Considerações Finais


No final do Relatório de Regulação relativo ao ano de 2007 salientavam-se três desafios: a «chamada revisão 2006» com todo o cortejo de imbricações regulatórias entre as Autoridades Nacionais de Regulação e a CE – a «difusão da banda larga» – com particular ênfase na banda larga móvel em Portugal – e a «busca da eficácia da acção regulatória e da sua conexão com o claríssimo aumento da litigância.»

A nota mais visível do ano de 2008 é a confirmação da continuidade, quiçá do aprofundamento, desses desafios, sem embargo de se evidenciarem novos contornos, ou até novos enquadramentos resultantes das evoluções entretanto ocorridas.

Com efeito, a «Revisão 2006» arrasta-se e, em 2008, apesar de todo o trabalho realizado quer no âmbito da CE, Parlamento Europeu e mesmo Conselho de Ministros, quer nas ARN dos diversos países e, particularmente, no Grupo de Reguladores Europeus (ERG), muitos dos aspectos mais controversos do novo enquadramento regulatório que a revisão configura – o menor dos quais não é, por certo, a sugestão de um (quase?) – regulador europeu – continuam sem ter uma resposta fechada, apesar dos reconhecidos progressos feitos.

Este arrastamento da discussão obrigou a uma afectação crescente de meios e, sobretudo, de tempo, por parte do ICP ANACOM que procurou sempre manter presença activa em todos os cenários que têm algum peso na concretização das decisões relevantes para a definição final do novo quadro regulatório.

Essa presença continuada decorre do diagnóstico já feito no Relatório de Regulação de 2007, em que se salientava que «Sendo inegável que as decisões ao nível europeu condicionarão cada vez mais as decisões regulatórias nacionais, a presença e o papel do ICP ANACOM intensificaram se, como não podia deixar de ser, durante 2007 e não abrandarão em 2008.»

Se alguma coisa há a acrescentar ao que nessa altura se escreveu é dilatar no tempo essa perspectiva, confirmando que em 2009 a tendência não diminuirá, antes se reforçará.

A consciência deste facto (e para a avivar, basta relembrar que o refarming dos 900 MHZ sofreu atrasos devidos à ausência de decisão europeia que o permita) sugere, se é que não impõe, que a organização deste Relatório de Regulação terá de ser mudada em futuro próximo, não se podendo conformar uma visão integrada dos desafios e das respostas regulatórias nacionais fora do plasma do Quadro Regulatório Europeu, o que é incompatível com a referência às actividades do ICP ANACOM no seio dos grupos europeus (IRG/ERG) – para além da previsível evolução do papel destes – bem como, e crescentemente, no RSPG, como de uma mera participação internacional se tratasse.

É que essas actividades são, cada vez menos, um ponto autónomo da agenda do ICP ANACOM e, cada vez mais, um determinante dessa mesma agenda.

No que toca ao segundo ponto dos desafios atrás referidos – a difusão da banda larga – em 2008 o problema não só se aprofundou como se alargou, adquirindo novos contornos, que resultaram, em particular, do reconhecimento da separação da ZON da PT, com uma implicação profunda na análise dos mercados relevantes para a banda larga, bem como o advento da concretização das novas redes de acesso. Esses desenvolvimentos, ao mesmo tempo que alargavam o âmbito da banda larga, aprofundavam o problema da convergência – e dos desafios regulatórios que ela coloca – dado o desenvolvimento constante das ofertas de banda larga móvel, eventualmente com alguma ameaça de desaceleração em Portugal, não por causa da procura, mas da melhoria de condições de cobertura 3G, que seria claramente favorecida pela concretização do refarming.

Finalmente, o terceiro ponto levantado – a eficácia regulatória e o aumento da litigância – não teve grande abrandamento em 2008, começando a assumir novos contornos que são, de algum modo, uma «resposta» a uma observação do Relatório de Regulação de 2007 feita nesse âmbito: «a busca da concorrência nos mercados das comunicações electrónicas não passa só por uma regulação adequada, mas por garantir que as regras estabelecidas são cumpridas de boa-fé por todos os agentes, o que nem sempre se tem verificado.» De facto, alguns operadores começam a pôr em causa já não principalmente as decisões regulatórias, defendendo que o fortalecimento da concorrência, bem como os outros objectivos da regulação, podem ficar comprometidos não pelas decisões existentes, mas pela não garantia do cumprimento das regras estabelecidas.

De algum modo, e usando uma linguagem em linha com as questões de regulação que a crise financeira (económica e social) tem levantado, alguns agentes de mercado clamam pela necessidade de maior supervisão do cumprimento das regras estabelecidas, mais do que pelas mudanças das mesmas.

Se a esse clamor acrescentarmos o dos utilizadores finais de comunicações, quer electrónicas, quer postais, que, de um ponto de vista regulatório mais restrito, deverá ser mais bem enquadrado numa perspectiva de regulação de comportamento (ex post), mas que, crescentemente, se dirige ao ICP ANACOM (e, mais geralmente, às ARN nacionais, assumindo aqui a CE um papel catalisador dessas exigências) percebemos melhor como não se pode confinar a actividade regulatória ao espaço delimitado por uma fronteira rígida dentro da qual existem apenas as acções típicas da regulação ex-ante.

Essa é a razão fundamental que justifica a presença neste relatório das múltiplas acções do ICP ANACOM em áreas como a segurança das redes, os aspectos técnicos de instalação e manutenção das redes, a protecção dos consumidores, a supervisão, o contencioso e o sancionamento dos incumprimentos, entre outros.

Este desfazer de fronteiras rígidas da regulação ex-ante, «clássica», foi muito evidente em 2008 e indica, sem grandes dúvidas, um caminho novo, a que urge estar particularmente atento nos anos que se seguem.

Para esse desfazer contribuem de um modo significativo duas situações muito vividas em 2008: o papel do espectro na regulação e o efeito de decisões políticas autónomas na acção regulatória de curto e de longo prazo.

No que toca ao espectro, parece cada vez mais claro que a convergência crescente não «aceitará» uma regulação coerente que aliene a gestão e, sobretudo, a afectação do espectro das decisões mais relevantes de regulação: o dividendo digital, a televisão móvel e a banda larga móvel, em todas as suas vertentes, aí estão a clamar o seu quinhão regulatório.

Por outro lado, as agendas e os calendários políticos (cuja legitimidade nunca se põe em causa) interferem, por vezes, com a agenda dos reguladores e com a programação dos trabalhos previamente delineada. Em 2008, esta vertente foi particularmente visível no lançamento das designadas e iniciativas (que, fundamentalmente, acabam por promover a banda larga móvel) e nas decisões do Conselho de Ministros no contexto da promoção de investimento das novas redes de acesso – NRA, que, na prática, acabaram por se concentrar no desenvolvimento das redes de fibra óptica, sendo certo que tal visão é restritiva de um verdadeiro conceito alargado e tecnologicamente neutro que são acessos de nova geração.

A natural exigência de participação nas acções decorrentes da implementação dessas políticas cria novas responsabilidades operacionais ao ICP ANACOM, que exigiram um duplo esforço: o da compatibilização com as exigências regulatórias que a ARN não pode, nem deve, deixar infringir em situação alguma e a afectação de recursos humanos especializados em áreas que coalescem com as especializações regulatórias, criando pressão na sua agenda regulatória específica, que obriga, e obrigou naturalmente, a ajustamentos de programação.

Serão estes desenvolvimentos em 2009, fundamentalmente centrados nas NGA, no aprofundamento da convergência e na «fusão» crescente das diversas abordagens regulatórias, que configurarão os desafios regulatórios do futuro.

Para lhes fazer face, o ICP ANACOM tem de ter a flexibilidade suficiente para reconhecer, antes de tudo, que não chega só fazer melhor o que se tem feito até agora. É, provavelmente, preciso fazer algo diferente o que poderá implicar posicionamentos diferenciados. Mas é ainda preciso procurar antecipar as mudanças e, sobretudo, responder aos desafios, com prudência, é certo, mas também com oportunidade e determinação.