Considerações Finais


No Relatório de Regulação de 2006 dava-se conta da singularidade regulatória que ele representou quer pelo peso da oferta pública de aquisição (OPA) feita pela Sonaecom sobre a PT, quer pela mudança quase total do Conselho de Administração do ICP- ANACOM, que, ainda por cima, ocorreu em pleno desenvolvimento do processo da OPA.

A rejeição dessa oferta logo nos primeiros meses do ano de 2007 se, por um lado, restabeleceu a normalidade do desenvolvimento dos problemas regulatórios, não deixou de ter efeitos secundários não dilatórios sobre o mercado das comunicações electrónicas em Portugal, designadamente no final do ano de 2007, altura em que ocorreu o spin off formal da PT Multimédia do Grupo PT, muito como consequência da reacção à OPA.

Este é um acontecimento que marca significativamente os desafios regulatórios postos, acrescentando se aos outros desafios que a Administração já tinha identificados como exigindo, ou continuando a exigir, resposta pronta, ou seja:

''Os desenvolvimentos da ''Revisão 2006'' sem esquecer a evolução institucional da regulação na UE, a liberalização dos correios, a evolução do SU nas comunicações electrónicas e nos correios, as análises de mercado e a sua eventual redefinição à luz da ''Revisão 2006'' e da ampliação da “convergência”, a ponderação de uma reavaliação dos critérios de aplicação do regime sancionatório, no sentido de se constituir num elemento efectivo de dissuasão de incumprimentos e violações do quadro legislativo e regulatório, a dispersão da banda larga, sem esquecer o papel da telefonia móvel, o lançamento da televisão digital terrestre e o desenvolvimento da televisão móvel e, por último, mas não menos relevantemente, a revisão do quadro nacional de atribuição de frequências, com a neutralidade tecnológica como pano de fundo e com uma mais eficiente utilização do espectro como objectivo, para o qual terá de contribuir, também, uma nova proposta de tarifação do mesmo.''

A leitura do presente relatório confirma em absoluto essas previsões e a acção regulatória do ICP-ANACOM procurou dar cumprimento às respostas a esses desafios, alguns dos quais são, obviamente, recorrentes, sem embargo de oferecerem novas matizes que reclamam, felizmente, respostas diferenciadoras, às quais por vezes o formalismo e as metodologias mais ou menos imperativas que têm caracterizado a abordagem regulatória, têm inércia em se adaptar.

Como pontos mais salientes dos desafios atrás referidos, seja nos permitido isolar três, pelos reflexos que terão em anos futuros, nomeadamente no entendimento do que pode e deve ser uma regulação dinâmica e ágil.

Em primeiro lugar, a chamada ''Revisão 2006'' cuja complexidade é confirmada pelo arrastamento dos trabalhos em torno dela, designadamente em resultado de diferentes visões do modo por que se deve ir construindo o mercado interno de comunicações electrónicas (que ainda (?) não existe). É nessas diferentes visões que têm residido as principais dificuldades para um entendimento entre as Autoridades Reguladoras Nacionais (ARN) e a Comissão Europeia (CE). Entende o ICP ANACOM que o processo tem de ser gradual e que o princípio de subsidiariedade tem de prevalecer, sempre que a sua aplicação se justifique, o que não invalida, antes pelo contrário, uma cooperação crescente quer entre as ARN, quer entre si, estas e a CE.

Neste plano, há que ter consciência que as comunicações electrónicas são o único sector onde a CE tem poder de definir as linhas mestras das regulações nacionais, através do veto que possui face às análises de mercado e que por alegada necessidade de coerência regulatória no inexistente mercado único, tem procurado estender aos remédios, situação que a generalidade das ARN rejeita.

Esta não será a menor razão para a oposição imediatamente surgida à proposta de lançamento de uma instituição que, sem ser uma verdadeira agência regulatória europeia, permitiria à CE assumir poderes que hoje estão nas competências das ARN, entendendo a sua organização informal, o Grupo de Reguladores Independentes (IRG), que não é ainda (se o for no futuro) ocasião de eles serem centralizados.

A presença portuguesa foi particularmente relevante nesta matéria, não só através do ICP ANACOM, nas múltiplas reuniões com a CE e com presença activa nos grupos de trabalho, nas redes de contacto e nas plenárias dos IRG/Grupo de Reguladores Europeus (ERG), mas também pela influência e pelos resultados significativos obtidos durante a Presidência Portuguesa no segundo semestre de 2007, com destaque para a aprovação da Directiva Postal.

Sendo inegável que as decisões ao nível europeu condicionarão cada vez mais as decisões regulatórias nacionais, a presença e o papel do ICP-ANACOM intensificaram se, como não podia deixar de ser, durante 2007 e não abrandarão em 2008.

Um dos exemplos da influência da CE sobre o que pode ser feito a nível nacional é o atraso na não revogação das condições de aplicação da Directiva GSM (que teve a sua época áurea e em boa hora, é certo), o que impede que a decisão do ICP-ANACOM de permitir o refarming dos 900 MHz, e o consequente desenvolvimento mais competitivo da banda larga móvel, estejam por aplicar.

Aliás, este exemplo leva nos ao segundo ponto que queremos relevar e que é, indiscutivelmente, a difusão da banda larga, muito à custa do desenvolvimento da banda larga móvel, com taxas de crescimento, em Portugal, claramente superiores às da banda larga fixa, exacerbando o problema da convergência e dos exercícios regulatórios que a sua eventual concretização arrastará.

A 1ª Conferência Internacional do ICP-ANACOM, sobre convergência, realizada em 2007, no âmbito da Presidência Portuguesa da UE, deu fortes contribuições para a definição dos caminhos que a enformam, daí decorrendo novos problemas de enquadramento da regulação, os menores dos quais não serão, por certo, os das definições dos mercados (ou só de mercado, admitindo uma convergência integral?).

O terceiro ponto que gostaríamos de destacar tem a ver com a busca da eficácia da acção regulatória e da sua conexão com o claríssimo aumento da litigância.

A convergência e, sobretudo, o arranque das Redes de Nova Geração e de Acesso (NRA), que podem ser a expressão maior dessa convergência, têm mostrado que a busca da concorrência nos mercados das comunicações electrónicas não passa só por uma regulação adequada, mas mais por garantir que as regras estabelecidas são cumpridas de boa fé por todos os agentes no mercado, o que nem sempre se tem verificado.

Por isso mesmo, o uso de comportamentos que criam barreiras artificiais ao acesso, que nos regulamentos parece fácil prevenir, não pode ser permitido e a celeridade com que tais obstáculos são vencidos será a medida de sucesso da regulação e, sobretudo, da criação de um ambiente contestável e eficiente. Todos os processos dilatórios serão, pois, um elemento claramente nocivo ao desenvolvimento integral dos mercados das comunicações electrónicas.

Mal andaria o Relatório de Regulação se não terminasse com uma nova e mais circunstanciada referência ao spin off ocorrido no final do ano, não tanto pelos efeitos gerados na regulação durante 2007, mas antes pelos desafios que já está a permitir equacionar e que só serão plenamente visíveis em 2008. Mas a realidade é que se a separação for inquestionável como parecem sugerir as primeiras estratégias das entidades separadas, com sinais de uma concorrência acrescida e aguerrida entre o Grupo PT e a PT Multimédia (agora ZON TV Cabo), com a oferta da IPTV pela primeira e do telefone fixo pela segunda, há alguma não despicienda alteração estrutural nalguns dos mercados relevantes estudados pelo ICP-ANACOM que imporão novas reavaliações, tornadas muito complexas pela necessidade de desintrincar tantos activos partilhados e criados em comum durante tantos anos.

E essa destrinça é particularmente urgente e relevante quanto ela se enquadra no desenvolvimento das Redes de Nova Geração e de Acesso, o maior desafio regulatório para 2008, que tem de ser assumido, com abertura, inovação e humildade.