IV. Práticas internacionais relativas à aplicação do Regulamento TSM, em particular quanto ao zero-rating e práticas similares


126. Desde a adoção do Regulamento TSM (e nalguns casos ainda anteriormente) algumas ARN têm vindo a analisar questões relacionadas com o mesmo, em particular no que se refere a ofertas zero-rating lançadas por alguns PSAI. Muito embora em muitos casos não exista ainda uma conclusão final sobre a análise, são de relevar os casos específicos verificados em alguns países onde as ARN adotaram decisões sobre esta matéria, com vista a evidenciar os argumentos utilizados e a sua relação com o disposto no Regulamento TSM.

127. Neste enquadramento são de destacar os casos da Bélgica, Hungria, Holanda, Suécia, Itália, Noruega, Áustria e Alemanha1. De acordo com informação disponível2, embora algumas ARN tenham introduzido regulação quanto a estas matérias antes da entrada em vigor do Regulamento TSM (Eslovénia e Holanda), a maioria das que decidiram sobre o assunto adotou uma abordagem de análise caso-a-caso.


Bélgica

128. Em janeiro de 2017, o regulador belga considerou que duas ofertas lançadas por um PSAI3, consistindo na possibilidade de escolha, pelos utilizadores finais, de uma aplicação cujo tráfego é zero-rated até que o plafond geral de acesso à Internet seja exaurido, estariam conformes o Regulamento TSM e as Linhas de Orientação sobre Neutralidade da Rede. Esta conclusão foi sustentada no facto de não ser aplicado um tratamento distinto à aplicação zero-rated, após consumo da totalidade do plafond geral de acesso à Internet, tendo a ARN relevado que o plafond geral de acesso à Internet era significativo, pelo que a existência de determinadas aplicações zero-rated não teria um impacto limitativo no comportamento dos utilizadores, e que as posições de mercado dos PSAI e CAP envolvidos na oferta em questão não indiciariam um impacto nos direitos dos utilizadores.

Hungria

129. A ARN húngara determinou, em novembro de 2016 e janeiro de 2017, que dois PSAI4 deixassem de oferecer ofertas com características zero-rating, entendendo que possuíam uma natureza discriminatória, não estando conformes com o enquadramento regulamentar da neutralidade da rede. Em particular, notou que as ofertas em causa se traduziam num tratamento discriminatório de tráfego de Internet ao permitir o acesso ilimitado a algumas aplicações específicas independentemente do plafond geral de Internet disponível, enquanto que todo o restante tráfego era bloqueado ou a sua velocidade de acesso reduzida quando esse plafond geral era exaurido. A ARN entendeu que estas ofertas estabeleciam uma situação de desvantagem para outras aplicações não incluídas nas ofertas, constituindo uma restrição de tráfego discriminatória e levando a que os utilizadores utilizassem as aplicações pré-selecionadas pelo PSAI ao invés de quaisquer outras, pelas quais teriam que pagar adicionalmente quando o plafond geral de acesso à Internet fosse esgotado.

Holanda

130. A ARN holandesa interveio quanto às ofertas zero-rating, inicialmente em 2015, antes da entrada em vigor do Regulamento TSM, e posteriormente em 2016, em ambos os casos impedindo a disponibilização de conteúdos/serviços em zero-rating (inicialmente através da aplicação de uma multa a um PSAI5 pela disponibilização da aplicação HBO-GO e posteriormente pela solicitação, a outro PSAI6, que os serviços de streaming de música deixassem de ser disponibilizados em zero-rating). De acordo com a ARN, a legislação nacional existente seria contrária a qualquer forma de discriminação de preços, incluindo zero-rating, o que estaria em linha com as condições de tratamento não discriminatório do tráfego estabelecido no Regulamento TSM, pelo que concluiu que todas as práticas zero-rating não seriam permitidas. Esta decisão foi contestada por um dos PSAI7 em tribunal, alegando que a sua oferta disponibiliza serviços de streaming de música em geral em zero-rating, sem selecionar aplicações específicas. Em abril de 2017 o tribunal decidiu que a legislação nacional na qual a ARN tinha baseado a sua decisão não era conforme com a legislação europeia quanto a esta matéria, tendo assim anulado a decisão da ARN, indicando que as ARN devem aferir o impacto das ofertas zero-rated caso-a-caso, tendo em conta o efeito na escolha dos utilizadores. Após uma análise subsequente, a ARN concluiu, em outubro de 2017, que o serviço em causa não viola as regras europeias a nível de neutralidade da rede, atendendo a que está disponível para todos os prestadores de serviços de streaming de música e não reduz a possibilidade de escolha dos utilizadores8.

Suécia

131. O regulador sueco interveio quanto a uma oferta de dois PSAI9, caracterizada pelo acesso em zero-rating a aplicações de social media e streaming de música. Durante a investigação da ARN, um dos PSAI10 optou por retirar a sua oferta. Relativamente ao outro PSAI11, em janeiro de 2017 o regulador impôs que deixasse de disponibilizar a referida oferta, uma vez que implicaria práticas de gestão de tráfego baseadas em justificações comerciais, não estando conforme as disposições do Regulamento TSM, em particular no tocante às exceções particulares onde a gestão de tráfego é permitida. A ARN entendeu ainda que as ofertas não estariam conformes com as Linhas de Orientação sobre Neutralidade da Rede na medida em que era bloqueado o acesso a aplicações concorrentes quando o plafond geral de Internet era esgotado. Esta decisão foi contestada em tribunal pelo PSAI em questão. Em março de 2017 o tribunal suspendeu a decisão da ARN, não existindo ainda uma decisão final. A ARN sueca abriu outra investigação em relação a uma oferta similar de outro PSAI12, em que também os serviços de streaming de música não eram bloqueados após ser esgotado o plafond geral de acesso à Internet, contrariamente aos restantes conteúdos, tendo este PSAI optado por retirar a oferta antes da ARN ter tomado qualquer decisão.

Itália

132. Em março de 2017 a ARN italiana emitiu um aviso a um PSAI13, requerendo que deixasse de disponibilizar em regime de zero-rating as suas aplicações de música e comunicações, tendo concluído que tal constituía um tratamento discriminatório, na medida em que estas aplicações poderiam continuar a ser utilizadas após o plafond geral de acesso à Internet ser atingido, enquanto que todo o restante tráfego era bloqueado ou tinha a velocidade reduzida. O regulador propôs-se a investigar mais profundamente a questão da integração vertical, na medida em que as aplicações disponibilizadas em regime zero-rating são propriedade do PSAI. De notar ainda a referência, pela ARN, de que outro PSAI14 teria retirado voluntariamente uma oferta com características similares assim que o regulador iniciou investigações sobre a mesma.

Noruega

133. O regulador norueguês decidiu, em julho de 2017, que uma oferta lançada por um PSAI15, com zero-rating de serviços de streaming de música, era compatível com as regras relativas à neutralidade da rede. De acordo com a informação disponível, esta oferta permite a utilização de streaming de música que não é contabilizado para efeitos do plafond geral de acesso à Internet juntamente com outras aplicações. A decisão da ARN é sustentada, essencialmente, no facto de o tráfego zero-rated ser tratado de forma idêntica ao restante tráfego quando o plafond geral é esgotado, e na possibilidade de serem incluídos na oferta outros serviços de streaming de música. Posteriormente, foi também alvo de análise a oferta de um outro PSAI16 que, à semelhança da anterior, permite a utilização de streaming de música, através de um conjunto de aplicações, sem que o tráfego seja contabilizado para efeitos do plafond geral de acesso à Internet. Em dezembro de 2017, a ARN concluiu que também esta oferta era compatível com o princípio da neutralidade da rede, evidenciando a escala reduzida das ofertas zero-rating no país e a existência de ofertas alternativas para os utilizadores finais, não havendo por isso lugar a intervenção com medidas corretivas. Contudo, comentou criticamente, entre outros aspectos, os reduzidos plafonds existentes na Noruega comparativamente a outros países, o que incentiva à utilização destas ofertas em detrimento de outras.

Áustria

134. Na Áustria, foi objeto de análise uma oferta de streaming de música e vídeo zero-rated de um PSAI17. A oferta em causa caracteriza-se pelo facto de os conteúdos de vídeo zero-rated terem a largura de banda reduzida comparativamente com outros conteúdos, levando a que os vídeos fossem visualizados com baixa resolução. Nesse sentido, o Telekom-Control-Kommission determinou, em dezembro de 2017, que a oferta podia continuar a ser comercializada, porque não violava diretamente as regras da neutralidade da rede, no entanto o PSAI teria de acabar com a redução de velocidade e/ou redução na resolução de vídeo e imagem, uma vez que a regulação proíbe qualquer medida de gestão de tráfego que tenha impacto negativo em data streaming para os utilizadores finais18.

Alemanha

135. O regulador alemão analisou uma oferta de um PSAI19 consistindo num serviço que pode ser adicionado, gratuitamente, a algumas tarifas de clientes que possuem um contrato que engloba acesso fixo e acesso móvel, e com base no qual o consumo de serviços de streaming de áudio e vídeo de entidades com as quais o PSAI tem acordo não é contabilizado para o plafond geral de acesso à Internet. A oferta está aberta à participação de outros CAP, os quais devem, no entanto, cumprir determinados requisitos estabelecidos pelo PSAI. Em determinadas tarifas, a largura de banda de acesso para streaming de vídeo é reduzida, enquanto para o restante tráfego não. Caso os clientes pretendam assistir a conteúdos HD devem desligar a opção de redução de largura de banda, sendo que neste caso o consumo de dados é contabilizado para efeitos do plafond de acesso geral à Internet. Esta condicionante não é aplicada nas tarifas mais caras. Após várias análises, em dezembro de 2017, a ARN apresentou uma decisão final, determinando que a oferta do PSAI em questão não é compatível com os princípios da neutralidade da rede e do Roam Like at Home, na medida em que o tráfego deve ser tratado equitativamente e o tráfego dos serviços StreamOn quando o cliente se encontre em roaming no EEE não pode ser descontado ao plafond do tarifário subscrito. O PSAI tem até final de março de 2018 para efetuar as devidas adequações à oferta para ficar em conformidade com as regras da União Europeia.

136. Face ao exposto nos pontos acima, as atuações das ARN parecem fundamentar-se em grande medida em dois argumentos: (i) a questão da gestão do tráfego, em particular a existência de tratamento discriminatório das ofertas zero-rated face à oferta de acesso à Internet em geral e (ii) o impacto que as ofertas poderão ter na capacidade de escolha dos utilizadores finais. Mais recentemente, houve também uma decisão no sentido de salvaguardar a aplicação do princípio “Roam like at home”, introduzido também no Regulamento do Roaming alterado pelo Regulamento TSM.

137. É ainda de referir que o BEREC continua a acompanhar esta matéria nos vários países, procurando contribuir para uma maior coerência e homogeneidade na aplicação das disposições do Regulamento TSM.

Notas
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1 De notar que também na Eslovénia a ARN interveio relativamente a ofertas zero-rated. Sem prejuízo, as decisões em causa foram tomadas ao abrigo da legislação nacional, não tendo a ARN avaliado a sua conformidade com o Regulamento TSM, pelo que se optou por não a referir no presente levantamento.
2 Relatório anual do BEREC relativo à implementação do Regulamento TSM (disponível em http://berec.europa.eu/eng/document_register/subject_matter/berec/reports/7529-berec-report-on-the-implementation-of-regulation-eu-20152120-and-berec-net-neutrality-guidelinesLink externo.http://berec.europa.eu/eng/document_register/subject_matter/berec/reports/7529-berec-report-on-the-implementation-of-regulation-eu-20152120-and-berec-net-neutrality-guidelines), sites das ARN e publicações da Cullen International.
3 Proximus.
4 Magyar Telekom e Telenor Hungary.
5 Vodafone.
6 T-Mobile.
7 T-Mobile.
8 Disponível em https://www.acm.nl/en/publications/t-mobile-can-continue-offer-its-data-free-music-serviceLink externo.https://www.acm.nl/en/publications/t-mobile-can-continue-offer-its-data-free-music-service.
9 Telia e Tre.
10 Tre. Em 2017 este PSAI voltou a comercializar a oferta, tendo informado a ARN de que iria ajustar as suas características em conformidade com a interpretação que a ARN faz do Regulamento TSM, não tendo portanto a ARN emitido uma decisão sobre a mesma, continuando a acompanhar o processo.
11 Telia.
12 Hi3G.
13 Wind Tre.
14 Telecom Italia.
15 Telenor.
16 Telia.
17 A1 Telekom Austria AG.
18 Disponível em https://www.rtr.at/en/pr/PI20122017TKLink externo.https://www.rtr.at/en/pr/PI20122017TK.
19 Deutsche Telekom.