E. Considerações finais


O Relatório de 2010 revestia um novo formato que visava dar “uma visão mais integrada da performance do ICP-ANACOM, em consonância, aliás, com a visão geralmente integrada que os cidadãos têm da sua atividade, já que as suas decisões, de qualquer natureza, vêm normalmente referidas como tendo sido assumidas pelo «Regulador»''.

Antecipava se, no entanto, “que o desafio posto por esta reestruturação é grande e difícil, mas esperamos que o exercício feito contribua para uma maior transparência das atividades do ICP-ANACOM, numa perspetiva mais integrada”.

A antecipação da dificuldade do desafio revelou se premonitória e a singularidade do ano 2011 foi um teste ácido à capacidade de superação desse desafio.

Com efeito, a conjugação de várias circunstâncias programadas pode ter dado origem não a uma visão integrada mas transparente das atividades do ICP-ANACOM, mas antes a um sincretismo conducente a uma avaliação difusa, e no mínimo translúcida, da ação do ICP-ANACOM e, consequentemente, do nível da sua performance.

Entre as várias circunstâncias vale a pena referir:

i) A realização de eleições antecipadas e a entrada de um novo governo;

ii) A assinatura do Pacto de Estabilidade e Crescimento e a presença da “troika” em Portugal, com reflexo não despiciendo na agenda das comunicações a nível nacional;

iii) O início do processo de implantação da TDT em Portugal;

iv) O agravamento da crise económica e financeira.

A mudança de Governo comprometeu, desde logo, a atividade programada do ICP-ANACOM já que ficou adiada a substituição de quatro dos cinco elementos do Conselho de Administração, introduzindo um elemento de incerteza que se prolonga até ao fim do ano, estendendo se mesmo a 2012. Como é evidente, apesar do esforço feito para continuar a atuar como se tudo se mantivesse como previsto – e aqui cabe um agradecimento muito vivo aos colaboradores do ICP-ANACOM que souberam incorporar esse espírito, superando qualquer sensação de precaridade – o facto de não haver horizonte definido implicou uma prioritização das ações a mais curto prazo, o que pode implicar uma menor performance dinâmica.

Esta pressão sobre a definição das prioridades agravou-se com a legítima e inalienável preocupação do cumprimento das ações previstas no Memorando de Entendimento com a “troika”, o qual, sendo certo que, no essencial, não trouxe novidades aos objetivos já traçados pelo ICP-ANACOM para o sector das comunicações, implicou, naturalmente, alguns ajustamentos de calendário, com a consequente alteração de prioridades, provocando óbvias alterações de calendarização e reafectação de recursos.

Este facto implicou um significativo recrudescimento das atividades de assessoria ao Governo, pressionando fortemente a disponibilidade para concretização de ações correntes e estratégicas nos campos específicos da regulação e da supervisão.

Esta pressão agravou-se com o natural desenvolvimento (e decorrente exigência de participação ativa do ICP-ANACOM) do ORECE, bem como do ERPG (correios) e do RSPG (espectro) no espaço europeu, que se perspetivava, como se continua a perspetivar, crescentemente integrado nestas áreas.

A complicar ainda mais o funcionamento normal do ICP-ANACOM esteve o desenvolvimento da implantação da TDT que, posto que programado, exigiu recursos e atenções inesperadas pelas reações que suscitou (praticamente inexistentes em todo o processo de preparação, pesem as várias consultas públicas e inúmeras reuniões promovidas), designadamente as permanentes incertezas criadas para a sua concretização na data programada, imprescindível, não tanto (mas também) pelos compromissos europeus, mas pelas decisões já assumidas em termos de libertação do espectro para propiciar o desenvolvimento das tecnologias móveis 4G.

Por último, mas não menos relevantemente, a crise económica e financeira e algumas decisões do Governo abriram as portas a uma instabilidade da situação do ICP-ANACOM e dos seus colaboradores, fruto de um conjunto de contradições entre os objetivos assumidos pelo Memorando de Entendimento e pelo Programa do Governo – alegadamente o reforço da independência e da capacidade de atuação dos reguladores – e as decisões orçamentais que, manifestamente, punham (e põem) em causa essa independência, em clara ultrapassagem ao que os Estatutos (não revogados) configuram.

É com vivo regozijo e reconhecimento que verificamos – e o presente relatório é disso prova indubitável – que, se as portas se abriram, a instabilidade não teve reflexos nos resultados, não porque os colaboradores não tenham ficado preocupados e sentidos com as alterações sofridas e potenciais, mas porque souberam superar em empenho, disponibilidade e espírito de grupo as dificuldades que tiveram de enfrentar.

Contudo, se se olhar o comum das notícias sobre o ICP-ANACOM, os grandes desafios que enfrentou e que são, fundamentalmente, os de regulação e da supervisão ficaram quase omissos ou ignorados.

Essa é uma razão acrescida para que a opção por um relatório deste tipo acabe por se justificar apenas, é certo, para quem quiser ter uma visão completa, integrada e transparente da ação do ICP-ANACOM.

Aí será possível identificar todas as vertentes de atuação, em particular o desafio crescente de participação no ORECE (com todas as tendências contraditórias entre decisões universais e decisões individuais, onde os objetivos da construção europeia conflituam com alguns interesses nacionais), bem como os novos desafios suscitados pelas Redes de Nova Geração, quer fixas, quer móveis, com efeitos relevantes sobre as definições dos mercados, e a concretização (ou não) de concorrência entre infraestruturas, sendo que a não concretização poderá abrir as portas à ameaça de quase monopolização dos mercados com efeitos relevantes sobre a regulação. Questões como a separação funcional ou mesmo estrutural não poderão, então, deixar de ser devidamente abordadas.

A recente liberalização dos correios abre novas frentes na regulação do ICP-ANACOM e, noutro plano, a acessibilidade de conteúdos ligados à neutralidade da rede reforçará a necessidade de se enfrentar, sem hesitações, o problema do papel dos OTT (over the top).

O ICP-ANACOM deve estar preparado para, com flexibilidade, educação permanente e humildade, fazer face a estes desafios, o que conseguirá, por certo, se as suas capacidades e potencialidades não forem cerceadas por decisões (ou ausência delas) que não respeitem as suas competências e o seu grau de independência, garantes, a um tempo, de imparcialidade e de responsabilidade.