2. Fundamentos da decisão


Atualmente, as ligações entre o território continental e as RA são asseguradas por cabos submarinos, instalados pela MEO desde o final dos anos 90 (tendo sido objeto de posteriores aumentos de capacidade). Posteriormente, a MEO instalou cabos submarinos nas ligações entre a RAA e a RAM e entre as diferentes ilhas dessas duas RA (com as exceções atrás identificadas). Em alguns casos, nomeadamente no caso do cabo submarino entre o Continente e a RAA, o investimento foi, em parte, comparticipado com fundos públicos. Por outro lado, estes cabos foram também lançados aquando da instalação de cabos submarinos internacionais, pelo que terão existido algumas economias decorrentes dessa instalação conjunta.

Deste modo, apesar de não haver restrições legais significativas à instalação de cabos submarinos por parte dos operadores concorrentes da MEO, dada a capacidade instalada e a procura, não seria rentável a instalação de nova infraestrutura; note se, a este propósito, que mesmo os cabos submarinos de suporte aos circuitos CAM e inter-ilhas atualmente existentes beneficiaram de significativos apoios públicos. Assim, do ponto de vista económico, os operadores têm necessariamente de recorrer à única infraestrutura existente, que pertence à MEO1, sendo o acesso a essa infraestrutura também a opção mais vantajosa para o mercado em geral, incluindo para os utilizadores finais, pelo que tal acesso deve ser assegurado em condições razoáveis e não discriminatórias e com preços regulados.

Os cabos submarinos que ligam o Continente às RA (e entre a RAA e a RAM) suportam a prestação de vários serviços a jusante, entre os quais o serviço de circuitos alugados. Esta oferta de circuitos CAM (e inter-ilhas) é regulada desde a primeira análise dos mercados de circuitos alugados em 2005, no âmbito da Oferta de Referência de Circuitos Alugados (ORCA). Em 2011, após a segunda análise dos mercados de circuitos alugados, atualmente em vigor, a oferta de circuitos alugados Ethernet da MEO nestas rotas também ficou sujeita a regulação ex-ante no âmbito da Oferta de Referência de Circuitos Ethernet (ORCE).

A ANACOM, reconhecendo o constrangimento na oferta de serviços de comunicações eletrónicas por parte dos operadores alternativos nas (e entre o Continente e as) RAA e RAM, devido à absoluta necessidade desses operadores alugarem à MEO circuitos nas rotas para o Continente (e inter-ilhas, no que diz respeito às ligações suportadas em cabos submarinos da MEO), entendeu ser necessário impor condições diferenciadas, mais precisas e adequadas, especialmente ao nível dos prazos de fornecimento e qualidade de serviço, bem como dos preços, na oferta grossista regulada no âmbito dos circuitos CAM e inter-ilhas2. Para esse efeito, a ANACOM impôs um conjunto de alterações à ORCA e à ORCE no âmbito da Deliberação de 14 de junho de 20123, impondo nomeadamente a redução dos preços dos circuitos CAM tradicionais (ORCA).

Até ao momento, os circuitos CAM (e inter-ilhas) foram incluídos no mercado dos segmentos de trânsito, inicialmente no mercado nacional (ex-mercado 144) e posteriormente no mercado das Rotas Não Concorrenciais (Rotas NC). Contudo, mesmo de um ponto de vista estritamente técnico, um circuito CAM e inter-ilhas, por se suportar em cabos submarinos (e atravessar estações de amarração de cabos), isto é, numa infraestrutura distinta e com milhares de quilómetros de comprimento, não é igual a um outro qualquer segmento de trânsito em território nacional.

Fundamentalmente, os operadores enfrentam no acesso aos circuitos CAM e inter-ilhas condições concorrenciais únicas, de tal modo restritivas, que são distintas de qualquer outro segmento de trânsito no Continente. Com efeito, como atrás referido, ao nível dos circuitos CAM e inter-ilhas (suportados em cabos da propriedade da MEO) não existe qualquer oferta alternativa (a não ser a revenda que tem sempre como base as condições definidas pela MEO ao operador que contrata o aluguer de capacidade à MEO5), nem se prevê que essas alternativas possam vir a existir no futuro, mesmo a longo prazo6. De facto, ainda que possa existir a revenda grossista de capacidade por parte de operadores que contratam à MEO capacidade nos circuitos CAM e inter-ilhas, num critério de avaliação de dominância não se pode ter em conta essa revenda, apenas se podendo contabilizar os circuitos fornecidos com base em infraestrutura de rede própria.

Atendendo à importância dos circuitos CAM e inter-ilhas no contexto da continuidade territorial entre o Continente e as RA e à sua relevância para assegurar a concorrência nestas regiões, especialmente no contexto dos circuitos Ethernet, a obrigação de controlo de preços é um instrumento fundamental no contexto da intervenção regulatória, conclusão esta reforçada pelo facto de - como se verá adiante - o preço atualmente praticado pela MEO no serviço de circuitos alugados Ethernet CAM ser mais de [IIC] [FIC] vezes superior aos respetivos custos.

No entanto, apesar de estar em vigor uma obrigação genérica de controlo de preços - consubstanciada na obrigação de preços orientados para os custos no caso dos circuitos tradicionais, incluindo os circuitos CAM no âmbito da ORCA, e no cumprimento de uma regra de “retalho-menos” no caso dos circuitos CAM no âmbito da ORCE -, a ANACOM verifica que a regra de “retalho-menos” imposta no contexto da obrigação de controlo de preços dos circuitos Ethernet CAM não se veio a revelar efetiva7, sendo que atualmente já é possível identificar claramente, no Sistema de Contabilidade Analítica (SCA) da MEO, os custos dos circuitos CAM (Ethernet), conforme se detalha em secção autónoma do presente documento.

Saliente-se a este propósito que foram expressas preocupações sobre a matéria por várias instituições, nomeadamente das RA, e, em 2013, na sequência de questões suscitadas pela ANACOM junto da MEO relativamente aos custos e preços dos circuitos Ethernet CAM (que não estão sujeitos a uma obrigação de orientação dos preços para os custos), a MEO identificou margem para redução dos preços; contudo, enquanto reduziu os preços dos circuitos de menor capacidade, de 10 Mbps e 100 Mbps, em aproximadamente 50 por cento, já os preços dos circuitos de 1 Gbps - os mais relevantes já na altura - foram reduzidos em apenas 12 por cento. Nessa ocasião a ANACOM não poderia ter imposto reduções adicionais de preços, uma vez que os respetivos custos não estavam totalmente estabilizados para efeitos de ação regulatória (e a regra de “retalho menos” não é, neste caso, aplicável na prática).

Há ainda a agravante de, atualmente, a procura incidir sobre circuitos de capacidade mais elevada - acima de 1 Gbps - cujos preços são estabelecidos comercialmente pela MEO, não estando regulados.

Por outro lado, o crescimento das ofertas de banda larga, do débito destas ofertas e das ofertas em pacote tem conduzido a um aumento da procura de capacidade nestes troços, o que resulta num aumento dos custos operacionais dos operadores concorrentes da MEO e que fornecem serviços nas RA (já que os custos com os circuitos CAM e inter-ilhas têm um peso elevado na estrutura de custos desses operadores) e/ou numa degradação da qualidade de serviço, conforme foi transmitido a esta Autoridade pela NOS e pela Vodafone, tornando premente o alinhamento dos preços dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas com os respetivos custos.

Notas
nt_title
 
1 Com exceção dos já referidos troços inter-ilhas na RAA da propriedade da Fibroglobal (Graciosa - Corvo; Corvo - Flores; e Flores - Faial) e do troço Madeira-Porto Santo, em cabo submarino em regime de co-propriedade da MEO (com 60 por cento) e da NOS Madeira (com 40 por cento).
2 Relembre-se que a AdC, na sua resposta à consulta pública relativa à anterior análise de mercados, concordou com a definição de condições de acesso e de qualidade de serviço específicas para os circuitos CAM e a obrigação de garantia de expansão da capacidade, o que ''vai ao encontro de preocupações que têm vindo a ser manifestadas junto da AdC e que foram oportunamente transmitidas ao ICP ANACOM''.
3 Ver Alterações à ORCA e à ORCE - notificação da Comissão Europeiahttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1125633.
4 Da Recomendação da Comissão sobre mercados relevantes de 2003.
5 Mas que não tem efeitos práticos ao nível da concorrência no próprio mercado.
6 Ou seja, não se vislumbra qualquer viabilidade técnica e económica para uma eventual extensão da rede de transporte própria por parte dos operadores alternativos nestas rotas, constituindo a distância e o ''terreno'' (o oceano) um ''obstáculo'' praticamente intransponível no acesso às redes e na oferta de serviços de comunicações eletrónicas na RAA e na RAM. Os circuitos CAM e inter-ilhas são atualmente e no médio-prazo a única opção para tais ligações.
7 Não podendo ser aplicada, desde logo porque não há um preço de retalho para este submercado.
8 Note-se que a qualidade do serviço procurada no retalho, nomeadamente em termos de velocidade de acesso à Internet, atualmente é bastante superior à que se verificava há poucos anos atrás. E porque a procura total também tem aumentado, o acesso a circuitos de 1 Gbps passou a revelar-se insuficiente para fazer face à procura.
9 Disponibilizada por carta de 12.09.2014. Esta estimativa inclui os custos com a atividade IL1CAP - ''Nacional - Ligações CAM e Geral IL1CAP''.
10 No final de 2013:
(a) Estavam ligados/reservados [IIC] [FIC] para a rede MPLS; e
(b) Estavam contratados: (i) [IIC] [FIC],
ou seja, um total de [IIC] [FIC].

11 Que, segundo a própria MEO, é de [IIC] [FIC] euros por Gbps.
12 Que, segundo a MEO, ascendem a [IIC] [FIC] euros por Gbps.
13 De acordo com o referido pela MEO na resposta ao SPD.
14 Considerando-se ainda a natural evolução de atuais soluções n×100 Mbps para capacidades de 1 Gbps, envolvendo significativas reduções de preço.
15 Que são as centrais de Carcavelos (01CV01), de Picoas (01LX00) e da Boa-Hora (01LX22), no Continente, a central da Fajã de Baixo (96PD02), em S. Miguel, nos Açores e a central da Nazaré (91FX03), na ilha da Madeira, incluindo, adicionalmente, nos Açores a central de Ponta Delgada (96PD01).
16 Arredondado aos euros.
17 Sendo necessário mais informação por forma a melhor avaliar estas situações.