1. Enquadramento


À ANACOM, enquanto Autoridade Reguladora Nacional (ARN), compete, nos termos do disposto nos artigos 58.º e 59.º da Lei das Comunicações Eletrónicas - LCE1, a definição e análise dos mercados relevantes de redes e serviços de comunicações eletrónicas e a imposição de obrigações regulamentares específicas às empresas que tenham poder de mercado significativo (PMS) nos mercados em causa.

Nesse âmbito, por deliberação de 28 de setembro de 2010, o Conselho de Administração da ANACOM aprovou a decisão sobre a análise dos mercados grossistas de circuitos alugados, análise essa atualmente em vigor2.

Atendendo às alterações entretanto ocorridas nesses mercados, por deliberação de 19 de dezembro de 2014, o Conselho de Administração da ANACOM aprovou o sentido provável de decisão (SPD) relativo ao mercado de acesso de elevada qualidade grossista num local fixo (circuitos alugados grossistas) - Mercado 4 da Recomendação sobre mercados relevantes da Comissão Europeia de 20143 -, à avaliação de PMS e à imposição, manutenção, alteração ou supressão de obrigações regulamentares4.

Foi decidido submeter esse SPD a audiência prévia das entidades interessadas, nos termos dos artigos 100.º e 101.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) em vigor à data, bem como ao procedimento geral de consulta, previsto no artigo 8.º da LCE, fixando-se, em ambos os casos, o prazo de 30 dias úteis para os interessados se pronunciarem.

Esse SPD foi igualmente remetido à Autoridade da Concorrência (AdC), para obtenção de parecer nos termos previstos no artigo 61.º da LCE. A AdC enviou, a 30 de janeiro de 2015, o seu parecer relativamente ao SPD em causa5.

Em resposta aos procedimentos de consulta foram recebidos os comentários da BICS Portugal, S.A.6, da MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. (MEO)7, da NOS - Comunicações, S.A. (NOS)8 e da Vodafone Portugal - Comunicações Pessoais, S.A. (Vodafone)9.

Tendo em conta os comentários recebidos, a evolução do mercado ocorrida em 2014 (ano para o qual a ANACOM ainda não dispunha de informação completa e com o nível de detalhe necessário à data da adoção do SPD10) e a publicação da supra referida Recomendação em outubro de 201411, a ANACOM entende que se justifica uma maior ponderação da análise de mercado, necessitando para tal de solicitar informação adicional às empresas, tal como desenvolvidamente se indica no Relatório da consulta pública e audiência prévia sobre o sentido provável de decisão relativo à definição do mercado de acesso de elevada qualidade grossista num local fixo (circuitos alugados grossistas), à avaliação de PMS nesse mercado e à imposição, manutenção, alteração ou supressão de obrigações regulamentares (doravante Relatório da consulta pública e de audiência prévia), o qual faz parte integrante da presente decisão.

Este facto resultará no adiamento da entrada em vigor do quadro regulatório resultante da nova análise do mercado em apreço:

(a) quer por haver lugar a um novo procedimento de audiência prévia dos interessados e de consulta pública;

(b) quer por posterior necessidade de notificação à Comissão Europeia, às ARN de outros Estados-Membros e ao Organismo de Reguladores Europeus (ORECE), como previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LCE.

Contudo, no que toca às obrigações relativas aos circuitos alugados entre o Continente e as Regiões Autónomas (RA) dos Açores e da Madeira (designados 'circuitos CAM') e entre as várias ilhas de cada uma das RA (designados 'circuitos inter-ilhas', suportados em cabos submarinos da propriedade da MEO), e mais especificamente no que diz respeito aos circuitos Ethernet, não se justifica esse adiamento e, pelo contrário, é urgente a imposição de tais obrigações.

Com efeito:

(a) Tanto quanto é possível ajuizar agora, a reflexão adicional a que se está a proceder na análise do mercado não alterará o sentido desta medida específica, que não requer maior ponderação, nem informação adicional das empresas. Mas, tendo a medida caráter provisório, o que implica a respetiva substituição por uma medida definitiva logo que concluída a análise do mercado (cuja conclusão se prevê que ocorra num período de cerca de seis meses), sempre poderá ser alterada, se as novas informações entretanto colhidas e a referida reflexão e reponderação da análise do mercado o aconselharem.

(b) A MEO é monopolista nas ligações/rotas entre o Continente e as RA e na grande maioria das ligações inter-ilhas, sendo os preços dos circuitos CAM e inter-ilhas excessivamente elevados e injustificados face aos respetivos custos, como se referiu no SPD de 19 de dezembro de 2014 e se mantém no Relatório da consulta pública e de audiência prévia, o que constitui o principal obstáculo à concorrência na RAM (Região Autónoma da Madeira) e na RAA (Região Autónoma dos Açores) e requer uma intervenção urgente, que não se compadece com o adiamento atrás referido, adiamento esse com projeção específica no desenho da medida provisória ora adotada, que deverá produzir a plenitude dos seus efeitos até à conclusão do novo processo de análise do mercado.

(c) Os circuitos Ethernet assumem um papel fundamental no contexto dos circuitos CAM e inter-ilhas, representando praticamente 100% da capacidade alugada pelos operadores (a capacidade alugada relativamente aos circuitos CAM e inter-ilhas tradicionais é residual, não atingindo, no total de circuitos alugados pelos operadores, mais de 5 Mbps) e representando cerca de 99% dos proveitos da MEO com o aluguer de capacidade nos troços CAM e inter-ilhas (os proveitos anuais da MEO com estes circuitos CAM e inter-ilhas tradicionais é inferior a [IIC] [FIC] euros o que compara com proveitos superiores a [IIC] [FIC] euros anuais com os circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas). Acresce que a procura futura incide essencialmente nos circuitos Ethernet e são estes que vêm sendo objeto de particular preocupação pelos operadores NOS e Vodafone nas suas pronúncias sobre a matéria.

De facto, a MEO é proprietária dos cabos submarinos nas seguintes rotas12:

(a) CAM:

  • Continente - Açores;
  • Continente - Madeira;
  • Açores - Madeira;

(b) Inter-ilhas:

  • S. Miguel - Terceira;
  • Terceira - Graciosa;
  • Graciosa - São Jorge;
  • São Jorge - Faial;
  • Faial - Pico;
  • Pico - Santa Maria;
  • Santa Maria - S. Miguel.

A ANACOM tem tido sempre particular cautela na imposição da obrigação de controlo de preços. No caso específico dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas da MEO, nos quais existem margens claramente excessivas - o que será demonstrado em capítulo próprio desta decisão - e cujos preços têm um impacto relevante nos custos dos operadores que têm atividade naquelas RA - facto que adiante será desenvolvido -, há necessidade de implementar urgentemente a decisão de redução dos preços no âmbito da obrigação de controlo de preços imposta, alterando simultaneamente a metodologia de controlo de preços aplicável aos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas.

Em relação à matéria particular dos circuitos CAM (e inter-ilhas), a AdC, no seu parecer sobre o SPD, concorda com a conclusão da ANACOM quanto à existência de características concorrenciais e económicas únicas e excecionais no âmbito destes circuitos e reconhece que a alteração na metodologia de definição dos preços da oferta grossista Ethernet da MEO e as intervenções nos preços e no âmbito do acesso aos circuitos CAM e inter-ilhas vão ao encontro de necessidades específicas do mercado. Contudo, no que diz respeito às intervenções nos preços destes circuitos, questiona a AdC, sem colocar em causa a proporcionalidade da intervenção da ANACOM, se não será desejável determinar um ajustamento gradual dos preços mais ambicioso, atendendo, em particular, à importância deste tipo de circuitos para a concorrência nas RA e à magnitude das atuais margens obtidas pela MEO no seu fornecimento.

Por seu turno, nas respetivas pronúncias sobre o SPD, a NOS e a Vodafone evidenciam a fulcral importância dos circuitos CAM e inter-ilhas, tendo a NOS salientado que a abordagem regulatória prosseguida no SPD em relação a esta matéria pode marcar um ponto de viragem para este mercado e para os mercados (de serviços prestados) nas RA. A Vodafone partilha do entendimento da NOS sobre a importância da Decisão, propondo que a ANACOM vá ainda mais longe nas obrigações regulamentares preconizadas no SPD, nomeadamente na revisão de preços ao nível dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas, de modo a ultrapassar os constrangimentos que se verificam atualmente e que inviabilizam a prestação de serviços de comunicações eletrónicas nas RA em condições efetivamente concorrenciais e geradoras de reais benefícios para os utilizadores finais.

A MEO, sem prejuízo de discordar em particular da imposição de uma obrigação de controlo de preços nos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas, por considerar injustificável e desnecessária, pronunciou-se especificamente sobre a metodologia definida pela ANACOM, tendo confirmado os custos associados aos circuitos CAM13, efetuado uma proposta específica para os circuitos inter-ilhas (que foi parcialmente aceite) e apresentado um entendimento distinto relativo à capacidade utilizada no anel CAM, o que foi devidamente ponderado pela ANACOM no contexto da audiência prévia e consulta pública realizadas no âmbito do SPD de 19 de dezembro de 2014 e incorporado no respetivo Relatório da consulta pública e de audiência prévia.

Posteriormente, a 9 de junho de 2015, foi recebida carta da NOS onde refere que as medidas previstas no SPD vão ao encontro das preocupações por si veiculadas em particular no que se refere à eliminação dos estrangulamentos existentes ao desenvolvimento da atividade de operador de comunicações de serviços eletrónicos nas RA. No entanto, na sequência da receção de um novo questionário remetido pela ANACOM, para comentários, relativamente à análise do mercado de acesso de elevada qualidade grossista num local fixo, a NOS mostrou preocupação com o atraso que uma nova reanálise desse mercado irá implicar na adoção das medidas preconizadas no SPD e requer à ANACOM que imponha à MEO, ao abrigo do artigo 9.º da LCE, com caráter urgente, provisório e imediato, que o preço da parte submersa de um troço Ethernet CAM, não securizado, e dos circuitos inter-ilhas, não ultrapasse 90 mil euros por ano e por Gbps, devendo este preço aplicar-se de modo diretamente proporcional aos circuitos de 10 Gbps14.

Por outro lado, a MEO, através de carta de 26 de junho de 2015, teceu algumas considerações sobre a eventualidade de a ANACOM pretender impor, no imediato e fora do contexto da aprovação de uma deliberação sobre a regulação do Mercado 4 devidamente submetida a consulta pública, alterações dos preços dos circuitos CAM, alegadamente a coberto da necessidade de serem adotadas medidas urgentes nesta matéria. A MEO considera que, do ponto de vista legal, não se verificam os pressupostos de que depende a aplicação de medidas urgentes pela ANACOM. Para a MEO, não se verificam quaisquer circunstâncias excecionais em que a ANACOM possa legitimamente ancorar a natureza urgente das medidas que pretende adotar.

Notas
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1 Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro, e posteriormente alterada pela Lei n.º 10/2013, de 28 de janeiro, pela Lei n.º 42/2013, de 3 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 35/2014, de 7 de março e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro na redação que Ihe foi dada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro, pela Lei n.º 10/2013, de 28 de janeiro, pela Lei n.º 42/2013, de 3 de julho, pelo Decreto-Lei n.º 35/2014, de 7 de março e pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro.
2 Ver Download de ficheiro Decisão final de 28.09.2010 - Mercado retalhista e mercados grossistas dos segmentos terminais e de trânsito de circuitos alugados.
3 Recomendação da Comissão de 9 de outubro de 2014 (2014/710/UE), relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no setor das comunicações eletrónicas. Note-se que esta Recomendação teve uma retificação posterior à publicação do SPD, nomeadamente na designação do Mercado 4, passando, assim, na presente Decisão a adotar-se a nova designação de mercado de acesso grossista de elevada qualidade num local fixo.
4 Disponível em Consulta sobre o mercado de acesso de elevada qualidade grossista num local fixo (circuitos alugados grossistas)https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1342496.
5 Ofício da AdC, recebido a 2 de fevereiro de 2015.
6 Mensagem de correio eletrónico, de 13 de fevereiro de 2015.
7 Mensagem de correio eletrónico da MEO, de 4 de fevereiro de 2015.
8 Mensagem de correio eletrónico da NOS, de 4 de fevereiro de 2015.
9 Fax da Vodafone, de 4 de fevereiro de 2015.
10 Note-se que foi entretanto solicitada informação sobre indicadores essenciais.
11 Quando o SPD estava praticamente ultimado e havia matérias que urgia resolver com brevidade, como a questão do preço dos circuitos CAM e inter-ilhas.
12 A rota entre a Madeira e o Porto Santo é suportada em cabo submarino em regime de co-propriedade da MEO (com 60 por cento) e da NOS Madeira (com 40 por cento). As seguintes rotas são suportadas no cabo submarino da Fibroglobal, no qual a MEO adquiriu direitos de utilização de capacidade:
- Graciosa - Corvo;
- Corvo - Flores; e
- Flores - Faial.
A Fibroglobal está sujeita, nos termos da proposta efetuada no âmbito do concurso público para a instalação, gestão, exploração e manutenção de redes de comunicações electrónicas de alta velocidade na RAA, a disponibilizar acesso não discriminatório e transparente a todos os operadores que o solicitem.

13 Não obstante ter efetuado algumas considerações em relação à volatilidade dos custos de operação e manutenção anuais e às expectativas de evolução futura dos (custos dos) cabos submarinos.
14 Estas preocupações e requerimento da NOS foram também transmitidas através de ofício do Gabinete do Secretário de Estados das Infraestruturas, Transporte e Comunicações, de 29 de junho de 2015.