, proporcionando ao utilizador final uma mais ampla e diversificada oferta de redes e serviços;

c) O modelo adoptado, assentando na separação de operações, o que propiciaria uma desactivação do sistema analógico terrestre potencialmente menos dependente do sucesso de uma operação de serviços pagos, permitia que - nomeadamente por uma questão de racionalidade económica - o próprio mercado se viesse a articular para que as ofertas se complementassem ou mesmo se integrassem, sendo aliás possível a atribuição dos direitos de utilização de todas as frequências em causa a uma mesma entidade, bem como que os concorrentes pudessem apresentar, no âmbito do concurso relativo à operação FTA, um cenário variante no qual reflectissem as sinergias decorrentes do desenvolvimento de uma operação conjunta;

d) Ocorreram desenvolvimentos significativos no mercado de televisão por subscrição que, sendo reveladores de maior concorrência, reduzem a importância concorrencial que se esperava da plataforma terrestre e, consequentemente, limitam as possibilidades de viabilização de uma operação comercial associada aos Muxes B a F;

e) A revogação do acto de atribuição dos direitos de utilização de frequências a que estão associados os Muxes B a F, a pedido da PTC, não prejudica, nas actuais condições de mercado, o objectivo de interesse público que esteve na sua génese;

f) Por motivos alheios à vontade das entidades públicas envolvidas no processo de introdução da TDT, nenhum dos principais factores indutores da transição analógico-digital se concretizou nos termos perspectivados, prejudicando um processo sensível e que se pretende bem sucedido, face ao interesse público em causa;

g) A proximidade crescente da data fixada para o switch-off justifica que se equacionem, de forma tão célere quanto possível, novas formas de incentivo à migração voluntária, factor crítico para o sucesso da transição analógico-digital;

h) O ICP-ANACOM tem vindo a manifestar a intenção de acompanhar o movimento a nível europeu no sentido de disponibilizar a sub-faixa dos 790-862 MHz, na qual se inserem as frequências a que estão associados os Muxes B, D, E e F, para serviços de comunicações electrónicas de banda larga, de acordo com os princípios WAPECS;

i) A revogação requerida pela PTC permite libertar parte das frequências da sub-faixa dos 790-862 MHz contribuindo para a criação de condições que viabilizam a sua utilização em Portugal para outros serviços de comunicações electrónicas, em harmonização com a Europa;

j) O cancelamento da operação de Pay TV, em consequência da revogação requerida, não afecta os termos e condições constantes do direito de utilização de frequências a que está associado o Mux A, designadamente no que respeita à vinculação ao cenário variante apresentado pela PTC na proposta vencedora mantendo-se o preço de disponibilização do serviço aos operadores de televisão constante daquela proposta;

k) A revogação do acto administrativo de atribuição à PTC dos direitos de utilização de frequências a que estão associados os Muxes B a F, bem como dos cinco títulos habilitantes emitidos, consubstancia a revogação de actos administrativos válidos admitida nos termos dos artigos 140º, nº 1, alínea b) e nº 2, alínea b) do CPA, para a qual é competente, no caso, o ICP-ANACOM (art. 18º, nº 7 da Lei da Televisão), sendo a PTC a única interessada no sentido implícito nesta norma do CPA;

l) Os pressupostos justificativos da revogação do acto de atribuição à PTC dos direitos de utilização de frequências existem à data do presente projecto de decisão;

m) Sendo o interesse público salvaguardado com a não exigência do cumprimento das obrigações inerentes aos Muxes B a F, a caução que visava garantir esse cumprimento perde o seu objecto e pode ser liberta, sendo certo, além disso, que nenhum incumprimento ainda se verificou;

n) Nos termos do disposto no artigo 8º da Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro, o ICP-ANACOM deve promover o procedimento geral de consulta sempre que pretenda adoptar medidas com impacto significativo no mercado relevante;

o) Ouvida a  ERC foi a sua posição ponderada no âmbito do presente processo.

O Conselho de Administração do ICP-ANACOM, no âmbito das atribuições previstas no artigo 6º, n.º 1, al. c) dos Estatutos, publicados em anexo ao Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de Dezembro, na prossecução dos objectivos de regulação fixados no artigo 5º, nº 1, alínea a) e nº 2, alínea d) e ao abrigo dos artigos 8º e 15º ambos da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, do artigo 26º, alínea l) dos Estatutos, bem como do artigo 140º, nº 2, alínea b) do CPA e do artigo18º, nº 7 da Lei nº 27/2007, de 30 de Julho, delibera:

1. Revogar o acto de atribuição dos direitos de utilização de frequências associados aos Multiplexers B a F e, consequentemente, os cinco títulos que consubstanciam os direitos de utilização atribuídos à PTC, sem perda de caução.

2. Determinar que a decisão de revogação retroage à data do presente projecto de decisão.

3. Determinar a audiência prévia da PTC, nos termos dos artigos 100º e 101º do CPA, sobre o presente projecto de decisão, para que, querendo, se pronuncie por escrito, no prazo de 20 dias úteis, contados da data de notificação;

4. Submeter ao procedimento geral de consulta, previsto no artigo 8º da LCE, o presente projecto de decisão, para que sobre o mesmo os interessados, querendo, se pronunciem, por escrito, no prazo de 20 dias úteis.

Notas
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1 Cessação das emissões televisivas analógicas terrestres.
2 ''Fosso digital'' - fosso existente entre a população com acesso digital às tecnologias de informação e a população com acesso muito limitado ou mesmo nenhum.
3 À data, referimo-nos à Comunicação da Comissão Europeia, de 24 de Maio de 2005, intitulada ''Acelerar a transição da radiodifusão analógica para a digital'', na qual são fixados os objectivos da política comunitária para a referida transição, sendo proposto 2012 como prazo limite para a cessação das emissões analógicas em todos os Estados-Membros. Posteriormente, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 26/2009, publicada no Diário da República de 17 de Março, veio determinar a cessação das emissões televisivas analógicas terrestres em todo o território nacional até 26 de Abril de 2012. Mais recentemente, a Comissão Europeia recomendou aos Estados-membros que tomem todas as medidas necessárias para que os serviços de radiodifusão televisiva terrestre deixem de utilizar a tecnologia de transmissão analógica no seu território em 1.1.2012 (Recomendação de 28 de Outubro de 2009 - 2009/848/CE).
4 O espectro reservado para este serviço possibilitava apenas três coberturas de âmbito nacional e três de âmbito parcial do território nacional.
5 Recorde-se que este processo envolveu, num primeiro momento, a revisão da Lei da Televisão, que veio a ser publicada em Julho de 2007, e num, segundo momento, o lançamento, em Agosto de 2007, de uma consulta pública sobre o modelo de introdução da TDT em Portugal, envolvendo o projecto de decisão do ICP-ANACOM de limitação do número de direitos de utilização de frequências reservadas para radiodifusão televisiva digital terrestre e a definição do respectivo procedimento de atribuição, bem como os dois projectos de regulamentos de concursos públicos, tudo disponível em Televisão Digital Terrestre (TDT)https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=962856.
Na sequência deste procedimento de consulta cfr. deliberação final do ICP-ANACOM, de 30.1.2008, sobre a limitação do número de direitos de utilização de frequências reservadas para radiodifusão televisiva digital terrestre e a definição do respectivo procedimento de atribuição, disponível em Radiodifusão televisiva digital terrestrehttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=560394.

6 Excepto na Região Autónoma dos Açores em que é baseada em redes de frequência múltipla (MFN).
7 Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro.
8 Lei n.º 27/2007, de 30 de Julho.
9 Direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 6/2008, emitido por deliberação do ICP-ANACOM de 9.12.2008, disponível em Direito de Utilização de Frequências ICP-ANACOM Nº 06/2008.
10 A deliberação do Conselho de Administração do ICP-ANACOM de 16.12.2008, que homologa a proposta de atribuição à PTC dos direitos de utilização de frequências de âmbito nacional e parcial para o serviço de radiodifusão televisiva terrestre, a que estão associados os Multiplexers B a F.
11 Títulos estes cuja emissão foi determinada pela Deliberação do Conselho de Administração do ICP-ANACOM de 9.06.2009.
12 In Código do Procedimento Administrativo comentado, 2ª Ed., Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Secção IV, II., pág. 667.
13 In ''Código do Procedimento Administrativo, comentado, 2ª Ed.'', Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim.
14 Alíneas a) a c) do n.º 1 do artigo 140º do CPA.
15 De resto, e ainda que não existisse esta disposição específica, dispõe o artigo 142º do CPA que ''na ausência de disposição especial que atribua a entidade diversa competência para o efeito, é sempre competente para a revogação de um acto administrativo o seu autor''. Atento o disposto nos artigos 15º, nº 3 e 35º da LCE, também por esta via, seria competente para a revogação do acto o ICP-ANACOM.
16 Programa do XVIII Governo Constitucional, página 116.
17 Tal actuação permitirá, ainda a libertação de um conjunto de frequências (o designado dividendo digital), ao mesmo tempo que se promove uma mais eficiente utilização do espectro radioeléctrico.
18 Recorde-se a este propósito que o Regulamento do concurso para atribuição dos direitos de utilização de frequências a que estariam associados os Muxes B a F vedava o acesso ao concurso a quem detivesse no mercado de televisão por subscrição uma quota de mercado igual ou superior a 50% (cfr. art. 3º, nº 3 e seguintes do Regulamento do Concurso).
19 Note-se que no período para apresentação de candidaturas aos concursos públicos relativos à TDT (entre 26 de Fevereiro e 23 de Abril de 2008), o Grupo PT encontrava-se a definir a sua estratégia competitiva em relação à televisão por subscrição, após o spin-off da PTM, realizado em Novembro de 2007, e que deixou aquele grupo empresarial sem a principal rede utilizada para a distribuição deste tipo de ofertas.
20 Entre o fim do 1º trimestre de 2008, i.e., após o lançamento do concurso público relativo aos Muxes B a F, e o fim do 3º trimestre de 2009, i.e. últimos dados disponíveis, verificou-se um aumento de assinantes do serviço de televisão por subscrição de cerca de 2 milhões para 2,443 milhões.
21 Tendo por base uma projecção do número total de alojamentos de residência habitual baseada na população actual e no Census 2001.
22 Plataformas xDSL, FWA e FTTH.
23 Para maior facilidade de comparação da evolução das quotas de mercado e tendo em conta a estrutura empresarial actual e, consequentemente, possibilitando uma maior facilidade na análise das perspectivas futuras de desenvolvimento do mercado, apresentam-se as quotas do Grupo PT e da ZON, em 2005 e 2006, como se estas empresas estivessem, nesses anos, efectivamente separadas. Pelo mesmo motivo as empresas que foram adquiridas pela ZON também foram entretanto integradas nas quotas de mercado apresentadas para esta empresa.
24 Ou seja, para além das obrigações de transporte já decorrentes da Lei da Televisão (vd. art. 94º da Lei nº 27/2002, de 30 de Julho).
25 Através da Portaria n.º 1239/2008, de 31 de Outubro.
26 Concurso para a atribuição de um direito de utilização de frequências para a prestação do serviço de TDT destinado à transmissão de serviços de programas televisivos de acesso não condicionado livre,a que está associado o Mux A.
27 Vd. Cláusula 15ª do Direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 6/2008, emitido por deliberação do ICP-ANACOM de 9.12.2008, disponível em Direito de Utilização de Frequências ICP-ANACOM Nº 06/2008.
28 Entendido como o espectro que, estando actualmente atribuído ao serviço de radiodifusão televisiva nas faixas de VHF e UHF, será libertado em resultado da conversão dos serviços de programas televisivos analógicos terrestres existentes, em formato digital. A documentação da consulta encontra-se disponível em Dividendo Digitalhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=886459.
29 Programa do XVIII Governo Constitucional, página 116.
30 Vd. nota de pé de página anterior.
31 Combina características de cobertura (propagação) e capacidade (largura de banda).
32 Wireless Access Policy for Electronic Communications Services.
33 Recomendação da Comissão 2009/848/CE, de 28 de Outubro de 2009, que visa facilitar a libertação do dividendo digital na União Europeia acessível em Recomendação da Comissão 2009/848/CEhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=995910.
34 Communication from the Commission to the European Parliament, the Council, the European Economic and Social Committee and the Committee of the Regions, transforming the digital dividend into social benefits and economic growth, acessível em CE aprova regras para harmonizar e potenciar o dividendo digitalhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=988226.
35 A este propósito realce-se que nos considerandos da referida Recomendação a Comissão afirma que planeia adoptar nos próximos meses uma decisão que estabeleça os requisitos técnicos harmonizados para a futura utilização desta sub-faixa pelas redes de comunicações electrónicas de baixa e média potência. Para preparar esta harmonização técnica, a Comissão conferiu um mandato à CEPT para definir as condições técnicas aplicáveis à mesma sub-faixa que são optimizadas para, mas não limitadas a, redes de comunicações fixas ou móveis sem fios.
36 Isto é, final da 1ª sub-fase de cobertura (prevista para o final do 4º trimestre de 2009 com uma prorrogação de 6 meses - prazo resultante da conjugação das cláusulas 9ª, alínea a), ponto (i) e 12ª, n.º 2 dos títulos habilitantes emitidos).


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