Decisão sobre o pedido de intervenção da Vodafone relativo ao conflito sobre propriedade ou direito de gerir infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações


1. Por carta de 16.09.2014, a Vodafone Portugal - Comunicações Pessoais, S.A. (doravante Vodafone), invocando os artigos 53.º e 84.º do Código do Procedimento Administrativo1 (de ora em diante CPA), o artigo 5.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 2, alíneas a) e b), bem como o artigo 63.º, n.º 1, ambos da Lei das Comunicações Eletrónicas2 e o artigo 9.º, n.º 1, alíneas b), c) e g) dos Estatutos do então ICP-ANACOM3, vem requerer que esta Autoridade decrete medidas provisórias para acautelar os interesses públicos afetados pela incerteza quanto à titularidade das infraestruturas aptas à instalação de redes de comunicações eletrónicas até à conclusão do procedimento tendente à implementação do SIC.

Em concreto, a Vodafone requer que a ANACOM determine à PT Comunicações, S.A., agora MEO - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., à Estradas de Portugal, E.P., atualmente Infraestruturas de Portugal, S.A. e aos municípios ou, subsidiariamente, recomende às entidades titulares ou que se arrogam a titularidade de condutas o seguinte:

«a) Identifiquem, de forma proactiva, situações de litígio com outras entidades quanto à titularidade de infraestruturas específicas, bem como adotem com celeridade todas as diligências necessárias para resolver tais litígios, de modo a evitar situações fácticas de violação dos direitos das empresas de comunicações eletrónicas de acesso a infraestruturas mediante condições remuneratórias orientadas para os custos, prejudiciais para os consumidores e para o mercado das comunicações eletrónicas.

b) Se abstenham de impedir ou fazer cessar por qualquer modo o acesso a infraestruturas litigiosas por parte das empresas de comunicações eletrónicas, desde que estas empresas já tenham cumprido os procedimentos estabelecidos por uma das entidades em litígio e tenham satisfeito as contrapartidas remuneratórias por ela exigidas para aquele acesso, designadamente no âmbito da respetiva oferta de referência, ou (…) quando tenham efetuado consignação em depósito de tais contrapartidas pelo valor mais baixo exigido por uma das entidades em litígio ou, tratando-se de infraestruturas constantes da ORAC, pelo valor devido nos termos desta.

c) Não exerçam autotutela para efeitos de remover coercivamente componentes das redes de comunicações eletrónicas alojados em infraestruturas que entendam ser da sua titularidade, limitando-se (…) na falta de acordo das empresas de comunicações eletrónicas proprietárias de tais redes, a promover a referida remoção pelas vias jurisdicionais adequadas»4. 

2. Realizada a análise preliminar do pedido, a ANACOM, em 05.05.2016, proferiu o seguinte Sentido Provável de Decisão (SPD):

«….Não adotar as medidas provisórias requeridas pela Vodafone com vista a acautelar os interesses públicos afetados pela incerteza quanto à titularidade de infraestruturas aptas à instalação de redes de comunicações eletrónicas até à conclusão do procedimento tendente à implementação do SIC nem qualquer recomendação com o alcance preconizado por aquela empresa».

Sustentam o SPD os fundamentos que de seguida se sintetizam:

  • Decorre do CPA que a adoção de medidas provisórias só pode ser ordenada pelo órgão competente para a decisão final, sucede que «…a lei não confere à ANACOM competências que a habilitem a determinar às entidades que detêm infraestruturas aptas (…) que adotem as diligências necessárias à resolução de diferendos sobre a propriedade ou o direito de gestão de infraestruturas, ou que deixem de fazer uso dos mecanismos previstos na lei para autotutela dos seus direitos»;
  • O Sistema de Informação Centralizado (SIC), «…ainda que possa contribuir para identificar infraestruturas cuja propriedade ou direito de gestão seja objeto de conflito, não permite, só por si, ultrapassar as situações de impasse decorrentes daqueles diferendos», razão pela qual as medidas provisórias requeridas não são passíveis de ser enquadradas no procedimento de implementação ou de normal gestão do SIC;
  • Atentos os princípios da legalidade e da especialidade a que está sujeita a atuação da ANACOM, não pode esta Autoridade proferir qualquer decisão com o alcance requerido;
  • Por outro lado, ainda que os Estatutos habilitem a ANACOM a formular recomendações, não se afigura que uma recomendação possa ter a abrangência do pedido formulado, sendo muito improvável que uma intervenção nestes termos fosse passível de produzir os efeitos visados, tendo em conta a importância das infraestruturas e a falta de poderes da ANACOM para impor uma solução.  

3. Nos termos do que prevê o artigo 101.º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, ao caso aplicável por força do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, foi a Vodafone notificada para se pronunciar, querendo, sobre o SPD acima replicado, tendo sido fixado o prazo de dez dias úteis para o efeito.

Tendo rececionado o ofício5 de notificação a 09.05.2016, a Vodafone pronunciou-se, tempestivamente, por fax rececionado na ANACOM a 23.05.2016.

Na sua pronúncia, a Vodafone recorrendo aos argumentos já antes expendidos no pedido de intervenção que apresentou, vem sustentar que a ANACOM tem competência para intervir nos termos requeridos. 

Perante a inexistência, em sede de pronúncia, de novos fundamentos, de facto ou de direito, que justifiquem a alteração do SPD adotado pela ANACOM em 05.05.2016 – na sua pronúncia a Vodafone apenas descreve situações que não diferem substancialmente das anteriormente invocadas -, os números seguintes incidem apenas sobre os argumentos entretanto apresentados pela empresa que apontam para a necessidade de a ANACOM clarificar o entendimento expresso no SPD relativamente à matéria controvertida.

Neste contexto, cabe salientar:

3.1. Quanto à alegada competência da ANACOM para decretar as medidas solicitadas

Pronúncia da Vodafone

A Vodafone invoca os artigos 6.º, n.º 1, 8.º, n.º 1, alíneas a), b), g) e h), 9.º, n.º 1, alíneas a), b) e n) e n.º 2, alínea b), todos dos Estatutos da ANACOM, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março6, o artigo 5.º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alíneas a) e b) e n.º 6, da Lei das Comunicações Eletrónicas e o artigo 16.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, na redação em vigor, para destas disposições retirar a competência desta Autoridade «…para adoção de medidas razoáveis, proporcionadas e necessárias – materializadas, nomeadamente, na emissão de ordens, instruções e determinações – bem como para a formulação de recomendações, quando estejam em causa litígios que contendam com a concorrência na oferta de redes e serviços ou a efetivação dos direitos de acesso a redes, infraestruturas, recursos e serviços».

Mais salienta que «a lei, ao fazer constar do elenco das competências da ANACOM, para o desenvolvimento das atribuições que lhe estão legalmente cometidas, o poder-dever de formular recomendações, não faz (…) depender a formulação dessas recomendações de quaisquer juízos valorativos sobre a quantificação dos efeitos que a recomendação poderá potencialmente atingir. Estando, em qualquer caso, por demonstrar que os efeitos de uma recomendação [desta Autoridade] tivessem a pouca eficácia que [a ANACOM] enuncia sem, contudo, o fundamentar».

Entendimento da ANACOM

Em linha com os fundamentos que sustentam o SPD, esclarece-se:

Em primeiro lugar, em momento algum a ANACOM nega que o enquadramento setorial vigente, designadamente as disposições invocadas pela Vodafone, a habilitam a emitir instruções e a formular recomendações no exercício dos poderes que lhe são legalmente conferidos. Porém, a possibilidade de emitir instruções e de formular recomendações apenas existe na medida e dentro dos limites em que o regime substantivo fixado na Lei habilita uma intervenção da ANACOM. Neste contexto, é de estranhar que a Vodafone invoque as atribuições e poderes que os Estatutos conferem à ANACOM mas se esqueça de referir que quer umas (as atribuições), quer outros (os poderes), são exercidos sempre «nos termos da legislação aplicável» 7 - legislação substantiva, entenda-se.

Assim, para fundamentar uma intervenção da ANACOM não é suficiente nem adequado invocar apenas a disposição dos seus Estatutos que lhe confere o poder de emitir instruções e de formular recomendações, estes poderes de intervenção devem necessariamente ser articulados com as competências - poderes - previstos no regime substantivo aplicável e, sempre, após uma avaliação, pela ANACOM, da necessidade e da adequação da intervenção. Acresce que a emissão de recomendações não constitui um poder de exercício vinculado. Cabe à ANACOM decidir em que termos e momento exerce essa competência. Assim, sem afastar a possibilidade de vir a proferir uma recomendação no domínio identificado pela Vodafone, a ANACOM não está condicionada a fazê-lo nos precisos termos que aquela empresa o preconiza.

Assim, embora esta Autoridade partilhe da preocupação da Vodafone (que é de resto comum a outros operadores) quanto à premente necessidade de se encontrarem mecanismos alternativos que permitam dirimir, com celeridade, as situações em que a existência de um litígio sobre titularidade de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas impede a normal aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio (de ora em diante Decreto-Lei n.º 123/2009), a atuação da ANACOM não pode deixar de se pautar pelos princípios da legalidade e da especialidade.

Por força do primeiro dos indicados princípios, a lei é pressuposto, fundamento e limite da sua atividade (como de resto exemplarmente refletido na redação do n.º 1 do artigo 8.º e do n.º 1 do artigo 9.º dos Estatutos). Do segundo, resulta que a ANACOM «não pode exercer atividades ou usar os seus poderes fora do âmbito das suas atribuições nem afetar os seus recursos a finalidades diversas das que lhe estão cometidas» 8, limitação que a Vodafone não considera no elenco de disposições que invoca para justificar a intervenção da ANACOM, sendo certo que este princípio, que impede a ANACOM de atuar fora do âmbito das suas atribuições, foi determinante para o sentido da decisão proferida em 05.05.2016.

Ora, nenhuma passagem da legislação setorial habilita a ANACOM a adotar medidas com o recorte delineado pela Vodafone, cuja finalidade é levar os destinatários a adotar comportamentos e uma forma de proceder que tem subjacente a renúncia ou, no mínimo, o constrangimento dos seus direitos de uso ou gestão das infraestruturas que detêm. Com efeito, a lei não confere à ANACOM poderes para inibir as entidades detentoras das infraestruturas do exercício dos seus direitos de uso e fruição sobre as mesmas, não podendo por isso esta Autoridade obstaculizar a que as referidas entidades façam uso dos poderes que esses direitos lhes conferem. Esta ausência de disposição legal no âmbito do enquadramento substantivo terá de resto sido sentida pela Vodafone, uma vez que para sustentar o seu pedido invocou apenas o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 123/2009.

Por outro lado, como a ANACOM vem referindo, a lei não a habilita com as competências necessárias para decidir sobre diferendos relacionados com a propriedade ou o direito de exploração dos bens em questão. Muito embora a Vodafone contraponha que não pretende que a ANACOM dirima os diferendos identificados, o recorte do seu pedido representa uma intervenção que condiciona o modo como cada uma das entidades em litígio exerce os aludidos direitos, tratando-se de uma intervenção que ultrapassa os poderes conferidos à ANACOM pelo enquadramento legal vigente.

Com efeito, no âmbito do Decreto-Lei n.º 123/2009, ou seja, do regime substantivo aplicável, as possibilidades de intervenção da ANACOM estão taxativamente fixadas e circunscrevem-se às situações previstas nos artigos 11.º, 16.º, 19.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º 25.º, 26.º e nos artigos 87.º a 91.º. Uma intervenção nos moldes pretendidos pela Vodafone não é enquadrável em nenhuma das referidas normas, estando, portanto, fora das competências legalmente atribuídas a esta Autoridade.

Especificamente em relação ao artigo 16.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 123/2009, o único do regime substantivo que é invocado pela Vodafone para sustentar o seu pedido de intervenção, cumpre salientar que o preceito identificado confere (e circunscreve) a competência da ANACOM para intervir numa situação de recusa de acesso às infraestruturas. Neste caso, mediante requerimento de qualquer das partes, caberá à ANACOM avaliar a possibilidade de utilização das infraestruturas em causa para o alojamento de redes de comunicações eletrónicas (cfr. n.º 2 do artigo 16.º). Porém, não é, manifestamente esse o fim do pedido da Vodafone, que, por isso, não se pode estribar na referida disposição. 

Por outro lado, a adoção de uma determinação nos moldes preconizados implicaria que, por deliberação da ANACOM, as entidades detentoras das infraestruturas vissem os seus direitos de uso ou de gestão limitados (o possível titular do bem seria privado da remuneração associada à exploração do mesmo, ou abdicaria de o defender), ao mesmo tempo que essa intervenção estaria a conferir tais direitos a uma outra entidade apenas e só porque esta foi contactada em primeiro lugar. A lei não confere à ANACOM poderes para uma intervenção com este alcance.

Dito de outra forma, e para que dúvidas não subsistam, definindo o diploma o âmbito da atuação da ANACOM no que diz respeito à limitação dos direitos de propriedade ou de gestão sobre as infraestruturas aptas, uma intervenção nos termos preconizados colide com o exercício pleno do direito de propriedade para além do que o Decreto-Lei n.º 123/2009 prevê e admite.

Com efeito, e como decorre das comunicações da Vodafone endereçadas à ANACOM, num contexto de litígio quanto à jurisdição sobre as infraestruturas, as entidades litigantes utilizam todos os meios ao seu alcance que consideram legais para defender os seus direitos, enquanto esgrimem argumentos em relação à legitimidade da respetiva titularidade e a sua origem. E na génese das situações para as quais a Vodafone solicita a intervenção da ANACOM está a indefinição quanto à titularidade do direito de propriedade da infraestrutura, da posse ou da detenção.

Por fim, ainda nesta sede, realça-se que a ausência de um regime jurídico que permita salvaguardar o pleno exercício do direito de acesso nas situações de litígio quanto à titularidade das infraestruturas é conhecida e reconhecida pela Vodafone que na sua recente resposta à consulta pública sobre o projeto de alteração do Decreto-Lei n.º 123/2009 afirma o seguinte:

«Reconhecendo-se a necessidade de garantir que tais conflitos [quanto à titularidade das infraestruturas] são resolvidos em sede própria (i.e. Tribunais) não deve, porém, o diploma, deixar de consagrar uma solução que garanta o direito de acesso dos operadores, independentemente de o conflito de jurisdição ficar resolvido ou não» 9,10 (ora enfatizado).

Face a tudo o vindo de expor e reconhecido o vazio legal, não deixa de ser surpreendente que a Vodafone reitere o pedido de intervenção da ANACOM nos mesmos moldes em que o fez no requerimento inicial.

3.2. Quanto à verificação dos pressupostos para o decretamento de medidas provisórias

Pronúncia da Vodafone

A Vodafone entende, em síntese, que estão preenchidos os pressupostos legalmente fixados para o decretamento de medidas provisórias previstos no artigo 84.º, n.º 1 do CPA, porquanto:  

(i) está em curso o procedimento administrativo tendente à implementação do SIC, ou «…se não ao menos o [procedimento] iniciado pela Vodafone…» através do requerimento de 16 de setembro de 2014, sendo competente o Conselho de Administração da ANACOM; e

(ii) foi demonstrada pela Requerente, através da exposição de várias situações de litígio entre entidades quanto à titularidade das infraestruturas aptas, a necessidade de adoção de medidas por haver justo receio de, sem as mesmas, se produzir lesão grave ou de difícil reparação, dos interesses públicos em causa.

Entendimento da ANACOM

A este propósito cumpre salientar que apesar de a Vodafone, no requerimento inicial, ter enquadrado as medidas que solicitou no processo de implementação do SIC, vem reconhecer, em sede de pronúncia, que tal sistema não permite ultrapassar o impasse gerado pelos conflitos de titularidade das infraestruturas, nem alcançar o efeito pretendido com as medidas requeridas.

O reconhecimento de que o SIC não permite ultrapassar o impasse gerado pelos conflitos de titularidade das infraestruturas evidencia que a intervenção requerida não pode ser configurada como uma medida provisória no âmbito daquele processo.

Quanto ao pedido apresentado pela Vodafone em 16 de setembro de 2014, remete-se para o entendimento da ANACOM manifestado no ponto 3.1. anterior de onde resulta que, não tendo a ANACOM habilitação legal para determinar as medidas adotadas, não lhe cabe apreciar o preenchimento dos requisitos legalmente fixados para a adoção das mesmas. Remete-se ainda para entendimento expresso no SPD, cujo teor se dá por replicado, uma vez que a argumentação deduzida pela Requerente, nada adita à anteriormente apresentada.

3.3. Da violação continuada dos direitos de acesso da Vodafone e do agravamento dos constrangimentos decorrentes das situações de litígio

Pronúncia da Vodafone

- A Vodafone denuncia, em síntese, a violação continuada do direito de acesso às infraestruturas aptas, «…ao arrepio de um enquadramento legal (…) que atribui às empresas de comunicações eletrónicas [o direito acima identificado] em condições de igualdade, transparência e não discriminação, mediante condições remuneratórias orientadas para os custos, e que enuncia taxativamente as situações em que tal acesso pode ser negado…».

- Os constrangimentos descritos no requerimento inicial não só subsistem como se agudizaram substancialmente com o decurso do tempo.

A título exemplificativo a Vodafone dá nota de novas situações com que, entretanto, se viu confrontada.

Entendimento da ANACOM

Presumindo que a Vodafone se referirá ao artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, quando alude à enumeração taxativa de situações em que o acesso às infraestruturas pode ser negado (a pronúncia identifica o artigo 13.º), e à ausência nessa listagem da tipificação das situações com que vem sendo confrontada, cumpre realçar que, na maioria dos casos agora descritos a Vodafone não está a ser confrontada com uma recusa de acesso mas sim com litígios que se prendem com a identificação da entidade a quem cabe o direito de gerir as infraestruturas a que a Vodafone pretende aceder. Assim, não podem os casos apresentados ser solucionados por via da aplicação do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 123/2009.

Relativamente às situações adicionais concretamente enumeradas pela Vodafone em sede de pronúncia, cabe referir que as mesmas não configuram, à partida, factos novos com relevância para a situação em apreço, nem tão pouco o deferimento do pedido apresentado as poderia solucionar. De resto, muito embora uma das situações apresentadas seja passível de configurar uma recusa de acesso às infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas, contrária ao disposto no Decreto-Lei n.º 123/2009, a ausência de um pedido da Vodafone para que a ANACOM interviesse especificamente na situação indiciada, aponta no sentido desta empresa considerar que a mesma não justificaria tal ação.

Assim, concretizando por referência às situações descritas pela Vodafone:

a) A primeira situação [Início Informação Confidencial, IIC] [Fim Informação Confidencial, FIC] reconduz-se apenas à identificação da entidade [IIC] [FIC] a quem foi concessionado, pelo município, o direito de gerir as respetivas infraestruturas.

b) A segunda situação [IIC] [FIC] indicia que a Vodafone se terá dirigido à entidade a quem a infraestrutura apta ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas está concessionada. Porém, a concessão celebrada com a entidade detentora das infraestruturas condiciona a disponibilização das mesmas a terceiros para finalidades distintas das que constituem o objeto do contrato à existência de acordo entre o concedente e concessionária relativamente ao valor da compensação devida ao primeiro. Acresce que a ausência de um pedido de intervenção da Vodafone ao abrigo do n.º 1 do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, aponta para que se tenha tratado de uma situação transitória.

c) A terceira situação [IIC] [FIC] parece reconduzir-se à identificação da entidade a quem cabe gerir as infraestruturas.

Adicionalmente importa contestar a alegação da Vodafone segundo a qual “como atualmente configurado, o SIC não permitir a identificação das infraestruturas”. Com efeito, o SIC contempla um campo que permite identificar a entidade que detém o objeto cadastral (vide pág. 84 do caderno de encargos11). Assim, a questão sobre a identificação da titularidade das infraestruturas não reside na configuração de uma “ferramenta” (o SIC) em si mesma, mas na identificação concreta e cabal da entidade que detém a propriedade das infraestruturas e a quem compete geri-las (que poderá ou não ser a mesma), o que extravasa aquela ferramenta.

4. CONCLUSÃO E DECISÃO

Em linha com o SPD, da análise supra conclui-se:

  • Nada na legislação setorial habilita a ANACOM a adotar medidas com o recorte delineado pela Vodafone, pelo que a adoção de medidas provisórias ou de uma recomendação com o recorte específico pretendido ultrapassa a esfera de intervenção desta Autoridade;
  • A ausência de um regime jurídico que permita salvaguardar o pleno exercício do direito de acesso nas situações de litígio quanto à titularidade das infraestruturas é de resto assumida pela Vodafone na sua resposta à consulta pública sobre o projeto de alteração do Decreto-Lei n.º 123/2009;
  • Embora esta Autoridade partilhe da preocupação da Requerente (que é comum a outros operadores) quanto à premente necessidade de se encontrarem mecanismos alternativos que permitam dirimir, com celeridade, as situações em que a existência de um litígio sobre titularidade de determinada infraestrutura apta ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas, impede a normal aplicação do regime previsto no Decreto-Lei n.º 123/2009, a atuação da ANACOM pauta-se pelos princípios da legalidade e da especialidade;
  • Perante o vindo de expor, reconhecido o vazio legal, não pode a ANACOM intervir nos moldes pretendidos pela Vodafone, já que os meios que a requerente preconiza não podem ser utilizados ao arrepio do ordenamento jurídico vigente (ou da sua ausência);
  • Em todo o caso, a ANACOM não afasta a possibilidade de, no quadro da lei e no exercício das competências que a mesma lhe confere, proferir uma recomendação, no sentido de serem desenvolvidos esforços dirigidos a ultrapassar diferendos relacionados com dúvidas e conflitos relacionados com o direito de explorar infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas, caso fruto da sua análise entenda que é necessário, adequado e oportuno uma medida com esse teor.

Neste contexto, tendo presente que da pronúncia da Vodafone não resultam elementos novos que fundamentem uma alteração do sentido de decisão notificado em 06.05.2016, o Conselho de Administração da ANACOM, atento o princípio da legalidade e o princípio da especialidade previstos, respetivamente, no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro, ao caso aplicável por via do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, e no artigo 6.º dos Estatutos da ANACOM, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março, e atento o disposto na alínea q), do n.º 1 do artigo 26.º também dos Estatutos, delibera:

1. Manter o sentido de decisão notificado, não adotando as medidas provisórias requeridas pela Vodafone com vista a acautelar os interesses públicos afetados pela incerteza quanto à titularidade de infraestruturas aptas à instalação de redes de comunicações eletrónicas, nem qualquer recomendação com o alcance específico preconizado por aquela empresa.

2. Determinar a notificação da Vodafone Portugal - Comunicações Pessoais, S.A., da presente decisão.

Lisboa, 22 de junho de 2017

Notas
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1 Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro.
2 Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, na versão então em vigor.
3 Publicados em anexo ao Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de dezembro, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março, que aprova os Estatutos da Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM).
4 Por carta de 23.12.2015 a Vodafone reiterou o pedido formulado a 16.08.2014. Por carta de 28.03.2016, a Vodafone deu conhecimento à ANACOM das comunicações que recebeu da MEO (solicitando-lhe que «…fizesse cessar de imediato a utilização de algumas infraestruturas (…) por alegada ocupação não autorizada…»), bem como da resposta dada às mesmas.
5 ANACOM-S031917/2016, de 06.05.
6 Faz-se notar que as disposições que a Vodafone agora invoca na sua pronúncia constam dos Estatutos da ANACOM aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março, que não correspondem integralmente ao normativo que estava em vigor à data do pedido de intervenção apresentado em 2014. Não obstante, e como melhor se explicará, as disposições dos Estatutos que agora são invocadas não determinam uma diferente decisão sobre o pedido de intervenção apresentado.
7 Vd. corpo do n.º 1 do artigo 8.º e do n.º 1 do artigo 9.º dos Estatutos da ANACOM, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março.
8 Cfr. artigo 6.º, n.º 2 dos Estatutos da ANACOM.
9 Realce-se que sendo a Vodafone confrontada com conflitos positivos de jurisdição - no sentido em que várias entidades se avocam legítimas detentoras/gestoras das infraestruturas aptas a que pretende aceder -, das suas comunicações não resulta evidente uma violação do direito de acesso. O problema está em que este não é assegurado nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 123/2009, uma vez que a Requerente se vê na contingência de proceder a vários pagamentos pela mesma infraestrutura, por motivos/justificações de que o diploma setorial não trata e não cabe a esta Autoridade resolver.
10 Cfr. pág. 12 da resposta da Vodafone à consulta pública sobre o projeto de alteração do Decreto-Lei n.º 123/2009.
11 Download de ficheiro Caderno de encargos - Concurso limitado por prévia qualificação para implementação e gestão de informação centralizado (SIC), lançado em 03.02.2014.