3. O mercado retalhista de televisão gratuita e o respetivo mercado grossista conexo


Definição de mercado

3.1 Um elemento importante a ter em conta relativamente ao mercado retalhista de televisão gratuita passa pelo facto, já anteriormente referido, de a cessação das emissões televisivas analógicas terrestres em todo o território nacional (o designado switch off) ter ocorrido a 26 de abril de 2012.

3.2 Ou seja, a partir daquela data cessou o serviço de teledifusão analógica terrestre, sendo substituído pela teledifusão digital terrestre (TDT) envolvendo também uma solução complementar via satélite – o DTH (Direct to Home) para as áreas não cobertas pela teledifusão terrestre1.

3.3 O mercado retalhista de televisão gratuita, por não existir qualquer tipo de contratação de serviços de teledifusão ou pagamento por esse serviço efetuado pelo utilizador final, quer junto do operador televisivo, quer junto do prestador de serviços de teledifusão, trata-se na verdade da prestação de um serviço com características de bem público, por estar livremente à disposição do utilizador final. Neste sentido, as condições de prestação do serviço de teledifusão retalhista acabam por ser resultado direto das condições em que ocorre a prestação do serviço no mercado grossista conexo2. Neste contexto, qualquer análise a este mercado deverá ser realizada no âmbito do mercado grossista conexo.

3.4 Com o switch off foi imposta uma substituição unidirecional do serviço analógico terrestre pelo serviço digital terrestre, pelo que serão pouco significativas quaisquer considerações económicas sobre outro tipo de substituibilidade do lado da procura ou do lado da oferta que possam, teoricamente, ser efetuadas.

3.5 Note-se, a este propósito, que em abril/maio de 2013, a penetração da TDT era estimada em cerca de 23,4 por cento3.

3.6 Do lado da oferta, e pelas razões anteriormente invocadas, e sem prejuízo do enquadramento legislativo e regulatório definido para o desenvolvimento da teledifusão digital terrestre, a substituição da teledifusão analógica terrestre pela teledifusão digital terrestre é um facto incontornável.

3.7 Deste modo, a nível retalhista, o mercado relevante é o mercado retalhista de televisão gratuita que atualmente é suportado na teledifusão digital terrestre (incluindo a solução complementar via satélite - DTH).

3.8 A nível grossista, tendo já ocorrido o switch off da teledifusão analógica terrestre, a sua substituibilidade pela teledifusão digital terrestre é total e obrigatória. O prestador do serviço de teledifusão analógica terrestre deixou, a partir de 26 de abril de 2012, de prestar esse serviço, passando apenas a prestar o serviço de teledifusão digital terrestre (complementada com a teledifusão via satélite, para a teledifusão gratuita dos seus conteúdos aos utilizadores finais).

3.9 Sem prejuízo, uma análise de substituibilidade entre a teledifusão analógica terrestre e a teledifusão digital terrestre, nomeadamente do lado da oferta, seria sempre artificial porque só existe um operador que presta o serviço, selecionado na sequência de concurso público.

3.10 Deste modo, perante a desativação da plataforma analógica, em que se suportava a teledifusão analógica terrestre, resta aos operadores de televisão suportarem-se na teledifusão digital terrestre.

3.11 Em conclusão, considera-se que o mercado grossista conexo ao mercado retalhista de televisão gratuita é o mercado grossista de teledifusão digital terrestre de canais televisivos de acesso não condicionado livre, incluindo a cobertura complementar em DTH, como previsto no DUF ICP-ANACOM n.º 06/2008 (doravante designado mercado grossista de teledifusão digital terrestre gratuito para os utilizadores finais4).

3.12 Definido que está o mercado de produto, atendendo a que o serviço grossista de teledifusão digital terrestre é prestado nas mesmas condições em todo o território nacional, tendo o direito de utilização de frequências atribuído à MEO essa abrangência e não havendo quaisquer particularidades que justifiquem a definição de uma abrangência distinta, conclui-se que este mercado abrange a totalidade do território nacional.

Mercados suscetíveis de regulação ex ante

3.13 A Comissão Europeia considera que os mercados identificados como relevantes para efeitos de regulação ex ante deverão obedecer a três critérios cumulativos5:

(a) Presença de obstáculos fortes e não transitórios à entrada no mercado.

(b) Estrutura de mercado que não tenda para uma situação de concorrência efetiva num horizonte temporal pertinente.

(c) Insuficiência do direito da concorrência para, por si só, suprir as deficiências apresentadas pelo mercado.

3.14 A análise destes critérios configura a aplicação do designado ‘teste dos três critérios’, neste caso ao mercado grossista de teledifusão digital terrestre gratuito para os utilizadores finais.

3.15 Releve-se que os critérios são cumulativos e, por isso, devem ser aplicados em conjunto, só se podendo concluir que o mercado em causa é um mercado relevante, suscetível de regulação ex ante se todos os critérios forem cumpridos.

Obstáculos à entrada e ao desenvolvimento da concorrência

3.16 Os elevados custos afundados associados ao investimento na capacidade de prestar o serviço grossista de teledifusão digital terrestre e, sem prejuízo de haver disponibilidade de espectro para o alargamento da oferta televisiva suportada noutros Muxes, determinam que, previsivelmente, apenas um número muito reduzido de empresas poderá ter acesso ao espectro disponível para oferecer serviços de teledifusão digital terrestre, fazendo com que prospectivamente o mercado grossista de TDT seja caracterizado pela existência de fortes obstáculos à entrada de caráter persistente e inultrapassável.

3.17 Neste contexto, releva-se que um eventual novo entrante terá expectavelmente custos mais elevados que os da MEO, não se perspetivando que possa ter uma experiência similar ou elementos de rede relevantes por comparação com a MEO, pelo que não será expectável que, a existir, apresente preços (significativamente) mais reduzidos que os praticados pela MEO que possam justificar uma eventual substituição de fornecedor grossista por parte dos operadores de televisão.

3.18 Releva-se ainda que no concurso público relativo ao MUX A, realizado em 2008, apenas houve um concorrente, o que é demonstrativo das barreiras à entrada que existem neste mercado, associadas à necessidade de cobrir a totalidade do território nacional o que implica quer a instalação e/ou acesso a torres quer o investimento na instalação ou acesso a rede que leve o sinal até às antenas instaladas nas referidas torres.

3.19 Com efeito, a MEO dispõe já de um conjunto de torres e de uma rede alargada, que beneficia das economias de escala e de âmbito – ou seja, a rede de TDT da MEO não foi construída de raiz com o propósito único de disponibilizar acesso a uma rede de difusão –, em que uma parte relevante da rede é utilizada conjuntamente por diversos serviços.

3.20 Adicionalmente, parte dos investimentos, principalmente os incorridos na instalação das torres e outros equipamentos (e.g. shelters), foram utilizados na rede analógica e estão amortizados, pelo que um eventual novo entrante, caso não tenha acesso a determinadas torres (e.g., por razões de falta de capacidade na própria torre), teria de incorrer em fortes barreiras à entrada decorrentes desses avultados investimentos.

3.21 Acresce que a instalação de novas torres (adicionais) nem sempre é possível, podendo determinadas torres não ser facilmente duplicáveis. Caso o fossem, poderia resultar na necessidade dos utilizadores finais terem, uma vez mais, de reorientar as antenas, o que poderia resultar em custos adicionais e, uma vez mais, em barreiras acrescidas à entrada neste mercado.

3.22 Por fim, dependendo do número de operadores de televisão interessados e licenciados para a difusão free to air (atualmente limitado), um eventual novo entrante para operar um MUX adicional, poderia ter uma utilização ineficiente da capacidade alocada, o que resultaria em custos unitários (por canal ou por Mbps) elevados e poderia resultar num interesse reduzido por parte dos operadores de televisão.

3.23 Finalmente, ainda que se tenha auscultado o interesse do mercado6 sobre a possibilidade de instalação de uma nova rede de TDT, na sequência de manifestações de interesse recebidas pela ANACOM, não é evidente que os operadores de televisão, num cenário, ainda incerto, em que possa ser instalada uma nova rede de TDT, possam passar de um operador/rede para outro(a).

Evolução da estrutura de mercado - aspectos dinâmicos

3.24 Atendendo aos obstáculos existentes à entrada identificados na secção anterior considera-se que é previsível que não ocorra a entrada de qualquer concorrente no mercado grossista da TDT, pelo menos no curto e médio prazo.

3.25 Neste contexto, a dinâmica que se prevê no mercado grossista da TDT é praticamente inexistente (e este aspecto está naturalmente relacionado com o anterior) indiciando que o mesmo não irá evoluir para uma situação de concorrência efetiva num horizonte temporal pertinente, designadamente o das análises de mercado.

3.26 Por outro lado, apesar de alguns utilizadores da TDT poderem migrar desta plataforma para plataformas pagas, tal situação não é suficiente para considerar que existem fortes constrangimentos à atuação da MEO neste mercado retalhista de televisão gratuita (TDT) que possam ser impostos pelas empresas que concorrem no mercado retalhista de televisão por subscrição.

3.27 Como se viu anteriormente, não existe substituibilidade entre o serviço retalhista de televisão gratuita (TDT) e o serviço retalhista de televisão por subscrição e, por conseguinte, estes serviços integram mercados relevantes distintos.

3.28 Aliás, uma oferta de TDT mais completa que se aproxime das ofertas de televisão por subscrição, em termos do número de canais e funcionalidades, é que poderia contribuir para um aumento da pressão concorrencial no mercado de televisão por subscrição e para uma atenuação das fragilidades concorrenciais identificadas nesse mercado, mas uma decisão nesse sentido depende de múltiplos fatores que extravasam mesmo o setor das comunicações eletrónicas.

3.29 Ou seja, a difusão de programas televisivos de acesso não condicionado livre, excetuando a rede de TDT, não é assegurada nas várias outras redes e plataformas, de forma gratuita para o utilizador, não sendo nesse aspeto garantida a universalidade do serviço.

Eficácia relativa do direito da concorrência

3.30 Atendendo aos obstáculos à entrada e à expectável ausência de desenvolvimento da concorrência no mercado, considera-se que o direito da concorrência não é suficiente para ultrapassar as limitações concorrenciais existentes caso exista um (ou mais) operador(es) com PMS.

3.31 Acresce que em resposta a uma queixa da Rádio e Televisão de Portugal, S.A. (RTP) contra a MEO no contexto do mercado de grossista de teledifusão digital terrestre gratuito para os utilizadores finais, a AdC informou a ANACOM que considera que uma intervenção de caráter regulamentar por parte da ANACOM, no exercício das suas atribuições e competências, poderia revelar-se como aquela que, no curto prazo, melhor responderia às preocupações suscitadas pela factualidade subjacente à queixa da RTP7.

3.32 A ANACOM considera que, atendendo às características específicas do mercado em análise, caso existam operadores com PMS, a imposição de obrigações ex ante será a forma mais eficiente e adequada para resolver as ineficiências persistentes que resultam do facto de a MEO ser o único prestador deste serviço e de a intervenção da ANACOM, nomeadamente a nível dos preços, estar limitada, não tendo a aplicação da lei da concorrência de forma ex post as mesmas potencialidades para resolver ou lidar com problemas concorrenciais similares de forma expedita.

3.33 Aliás, é a própria AdC a defender a regulação ex-ante deste mercado.

Conclusão sobre os mercados suscetíveis de regulação ex ante

3.34 A análise efetuada pela ANACOM indica que os três critérios cumulativos identificados pela Comissão Europeia para a imposição de regulação ex ante nos mercados estão presentes no mercado grossista de teledifusão digital terrestre gratuito para os utilizadores finais.

Notas
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1 Com efeito, embora o país esteja totalmente coberto, há uma parte da população que, por não ter acesso à televisão digital por via terrestre devido à inviabilidade técnico/económica da cobertura TDT (terrestre) em todo o território nacional, possui uma solução complementar via satélite, que assegura a receção dos canais gratuitos nacionais - o serviço DTH – em áreas remotas e/ou de orografia complexa. De facto, a MEO está obrigada a garantir uma cobertura de 100 por cento da população nacional, garantindo-se que pelo menos 87,26 por cento da mesma seja coberta por radiodifusão digital terrestre e que no máximo 12,8 por cento seja coberta com recurso a meios complementares, em concreto DTH, sendo disponibilizados pelo menos os mesmos serviços das zonas cobertas por via terrestre, bem como níveis de serviço e condições de acesso dos utilizadores equiparáveis aos daqueles.
2 Sendo também o resultado da venda de espaços publicitários, a qual constitui a principal fonte de receitas dos operadores de televisão, sendo neste aspecto importante a audiência dos programas transmitidos.
3 Segundo o estudo “Televisão Digital Terrestre - A transição do sinal analógico para o digital”, de 1 de outubro de 2013. Disponível em: Download de ficheiro Televisão Digital Terrestre - A transição do sinal analógico para o digital.
4 Incluindo a cobertura complementar DTH.
5 Cf. Recomendação sobre mercados relevantes (considerando 11).
6 No contexto da consulta pública sobre o futuro da TDT, lançada a 24 de abril de 2014.
7 Acessível em: Download de ficheiro Decisão de 02.05.2014.