Considerações Finais


/ Atualizado em 06.12.2007

O ano de 2006 foi, no contexto regulatório das comunicações electrónicas e dos correios, em Portugal, um ano atípico, incorporando descontinuidades que exigiram novos rumos e nova agenda regulatória a uma actividade que, tendo em atenção as continuadas mudanças tecnológicas, já é, por si mesma, sujeita a um permanente desafio de reavaliação e potencial mudança.

As duas maiores descontinuidades têm naturezas diferentes: uma delas diz respeito à mudança na própria instituição ? a alteração do Conselho de Administração a meio do ano; a outra a potencial alteração da estrutura sectorial na sequência da OPA lançada pela Sonaecom sobre a PT.

A primeira tem naturais impactes na organização interna e no ritmo da actividade do ICP-ANACOM, pese a preocupação, sempre presente, de preservar todo o seu acervo de conhecimentos e boas práticas.

A segunda, tanto pelo inesperado da situação como pelas influências, não controláveis pelo ICP-ANACOM, sobre a sua agenda, acabou por dar a imagem regulatória do ano, obnubilando mesmo matérias regulatórias de fundo em desenvolvimento ou mutação, cujo alcance a recém empossada Administração só pôde enfrentar radicalmente no final do ano.

Acresce que a segunda descontinuidade ? a OPA ? não é separável da primeira ? a mudança de Administração ? porque esta tomou posse num ponto de viragem crucial da avaliação dessa operação ? o desenvolvimento da investigação aprofundada, e numa altura em que se havia adiantado um calendário para a decisão final (antes de Agosto de 2006), que se veio a revelar irrealista, mas cuja sinalização deixou marcas decisivas na agenda da regulação do ano.

Se a este quadro acrescentarmos a envolvente regulatória da UE, com a sua proposta ?Revisão 2006?, relativa ao enquadramento da regulação das comunicações electrónicas, que implicou um empenhamento ainda mais aprofundado do ICP-ANACOM nas actividades das associações dos Reguladores Nacionais (ARN) dos países europeus (IRG/ERG), bem como as propostas de liberalização dos correios, teremos uma imagem mais clara dos desafios postos neste ano.

Esses desafios, potenciados ainda mais pelas mudanças tecnológicas incessantes que lançaram o conceito de ?convergência?, passarão a ser o plasma em que, indubitavelmente, a actividade regulatória de 2007 mergulhará.

O tempo é inexorável e as descontinuidades de 2006 já o não são e tornam se actividades normais e contínuas no tempo que lhe sucede.

Cabe aqui, por isso mesmo, retomar algumas das palavras que o Presidente do ICP-ANACOM, em nome da Administração, proferiu no seu acto de posse:

?Teilhard de Chardin afirmava, nas primeiras décadas do século XX, que o «grande progresso do pensamento dos tempos modernos é a tomada de consciência do tempo? Já não podemos compreender cientificamente um objecto senão como a consequência de uma série ilimitada de estados antecedentes.»

Também é isso que sentimos ao tomar posse da Administração da ANACOM. Não é nada que se inicia! É algo que continua e que radica na sua história, apresentando já um inegável acervo que queremos honrar, sem perder de vista a necessária evolução, bem patente nas palavras de Teilhard Chardin.

Por isso mesmo queremos prestar homenagem e reconhecimento a todos os que nos antecederam, pelo muito que já construíram e pela posição de prestígio que angariaram para a Instituição.

Uma palavra especial de apreço para a última Administração, pelo trabalho que desenvolveu em tão difíceis condições.?

Estas últimas referências são a expressão mais clara da continuidade da actividade regulatória e, sobretudo, a manifestação de que essa actividade em 2006 foi partilhada por duas Administrações, bem consubstanciada pelo conjunto de decisões que, apesar das descontinuidades referidas, foram tomadas durante o ano em apreço.

É ainda de salientar que, cada vez com maior incidência, se vem fazendo sentir a necessidade de o Regulador avaliar, de forma sistemática, o risco associado a um importante conjunto de decisões, o que foi evidente em 2006. Isso decorre, nomeadamente, do aumento da litigância que resulta da possibilidade de recurso, para tribunal, das decisões regulatórias do ICP-ANACOM, prática que se tem vindo a generalizar com alguma rapidez e que pode conduzir a um ?vazio? regulatório, devendo por isso ser devidamente acautelada, em particular em processos que envolvam matéria com impacto alargado no mercado. Nesse âmbito, sublinhe-se que o mérito das decisões do ICP-ANACOM em matéria de comunicações electrónicas, emitidas ao abrigo da LCE, pode ser apreciado pelos tribunais em sede de recurso, devendo neste caso o tribunal ser auxiliado obrigatoriamente por três peritos. Trata-se de um mecanismo que, por um lado, aprofunda as possibilidades de sindicabilidade dos actos do regulador (uma vez que o mérito das suas decisões pode ser avaliado, e não apenas a legalidade "formal"), e que, por outro lado, introduz no processo o conhecimento técnico necessário para uma tomada de posição suficientemente fundamentada e que tenha em conta a ponderação dos interesses próprios e específicos da regulação.

À actual Administração cumpre, agora, responder aos desafios de 2007, que transitam, em boa parte e como é natural, de 2006: os desenvolvimentos da ?Revisão 2006?, sem esquecer a evolução institucional da regulação na UE, a liberalização dos correios, a evolução do SU nas comunicações electrónicas e nos correios, as análises de mercados e a sua eventual redefinição à luz da ?Revisão 2006? e da ampliação da ?convergência?, a ponderação de uma reavaliação dos critérios de aplicação do regime sancionatório no sentido de se constituir num elemento efectivo de dissuasão de incumprimentos e violações do quadro legislativo e regulatório, a dispersão da banda larga, sem esquecer o papel da telefonia móvel, o lançamento da televisão digital terrestre e o desenvolvimento da televisão móvel e, por último, mas não menos relevantemente, a revisão do quadro nacional de atribuição de frequências, com a neutralidade tecnológica como pano de fundo e com uma mais eficiente utilização do espectro como objectivo, para o qual terá de contribuir também uma nova proposta de tarifação do mesmo.