Intervenção


Regulation and Spectrum Management: challenges and trade-offs

José Ferrari Careto

O ICP-ANACOM foi dos primeiros reguladores independentes a ser implementado, tendo iniciado a sua actividade em Novembro de 1989. Desde o início, reuniu funções de regulação das comunicações electrónicas e de gestão e fiscalização do espectro radioeléctrico, numa abordagem que não era muito comum naquela época e que, actualmente, não é adoptada nalguns países.

Há que reconhecer que a junção destas duas funções numa mesma entidade, revela-se crescentemente acertada, nomeadamente tendo em consideração o aumento da importância das comunicações sem fios na prestação de serviços e de redes de comunicações electrónicas.

De facto, com base na experiência do ICP-ANACOM, constata-se que há uma relação muito próxima entre decisões tomadas no âmbito da regulação de mercados e decisões tomadas no âmbito da gestão de frequências. Esta proximidade, que leva a que tais decisões sejam idealmente tomadas em conjunto, implicaria um nível de coordenação difícil de alcançar, caso tais atribuições estivessem na competência de entidades distintas.

É que, numa altura em que o espectro radioeléctrico é o enabler da prestação de serviços a uma percentagem crescente da população, em que a convergência entre comunicações fixas e comunicações móveis e entre audiovisual e comunicações electrónicas são uma realidade, este recurso tem que ser gerido cada vez mais numa abordagem de mercado e menos numa abordagem técnica. Quer isto dizer que os objectivos de gestão do espectro devem estar orientados em função do mercado, devendo a componente técnica estar presente como facilitadora do alcance desses objectivos. Isto sem prejuízo de nalgumas situações ? que se desejam poucas e devidamente justificadas ? tais objectivos possam ser prejudicados por outros relacionados com a necessidade de gerir prudentemente o espectro radioeléctrico, nomeadamente no que respeita à necessidade de evitar interferências e de respeitar acordos internacionais.

É nesta perspectiva que o ICP-ANACOM tem vindo a conciliar as suas actividade de regulação do mercado das comunicações electrónicas com a gestão do espectro radioeléctrico. De uma maneira geral, temos vindo a privilegiar os objectivos relacionados com o mercado na gestão do espectro e temos contado com essa gestão para alcançar objectivos de regulação.

Isto porque é claro nos objectivos que nos estão atribuídos, que devemos gerir o espectro radioeléctrico de forma a que as frequências sejam utilizadas de forma efectiva e eficiente, com o fim último de promover a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações electrónicas e dessa forma contribuir para a disponibilização de serviços eficientes, com elevada qualidade de serviço e a preços baixos, razão final da existência do regulador. 

Nesta linha de privilegiar o mercado na gestão do espectro radioeléctrico, temos vindo progressivamente a adoptar uma abordagem de neutralidade tecnológica na atribuição e utilização do espectro, perspectivando-se que quando possível ? e tendo em consideração aspectos jurídicos relacionados com o legado de abordagens passadas ? possamos evoluir para abordagens de neutralidade de serviços.

São exemplos desta abordagem os seguintes:

  • Primeiro: a adopção, já no Quadro Nacional de Frequências de 2007 do refarming do espectro 900. Esta medida possibilita que esta faixa de frequências não permaneça exclusivamente adstrita à tecnologia GSM. Foi uma opção de política de gestão do espectro radioeléctrico do ICP-ANACOM, que entretanto apenas aguarda a revogação da Directiva GSM para ser implementada de facto. O ICP-ANACOM acredita que esta decisão vai possibilitar ganhos de eficiência significativos na cobertura do país em UMTS, com as vantagens daí decorrentes em termos de disponibilidade de banda larga a preços mais acessíveis. A este respeito gostaria de referir que esperamos atentamente que estas vantagens sejam passadas aos utilizadores finais ? dado que se trata de um mercado tratado como concorrencial ? e que não se transformem, em proporção para além do razoável, apenas em lucro acrescido dos actuais operadores móveis.
  • Segundo: o anúncio da colocação no mercado, no início de 2008, de frequências na faixa dos 3,4 ? 3,8 GHz destinadas a Broadband Wireless Access. Pretende-se com esta medida disponibilizar espectro para reforçar acesso à Banda Larga, na totalidade do país, mas com especiais preocupações nas zonas rurais. Tais frequências serão colocadas no mercado numa perspectiva de completa neutralidade tecnológica e de serviços, desde que salvaguardadas eventuais condições técnicas, relacionadas com os regulamentos rádio e com a necessidade de evitar interferências. O processo de selecção, será o leilão do espectro, sendo no entanto claro que o ICP-ANACOM pensa recorrer a este método não para levantar fundos, mas para que não nos tenhamos que pronunciar sobre a qualidade de planos de negócios e de planos técnicos. Dado o nível de maturidade das aplicações adequadas para esta faixa de frequências (de entre elas o WiMax) entendemos, mais uma vez, que seja no mercado que se escolhem as entidades que devem vir a obter as frequências.
  • Terceiro: a decisão tomada de eliminar as restrições que os detentores de direitos de utilização de frequências associadas ao Fixed Wireless Access, na sequência da colocação no mercado das frequências antes mencionadas, ou seja, possibilitando que estes operadores possam adoptar a tecnologia que entenderem, incluindo na prestação de serviços de características não fixas (agora nomádicas e móveis). Esta medida permitirá evitar uma subutilização do espectro actualmente atribuído a estas entidades, aumentando assim a eficiência da sua utilização;
  • Quarto: o objectivo de colocar espectro em regime de acesso pleno, sempre que as condições técnicas o permitam e sempre que haja frequências disponíveis em quantidade suficiente para satisfazer as necessidades do mercado, ou seja, que não haja necessidade de desencadear procedimentos de selecção, seja por concurso, seja por leilão. Esta abordagem está actualmente em vigor na faixa dos 24.5 ? 26.5 GHz, onde qualquer entidade pode pedir atribuições de espectro para implementar a tecnologia que entender necessária e para a prestação de serviços que entende que o mercado necessita.

Todas estas decisões têm sido tomadas no sentido de flexibilizar o uso do espectro, tornando a sua utilização mais eficiente, abandonando a ideia, ultrapassada, de que quem gere o espectro está melhor colocado para saber o que mais convém ao mercado. É assim da análise e tomada de risco das empresas que actuam no mercado ? nomeadamente das empresas aqui presentes ? que se espera que o espectro venha a ter utilizações mais eficientes e mais eficazes, com vantagens para a economia e para os cidadãos.

Mantendo esta perspectiva, de que deve ser no mercado que a utilização do espectro radioeléctrico deve ser definida, mostra-se igualmente ultrapassada a ideia de que as frequências à disposição do mercado e, por inerência, o número de operadores que nele actua, devem ser definidos por quem gere o espectro.

De facto, nos tempos actuais, não cabe ao regulador definir o número de operadores presentes no mercado, cabendo-lhe antes um papel de facilitador, no sentido de gerir o espectro de forma a disponibilizar ao mercado as frequências consideradas necessárias a cada momento.

Nesta linha, o ICP-ANACOM promoveu recentemente uma consulta pública no sentido de avaliar junto do mercado potenciais interessados na atribuição de espectro, nomeadamente nas faixas dos 450 MHz, 900 MHz e 1800 MHz. O objectivo subjacente foi o de identificar quais as frequências mais atractivas para o mercado, e de disponibilizar aquelas que suscitavam maior interesse.

Na sequência desse processo, o ICP-ANACOM identificou a faixa dos 450 MHz como alvo de interesse, tendo por isso definido que iria colocar no mercado o espectro equivalente a uma portadora, o que deseja que aconteça até ao final do presente ano, através de concurso público.

Numa lógica de transparência para com o mercado, o ICP-ANACOM entendeu, neste contexto, clarificar a situação das frequências actualmente atribuídas nesta faixa, para a prestação de comunicações móveis no âmbito de grupos fechados de utilizadores.

Colocava-se a questão de saber se, na sequência do concurso para atribuição da nova portadora, seriam ou não levantadas as restrições que actualmente impendem sobre as licenças em vigor, questão que não é, naturalmente, irrelevante para a tomada de decisão dos agentes económicos sobre estarem ou não presentes no referido concurso.

Na sequência da política de gestão do espectro radioeléctrico que tem vindo a ser seguida ? numa abordagem caracterizada por uma crescente adopção de princípios de neutralidade e de inequívoco foco no mercado ? não faria sentido que o ICP-ANACOM decidisse outra coisa que não que tais restrições fossem levantadas após a conclusão do processo do concurso.

Esta decisão, que ainda não é definitiva ? dado que se iniciou agora o processo de consulta pública previsto na lei, no termo do qual o ICP-ANACOM tomará uma decisão final ? será seguramente alvo de participada discussão, dado que é comum que os arautos da liberalização e da iniciativa de mercado se afastem destas teses quando estão em causa situações que, sendo idênticas no plano dos princípios, podem ter impacte negativo na perspectiva que têm do mercado.

A este respeito importa referir ainda dois aspectos adicionais: o primeiro para dizer que o facto de o regulador devolver a iniciativa ao mercado no que respeita à quantidade de frequências nele presentes, bem como do número de operadores nele activos, não implica que ele se demita de, em casos de comprovada insuficiência de concorrência ou de entraves significativos à contestabilidade no mercado, actuar no sentido de tais falhas serem ultrapassadas.

De igual modo, e este é o segundo aspecto, pode o regulador entender que devem ser salvaguardados períodos de guarda, ou moratórias, para que entradas recentes no mercado se afirmem, devendo-o no entanto fazer de forma completamente justificada, precedida de consulta pública e sempre numa perspectiva temporária.

Julgo que estes exemplos, decorrentes da actuação do ICP-ANACOM no passado recente são ilustrativos da conjugação de objectivos entre regulação e gestão do espectro radioeléctrico. No entanto, permito-me acrescentar mais duas áreas onde essa conjugação é evidente.

A primeira área tem a ver com a definição das condições de atribuição de frequências.

No caso concreto do Broaband Wireless Access, o ICP-ANACOM apresentou já a sua visão ao mercado de que devem ser colocadas condições no leilão que se deverá realizar para atribuição das respectivas frequências, no sentido de privilegiar o aparecimento de novos operadores.

A abordagem que se pensa adoptar é a de desencadear o leilão para atribuição de frequências em duas fases. Na primeira não serão admitidas entidades que já possuam direitos de utilização de frequências naquelas faixas ou entidades que já prestem comunicações móveis ao público em geral.

Tais entidades apenas serão admitidas a uma segunda fase do leilão, que apenas terá lugar o espectro não for completamente atribuído na primeira fase, ou seja, se os potenciais novos entrantes no mercado, já tiverem satisfeito as suas necessidades de espectro.

Com esta abordagem pretende-se evitar comportamentos de preemption por parte dos operadores já existentes e promover a entrada de novos operadores no mercado, reforçando dessa forma o nível de contestabilidade no mercado em geral e no das comunicações móveis em particular.

A segunda área tem a ver com o modelo de taxação associado à utilização do espectro radioeléctrico.

O modelo que actualmente vigora em Portugal tem, no caso dos operadores móveis, a particularidade de ser definido em função do número de cartões SIM activos.

Quer isto dizer que um operador que tem muitos clientes paga proporcionalmente mais do que um operador que tenha menos clientes, apesar de um e outro terem atribuído o mesmo número de canais.

Este método, que teve uma justificação clara para ser introduzido no início da década de 90 ? permitiu condições de entrada vantajosas, dado que se baseia no princípio de pay-as-you-grow ? revela-se actualmente desalinhado com o princípio basilar de promover a eficiência e eficácia na gestão do espectro.

De facto, os actuais operadores não têm qualquer incentivo a devolverem ? ou a colocarem no mercado, numa lógica de comércio secundário ? o espectro não utilizado, dado que isso não lhes traria qualquer vantagem do ponto de vista dos custos. Teriam os operadores, em oposição, a desvantagem de, dessa forma, estarem a promover a entrada de outros operadores no mercado, aumentando assim o nível de concorrência com que se defrontariam. 

Verifica-se assim que a definição do método de taxação do espectro radioeléctrico pode ter implicações significativas no comportamento dos agentes presentes no mercado, com profundas implicações no nível de concorrência que caracteriza esse mesmo mercado.

No caso português esta questão assume contornos mais severos, na medida em que os operadores móveis detêm os direitos de utilização da totalidade do espectro radioeléctrico disponível na faixa dos 2,1 GHz, inviabilizando dessa forma que esse espectro venha a ter uma utilização alternativa.

Foi tendo em consideração as limitações do actual sistema, que o ICP-ANACOM já aprovou um novo modelo ? a ser submetido ao Governo que é a quem compete aprovar as taxas ? caracterizado pelo facto de o espectro passar a ser taxado não pela sua utilização, mas sim pela sua atribuição e eventualmente de forma progressiva.

Quer isto dizer que, caso o modelo venha a ser adoptado, os operadores em geral e os operadores móveis em particular terão um incentivo concreto no sentido de libertarem espectro que não esteja a ser utilizado.

Convém a este respeito no entanto referir que os incentivos são isso mesmo: incentivam comportamentos, não os definem. Assim, mesmo num cenário em que o incentivo não seja suficiente para que haja a libertação de espectro (mesmo com incentivos progressivos relativos ao espectro ?acumulado?) pode sempre o ICP-ANACOM, de forma devidamente justificada e após as devidas audiências prévias, impor a devolução desse espectro, caso se comprove a sua não utilização efectiva.

As comunicações sem fios e em particular as móveis, têm vindo a revelar-se um caso de sucesso em Portugal. Actualmente, Portugal apresenta taxas de penetração das comunicações móveis muito elevadas, o que abre boas perspectivas também para o acesso à banda larga, dada a crescente adesão dos utilizadores a meios sem fios para aceder a esse serviço.

Do total de 7,5 biliões de euros de volume de negócios do mercado português de comunicações electrónicas, cerca de metade corresponde a serviços prestados com base no espectro radioeléctrico. Dos cerca de 1,5 milhões de utilizadores de Banda Larga, cerca de 20% fazem-no através de comunicações sem fios.

Este sucesso e a dimensão do mercado tornam mais importante que a gestão do espectro radioeléctrico seja feita da forma mais eficaz possível, o que requer, inequivocamente, decisões orientadas ao mercado.

O ICP-ANACOM acredita que tem estado a dar passos seguros nesse sentido e é assim que, sempre que a gestão prudente mas inovadora deste recurso o permita, conta continuar.

Desta forma será um facilitador da vossa actividade, com o objectivo final de termos comunicações tecnologicamente inovadoras, competitivas e de elevada qualidade, o que, neste quadro depende essencialmente da vossa actuação no mercado.

Obrigado.