B. Análise dos argumentos invocados para recusar o pedido de interligação da Radiomóvel, S.A.


1. A tempestividade do pedido

Pela análise das posições manifestadas pelas empresas notificadas, verifica-se alguma uniformidade de argumentos invocados.

Com excepção da Sonaecom, todas as empresas que se pronunciaram invocam a extemporaneidade do pedido agora apresentado pela Radiomóvel, referindo que o pedido apresentado aos operadores em Dezembro de 2008, que sustenta o pedido de intervenção agora apresentado, mais não é do que uma repetição dos pedidos deduzidos em 2002 e 2003.

Consequentemente, a PTC, a TMN e a Vodafone entendem que se encontra há muito ultrapassado o prazo a que se refere o n.º 2 do artigo 10.º da LCE, impondo-se o arquivamento do processo sem se conhecer do seu mérito.

Entendimento da ANACOM

Os argumentos deduzidos não são procedentes.

É verdade que desde 2002/2003 a Radiomóvel tem apresentado sucessivos pedidos de interligação junto da PTC e dos prestadores de serviços telefónicos móveis. Porém, em 16 de Abril de 2008, as condições associadas ao direito de utilização de frequências conferidas à Radiomóvel foram adaptadas no contexto da regularização dos títulos exigida pelo artigo 121.º da LCE.

Assim, pese embora não tenha ocorrido alteração da afectação das frequências consignadas à Radiomóvel e o conteúdo do SMRP se mantenha no essencial, não é menos verdade que a realidade do mercado e as alterações legislativas ocorridas determinaram uma actualização dos limites e condições associadas ao direito de utilização daquelas frequências nos termos do que sucedeu em Abril de 2008 - relativamente a este aspecto, basta atender ao facto de que à data em que foram atribuídas licenças para a prestação do SMRP as empresas de comunicações estavam sujeitas a restrições no domínio do acesso e interligação que entretanto foram eliminadas e a prestação do serviço fixo de telefone ainda era prestado em regime de exclusivo. As adaptações promovidas não são de molde a desvirtuar a natureza e características do serviço, mas são bastantes e suficientes para que os pedidos de interligação sejam objecto de conformação e melhor concretização, justificando, também, uma adaptação dos termos em que aos mesmos é dada resposta por parte dos demais operadores e prestadores de serviço de comunicações electrónicas.

Esta conclusão resulta evidente se confrontarmos o teor da licença inicialmente conferida à Radiomóvel com os termos do direito de utilização emitido em 16 de Abril de 2008.

Considerando os limites agora concretizados, é plausível que a Radiomóvel apresente aos demais operadores de redes e prestadores de serviços de comunicações electrónicas novos pedidos de interligação, não podendo, por isso, entender-se o pedido de interligação agora apresentado como uma mera renovação de pedidos anteriores. Assim, apesar de haver uma absoluta identidade das partes, o mesmo não se pode dizer relativamente ao pedido e à causa de pedir que sofreram algumas alterações.

Não colhe por isso o argumento de que o pedido de intervenção agora apresentado pela Radiomóvel seja extemporâneo, visto que entre a data do início do litígio e o pedido de intervenção apresentado não decorreu o prazo de um ano.

Pelo exposto, impõe-se a conclusão de que o pedido de intervenção apresentado pela Radiomóvel à ANACOM é tempestivo.

2. Quanto aos fundamentos invocados para recusa de interligação

2.1. Alegam a PTC e a TMN que o SMRP é, e sempre foi, dirigido apenas a um grupo restrito de utilizadores e não ao público em geral e, como tal, não é aplicável à Radiomóvel, enquanto prestadora do SMRP, o disposto no artigo 22.º, alínea a) da LCE. Com os mesmos fundamentos, sustentam aquelas empresas que também não é aplicável à Radiomóvel, enquanto prestadora do SMRP, o disposto no artigo 64.º, n.º 2 da LCE.

Na óptica da PTC e da TMN o direito de negociar a interligação com vista à prestação de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público e a correlata obrigação que impende sobre as empresas a quem é solicitada interligação apenas existe para os serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, o que não é o caso do SMRP.

Entendimento ANACOM

A argumentação utilizada pela PTC e pela TMN não é procedente.

O SMRP é, e sempre foi, um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público, como aliás resulta do enquadramento que lhe foi dado pelo Regulamento de Exploração do Serviço de Telecomunicações Complementar Móvel - Serviço Móvel com Recursos Partilhados anexo à Portaria n.º 797/92, de 17 de Agosto 1. Assim, o n.º 2 do anexo 2 ao direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 05/2008, da mesma forma que já se encontrava previsto na licença n.º ICP-ANACOM - 012/SMRP, afirma que o «SMRP é um serviço móvel de comunicações electrónicas acessível ao público destinado…». Ora como decorre da alínea cc) do artigo 3.º da LCE entende-se por «''serviço de comunicações electrónicas'' o serviço oferecido em geral mediante remuneração…».

Do exposto resulta que o SMRP é, como sempre foi, um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público em geral e não, como sustentam a PTC e a TMN, um serviço dirigido apenas a um grupo restrito de utilizadores e não ao público em geral.

Enquanto prestadora de um serviço de comunicações electrónicas acessível ao público e detentora de uma rede de comunicações afecta à prestação daquele serviço, a Radiomóvel tem direito de negociar a interligação e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público (vd. artigo 22.º da LCE) pelo que improcede, com os fundamentos invocados por aquelas empresas, a alegação de que o disposto no artigo 22.º, alínea a) e no artigo 64.º, n.º 2 da LCE não é aplicável à Radiomóvel, enquanto prestadora do SMRP.

2.2. Referem a PTC e a TMN que o Direito de Utilização de Frequências ICP-ANACOM n.º 05/2008 constitui uma mera renovação do direito de utilização de frequências atribuído à Radiomóvel para a oferta de SMRP do qual não emergem quaisquer novos direitos distintos dos que constavam da anterior versão da licença.

Entendimento ANACOM

De facto, como sustentam aquelas empresas, o Direito de Utilização de Frequências ICP-ANACOM n.º 05/2008, constitui uma renovação do direito de utilização conferido pela Licença n.º ICP-ANACOM - 012/SMRP (título emitido em 16.04.2008). Porém, daí não decorre que a Radiomóvel não possua direito a interligação. Com efeito, esse direito, já constava do anexo 1 à licença ICP-ANACOM - 012/SMRP que, na sua alínea a), reconhecia à Radiomóvel o direito de «negociar a interligação e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, nas condições e nos termos previstos na Lei n.º 5/2004…». Já o Regulamento de Exploração aprovado pela Portaria n.º 797/92, no contexto histórico em que foi aprovado, reconhecia aos prestadores do SMRP a possibilidade de permitirem «…o estabelecimento de comunicações com utilizadores de outros serviços de comunicações de uso público, quando interligado com o serviço fixo e telefone…».

Assim, como reconhece o direito de utilização conferido à Radiomóvel, esta empresa tem o direito de negociar a interligação e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas com vista à prestação dos serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, de forma a garantir a oferta e a interoperabilidade dos serviços (vd. artigo 22.º alínea a) e artigo 64.º, n.º 2 da LCE).

Não procede por isso a conclusão de que, pelo facto de o actual direito de utilização de frequências conferido à Radiomóvel ser uma mera renovação do direito de utilização de frequências antes atribuído àquela empresa para a oferta de SMRP, não emerge qualquer direito desta empresa à interligação.

2.3 Entendem a PTC e a TMN que o direito à interligação apenas visa permitir que acessoriamente seja possível o estabelecimento de comunicações entre membros de um grupo fechado de utilizadores e outros utilizadores e, como tal, aquele direito não pode ser interpretado de forma incondicional e irrestrita sob pena de desvirtuar a natureza do SMRP. Com esta linha de argumentação concluem aquelas empresas que o direito à interligação da Radiomóvel não pode ser entendido como conferindo àquela empresa a faculdade de se interligar com qualquer rede pública de comunicações electrónicas sem quaisquer limitações.

Entendimento ANACOM

Prevê o n.º 2 do ponto 2.º do anexo 2 ao Direito de Utilização n.º 5/2008, que o «SMRP é um serviço móvel de comunicações electrónicas acessível ao público destinado à utilização de pessoas singulares ou colectivas, constituídas em “grupos fechados de utilizadores” com o objectivo primordial de efectuar comunicações internas no seio do grupo a fim de satisfazer necessidades comuns dos seus membros». Acrescenta o n.º 3 do mesmo ponto que «acessoriamente, o SMRP pode permitir o estabelecimento de comunicações entre membros de um grupo fechado de utilizadores e membros de diferentes grupos fechados de utilizadores e com utilizadores de outros serviços de comunicações electrónicas».

Do direito de utilização conferido à Radiomóvel não decorrem limitações ao direito à interligação. Porém, deste facto não resulta que aquela empresa possa fazer uso daquele direito para permitir que os seus clientes comuniquem, de uma forma incondicional, irrestrita e sem quaisquer limitações com membros de diferentes grupos fechados de utilizadores e com utilizadores de outros serviços de comunicações electrónicas. Se o fizer, a Radiomóvel estará a incumprir com uma das condições que foi associada ao direito de utilização de frequências que lhe foi conferido para a prestação do SMRP o que não lhe é admitido e, no limite, pode determinar a revogação do mesmo.

A acessoriedade das comunicações para membros de outros grupos fechados de utilizadores e utilizadores finais de outros serviços de comunicações electrónicas constitui uma das características do serviço, cujo cumprimento é exigido para que a sua natureza (de SMRP) não seja desvirtuada. Por isso o volume máximo destas comunicações é limitado a 15% do número total das comunicações efectuadas no trimestre.

Porém, é a quantidade das comunicações e não as redes através das quais estas são asseguradas que se encontra limitada, pelo que não assiste qualquer razão à PTC e à TMN quando defendem que o direito a estabelecer comunicações com outros grupos fechados de utilizadores ou outros serviços de comunicações electrónicas se encontra plenamente satisfeito através da ligação existente ao “serviço fixo de telefone da PTC, mediante um acesso comutado”. Admitir esta como a única possibilidade de interligação seria aceitar uma restrição inadmissível aos direitos reconhecidos às empresas neste domínio e ostensivamente contrário aos objectivos de regulação que, nos termos da lei, cabe à ANACOM prosseguir. A solução defendida pela PTC e pela TMN implica uma limitação não compreendida no direito de utilização e absolutamente incompatível com a liberalização das comunicações e com os direitos de acesso e interligação legalmente reconhecidas aos operadores e prestadores de serviços de comunicações electrónicas.

Compete à ANACOM zelar para que os serviços prestados pela Radiomóvel não contrariem as condições de utilização das frequências que lhe são consignadas, ou seja, que as frequências para a prestação do SMRP não sejam utilizadas para a prestação do serviço telefónico móvel - serviço móvel terrestre.

Do que é exposto pela PTC e pela TMN não resulta qualquer obstáculo válido para que aquelas empresas mantenham a recusa do pedido de interligação formulado, nos termos em que este foi formulado.

2.4. A Sonaecom afirma ter fundadas dúvidas quanto à existência de um direito da Radiomóvel, enquanto prestador de SMRP, beneficiar de interligação com outras redes públicas em geral e da Sonaecom em particular. Consequentemente, perante o último pedido de interligação que lhe foi apresentado pela Radiomóvel, respondeu que apenas tomaria posição quando fosse proferida decisão definitiva na acção administrativa especial instaurada pela OPTIMUS contra o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e a ANACOM, que se encontra pendente, sob o n.º 1032/05.8BEPRT, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Refere a Sonaecom que considera “inoportuno” dar uma resposta ao pedido de interligação apresentado pela Radiomóvel antes de ser proferida uma decisão definitiva neste processo em que se discute, entre outras questões, o âmbito e alcance do direito de interligação na titularidade dos prestadores de SMRP. Assinala ainda que a deliberação da ANACOM que em 16.04.2008 «…procedeu à adaptação da licença emitida à Radiomóvel para a prestação do SMRP» não altera a sua posição.

Entendimento da ANACOM

Este argumento não procede para sustentar a recusa da satisfação do pedido de interligação deduzido pela Radiomóvel. A acção mencionada encontra-se a decorrer não possuindo qualquer efeito suspensivo da deliberação de renovação do direito de utilização de frequências conferido à Radiomóvel. O direito de utilização de frequências mantém-se, por isso, plenamente válido e eficaz, legitimando, portanto, o direito de a Radiomóvel negociar e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público.

2.5. Sustenta a Sonaecom que a deliberação que adapta o direito de utilização de frequências conferido à Radiomóvel é inexistente 2 uma vez que é incompleta em aspectos essenciais, incluindo os termos concretos em que a Radiomóvel tem direito a interligar a sua rede móvel com outras redes. Refere a Sonaecom que é essencial a definição dos termos do limite de «15% do número total de comunicações efectuadas no mesmo grupo, em cada trimestre» e a informação sobre se o mesmo está ou não respeitado é essencial, uma vez este aspecto delimita a sua obrigação de dar interligação. Quanto a este aspecto a Sonaecom considera que só está obrigada a dar interligação dentro do limite de 15% e não está nunca obrigada a dar interligação para além deste limite.

Entendimento da ANACOM

A incompletude de um acto administrativo não equivale à respectiva inexistência . Quando muito, essa circunstância poderia permitir que fossem suscitadas questões quanto à sua validade, mas, ainda que o acto fosse, como a Sonaecom sustenta, incompleto, nem por isso seria nulo (e a nulidade não se confunde com inexistência) ou ineficaz. As invocadas lacunas da deliberação da ANACOM não determinam nem a nulidade da deliberação, nem mesmo a sua anulabilidade (vd. artigos 133.º e 135.º do CPA). A verdade porém é que na deliberação que adapta o direito de utilização de frequências conferido à Radiomóvel e na que, posteriormente, renova este direito de utilização não há nenhum aspecto que careça ser completado.

O direito de utilização de frequências conferido à Radiomóvel é, assim, plenamente válido e eficaz. O limite do número total de comunicações originadas em cada grupo fechado de utilizadores da rede da Radiomóvel que são destinadas a outras redes está claramente fixado, competindo apenas e só à ANACOM, no exercício das suas competências, proceder à supervisão do seu cumprimento, e, quando aquele limite não seja respeitado, aplicar as sanções que a cada momento sejam mais adequadas.

À Sonaecom, bem como aos demais operadores de redes e prestadores de serviços de comunicações electrónicas, não compete proceder à verificação do cumprimento dos limites fixados no direito de utilização de frequências da Radiomóvel, ou de qualquer outra empresa, mas antes cumprir com as obrigações que sobre si recaem de modo a assegurar, nos termos da Lei, o integral e efectivo direito ao acesso e interligação, enquanto se mantiver válido o direito de utilização conferido à Radiomóvel.

Contrariamente ao que sustenta a Sonaecom, esta empresa não tem um «direito a não dar interligação quando e sempre que, em cada trimestre, aquele limite [de 15%] seja excedido».

O que sucede é justamente o contrário e conforme estabelece a Lei, a Sonaecom, como qualquer outro operador, tem uma obrigação de, quando solicitada por outros, negociar interligação, de forma a garantir a oferta e interoperabilidade de serviços - vd. n.º 2 do artigo 64.º da LCE. Esta obrigação cessa - não emergindo daí um direito a recusar interligação - quando a interligação não tenha por objecto a prestação de serviços de comunicações electrónicas por uma empresa habilitada para os prestar.

Os fundamentos invocados não são, portanto, passíveis de justificar a recusa de interligação com a rede móvel da Radiomóvel por parte da Sonaecom.

2.6. A Vodafone vem sustentar a ilegalidade da pretensão da Radiomóvel invocando:

2.6.1. Que a ser ordenada a interligação da Radiomóvel com os operadores móveis haverá uma discriminação positiva e ilegal daquela empresa que beneficiará de condições muito mais favoráveis para a oferta de serviços móveis idênticos aos que são disponibilizados pela Vodafone.

Entendimento da ANACOM

Este argumento não é suficiente para sustentar a recusa de interligação por parte da Vodafone. Não é pelo facto de a Radiomóvel interligar a sua rede móvel com as redes móveis dos demais prestadores de serviços telefónicos móveis que o SMRP passa a subsumir-se ao serviço telefónico móvel.

O SMRP está definido e delimitado pelo ponto 2.º do anexo 2 ao direito de utilização de frequências ICP-ANACOM-05/2008 e não é o facto de ser assegurada a interligação com as redes dos prestadores dos serviços telefónicos móveis que, só por si, determina a mudança das características deste serviço. A interligação não legitima a Radiomóvel à prestação de serviços telefónicos móveis - SMT/GSM-UMTS. A Radiomóvel apenas pode prestar o SMRP nos termos e de acordo com os limites fixados no Direito de utilização e seus anexos. Está vedada à Radiomóvel a utilização daquelas frequências para a prestação de outros serviços que não estejam contemplados no direito de utilização conferido, o que, a suceder, legitimará uma intervenção correctiva e sancionatória por parte da ANACOM.

2.6.2. Entende a Vodafone que a Radiomóvel, através da utilização imprópria das frequências e recursos de numeração, está a fazer uso do domínio público radioeléctrico para a prestação de serviços de natureza móvel diferentes do SMRP que têm um efeito análogo aos prestados pelos operadores do serviço móvel. Aspecto que é potenciado/agravado pela deliberação da ANACOM que reconhece aos operadores de SMRP o direito de prestar serviços móveis sem para o efeito se submeter a qualquer tipo de concurso público (no âmbito da Deliberação “SMT450”), decisão que foi parcialmente impugnada no âmbito do processo 1137/08.1 BELSB.

Entendimento da ANACOM

Tal como já foi referido, a utilização das frequências consignadas e dos recursos de numeração atribuídos à Radiomóvel está sujeita às condições definidas nos direitos de utilização conferidos. É a ANACOM que compete a verificação de que as mesmas são cumpridas. A inobservância das condições fixadas determina a intervenção da ANACOM nos termos do que prevê o artigo 110.º da LCE, de acordo com o qual, no limite, pode ser determinada a suspensão da actividade da empresa ou a revogação total ou parcial dos respectivos direitos de utilização. Conforme acima foi referido, é ao Regulador, e não os demais prestadores de serviços de comunicações electrónicas, que cumpre supervisionar o cumprimento da lei e dos direitos de utilização atribuídos, competindo-lhe, assim, actuar perante  qualquer outro agente de mercado, para assegurar o pontual e efectivo cumprimento das obrigações que lhes são fixadas.

O risco de incumprimento das condições estabelecidas por parte da Radiomóvel ou a existência de situações de incumprimento consumado, não legitima que os demais agentes de mercado violem as obrigações que a lei ou as medidas de carácter regulatório lhes impõem. A prestação de serviços em manifesta violação dos direitos de utilização que lhe foram conferidos, legitima uma intervenção rectificadora e/ou sancionatória por parte da ANACOM, à semelhança do que sucedeu em situações anteriores, mas não uma intervenção cautelar ou acção directa, dos demais agentes de mercado.

Por outro lado, ao contrário do que refere a Vodafone, a deliberação da ANACOM de 17.01.2008 relativamente à limitação do número de direitos de utilização de frequências na faixa dos 450-470 MHz não vem, por si só, reconhecer aos operadores do SMRP o direito de prestar serviços móveis sem para o efeito se submeter a qualquer tipo de concurso.

Com efeito, aquela deliberação decidiu, no n.º 3 da alínea b) da sua parte dispositiva, “Permitir aos prestadores de Serviço Móvel com Recursos Partilhados (SMRP), mediante a alteração dos respectivos títulos habilitantes e a seu pedido, a oferta do SMT acessível ao público na faixa dos 450-470 MHz no termo do concurso a que alude o número anterior, sem prejuízo do cumprimento pelos operadores de SMRP de determinações e emitir pelo ICP-ANACOM no âmbito de procedimentos em curso”.

A deliberação em causa aprovou, também, o relatório final do procedimento geral de consulta a que foi submetida, ainda sob a forma de projecto de decisão, a deliberação da ANACOM, de 4 de Outubro de 2007, sobre a referida limitação do número de direitos de utilização a atribuir.

Releva-se o que se contém no aludido relatório:

  • «A alteração do direito de utilização de frequências para o SMRP-CDMA necessária a permitir à RADIOMÓVEL a oferta do SMT ocorrerá em momento posterior à conclusão do procedimento de selecção para a portadora ainda livre na faixa dos 450-470 MHz e à emissão do título à empresa vencedora pois só nesse momento e sede serão integralmente apuradas as condições a que se sujeitarão os prestadores do SMRP (…);

  • A eliminação das restrições que actualmente impendem sobre a RADIOMÓVEL para a prestação de outros serviços de comunicações electrónicas móveis que não se reconduza à oferta do SMRP não pode ter lugar automaticamente pois envolve a alteração dos respectivos direitos e obrigações constantes da licença para o SMRP-CDMA, como tal sujeita a procedimento geral de consulta estabelecido no artigo 20.º da LCE (…);

  • (…) as condições associadas à alteração dos direitos de utilização do espectro que podem ser atribuídos aos actuais prestadores do SMRP só poderão ser conhecidas no termo do concurso público, consagrando o que vier a constar da emissão do título do respectivo vencedor, nos termos da sua proposta, ou consagrando os valores mínimos como tal determinados no Caderno de Encargos, caso não haja qualquer candidatura.

  • O ICP-ANACOM não deixará de acautelar que as condições a impor aos actuais prestadores do SMRP que, no termo do concurso, pretendam vir a prestar o SMT assegurem uma plena igualdade de condições de concorrência com os actuais operadores deste serviço, fixando um conjunto de direitos e obrigações que, com a devida ponderação e de acordo com o princípio da proporcionalidade, se lhes justifique impor».

Na base da referida deliberação de 17.01.2008 estão subjacentes razões de interesse público que recomendam a eliminação das restrições na utilização das portadoras de 450 MHz atribuídas à Radiomóvel para a prestação do SMRP, ou seja, aumentar a contestabilidade no mercado dos serviços móveis de âmbito geral e promover a utilização mais eficiente do espectro decorrente da optimização daquelas portadoras. Assinala-se, porém, que a ANACOM não deixou de acautelar que as condições a impor à Radiomóvel, caso esta pretenda, no termo do concurso 3 ,vir a prestar o SMT assegurem uma plena igualdade de condições de acesso ao mercado e de concorrência com os actuais operadores deste serviço. Assim é que, caso a Radiomóvel pretenda vir a fazer uso da faculdade que lhe foi conferida pela referida deliberação da ANACOM - o que não se verificou até à data -, ficará sujeita a um conjunto de condições de que se destacam, a título meramente indicativo: a) o cumprimento de obrigações de cobertura e de segurança da rede, b) a observância de parâmetros mínimos de desempenho da rede a assegurar na prestação do SMT, c) a identificação de projectos a concretizar para o desenvolvimento da sociedade de informação, no montante mínimo de 5 milhões de euros e d) prestação de caução, no mesmo montante, para garantia de execução desses projectos.

2.6.3. A Vodafone acrescenta aos fundamentos da recusa a sua discordância relativamente à deliberação da ANACOM (de 16.04.2008) que altera o direito de utilização de frequências da Radiomóvel, decisão esta objecto de ampliação do pedido de anulação formulado no âmbito do processo n.º 702/05.5 BELSB. A Vodafone considera que aquela deliberação altera o direito de utilização de frequências conferido à Radiomóvel sem para o efeito ter observado o procedimento do artigo 20.º da LCE, devendo fazê-lo, uma vez que (1) remove do objecto da licença - SMRP e respectiva definição - do anexo das condições gerais, (2) inclui a “condição” de a Radiomóvel negociar a interligação e obter o acesso e a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, (3) refere a possibilidade de o SMRP permitir o estabelecimento de comunicações de membros de um grupo fechado de utilizadores com utilizadores finais de outros serviços de comunicações electrónicas, (4) define o termo “acessoriamente” como número máximo de chamadas originadas num determinado grupo da Radiomóvel e terminadas noutras redes (15% por trimestre) e (5) inclui no título de habilitação daquela empresa a possibilidade de a mesma se interligar com outros operadores quando anteriormente apenas era admitida a possibilidade daquela empresa se interligar com operadores do serviço fixo de telefone (SFT).

Perante o exposto a Vodafone considera que esta deliberação está ferida dos vícios de violação do princípio da igualdade, das regras da concorrência e discrimina positivamente a Radiomóvel em relação aos demais operadores do SMT.

Entendimento da ANACOM

Os actos cuja anulação foi requerida no âmbito do processo n.º 702/05.5 BELSB - datados de 14 de Março de 2002, 2 de Maio de 2002, 8 de Maio de 2002, 23 de Outubro de 2003, 26 de Março de 2004 e 17 de Janeiro de 2008 - estão a ser objecto de apreciação na sede própria, não cabendo no quadro do processo em apreço proceder a outra apreciação dos mesmos. As razões e fundamentos das pretensões de ambas as partes foram expostos nessa instância e é nessa sede que será proferida uma decisão sobre o diferendo.

Porém, no caso em apreço não pode deixar de se assinalar que sobre a deliberação que aprova o conteúdo do direito de utilização conferido à Radiomóvel não recaiu qualquer decisão judicial que ordene a suspensão dos seus efeitos e, consequentemente, aquele direito de utilização mantém-se plenamente eficaz até que seja proferida decisão em sentido diverso, não podendo aquele processo constituir fundamento de recusa dos pedidos de interligação apresentados pela Radiomóvel.

Anote-se adicionalmente que não é exacto que Vodafone tenha impugnado, no processo n.º 702/05.5 BELSB, a Deliberação de 16.04.2008, uma vez que o pedido de ampliação que apresentou no referido processo se reportou à Deliberação 17 de Janeiro de 2008, o sentido provável de decisão submetido à audiência prévia da interessada Radiomóvel, e não à Deliberação de 16.04.2008.

Sem prejuízo do que no quadro do processo judicial em curso se concluir, assinala-se que a definição do SMRP e seus contornos continua plenamente aplicável na medida em que integra o anexo 2 do Direito de Utilização de Frequências ICP-ANACOM n.º 5/2008, no qual são fixadas as condições associadas à utilização de frequências, delimitando os termos em que as mesmas podem ser usadas. Não é o facto de esta definição passar a integrar aquele anexo que os contornos do serviço e a forma como deve ser assegurada a sua prestação se alteram. Importa ter presente que já não estamos perante uma licença - um acto administrativo que permite a alguém a prática de um acto ou exercício de uma actividade relativamente proibidos 4 -, mas sim de um direito de utilização de frequências, cuja utilização está afecta à prestação de um tipo de serviço.

Por outro lado, não é pelo facto de o direito de utilização incluir a “condição” (correspondente ao direito previsto no artigo 22.º da LCE) de a Radiomóvel negociar a interligação e obter o acesso e a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público que se deve considerar que ocorreu uma alteração dos direitos anteriormente conferidos. O que ocorre é uma actualização justificada pelas evoluções legislativas produzidas desde a data em que a Radiomóvel foi habilitada a exercer uma actividade e o momento actual em que àquela empresa é emitido um direito de utilização de frequências cujo uso está condicionada nos termos da Lei. De resto, este direito (de interligação) que antes de mais resulta da lei estava expressamente mencionado na última versão da licença ICP-ANACOM 012/SMRP.

O mesmo se diga relativamente à possibilidade de o SMRP permitir o estabelecimento de comunicações de membros de um grupo fechado de utilizadores com utilizadores finais de outros serviços de comunicações electrónicas. Esta possibilidade existiu desde sempre, embora conformada aos condicionalismos existentes ao longo das várias fases da liberalização do mercado das comunicações electrónicas em Portugal. O carácter acessório das comunicações para fora dos grupos fechados de utilizadores também não constitui novidade. A inovação é a delimitação quantitativa dos limites a essas comunicações, um aspecto que permitirá controlar a regular prestação do serviço de modo que o SMRP não se posa confundir com o serviço telefónico móvel - SMT/GSM-UMTS. Porém, como acima se referiu, é à ANACOM e não aos operadores que compete verificar o cumprimento por parte da Radiomóvel dos limites e condições que lhe são fixados e actuar sempre que detectar desconformidades com as condições associadas ao direito de utilização.

Já no que se refere à possibilidade de a Radiomóvel se interligar com outros operadores, quando anteriormente apenas era admitida a possibilidade daquela empresa se interligar com operadores do serviço fixo de telefone (SFT), esta mais não é do que uma adaptação do direito de utilização conferido àquela empresa ao enquadramento legal a que está sujeito o exercício da actividade de comunicações electrónicas e que se caracteriza pelo reconhecimento da liberdade de negociar interligação (vd. artigos 22.º, 62.º e 64.º da LCE). A manter-se inalterada a regra de que apenas é admissível a interligação do SMRP através do serviço fixo de telefone (SFT) seria manter um anacronismo incompatível com o quadro legal actualmente em vigor.

Não colhem, portanto, os argumentos expendidos pela Vodafone para obstaculizar a interligação nos termos requeridos pela Radiomóvel, nem pode no caso em análise deixar de se considerar o pedido formulado por aquela empresa como razoável, já que este é inteiramente justificado no direito de utilização conferido e na Lei.

2.7. Entende ainda a Vodafone que à satisfação do pedido deduzido pela Radiomóvel não corresponde qualquer tipo de obrigação legal de interligação.

Assim, refere a Vodafone que de acordo com as decisões tomadas pela ANACOM no termo da análise dos mercados grossistas de terminação de chamadas, a TMN, a Vodafone e a Optimus ficaram obrigadas a dar resposta aos pedidos razoáveis de acesso, permitindo que outros operadores completem chamadas originadas nas suas redes e terminadas nas redes de operadores de rede móvel acima indicados - decisões de Fevereiro de 2005 e de Julho de 2008.

Evidencia a Vodafone que a obrigação de dar acesso apenas ocorre quando o pedido é razoável, atributo a que, na óptica daquela empresa, o pedido da Radiomóvel não obedece, uma vez que permitirá àquela empresa oferecer ao público serviços para os quais não se encontra habilitada.

Entendimento da ANACOM

Mais uma vez se reitera que não é o facto de a Radiomóvel se interligar com outros prestadores dos serviços telefónicos móveis que lhe confere legitimidade para prestar serviços não compreendidos no direito de utilização de frequências que lhe foi conferido.

A utilização que à Radiomóvel é admitida fazer das frequências consignadas apenas possibilita que esta empresa preste o SMRP, não ficando por essa via a Radiomóvel admitida a prestar o serviço telefónico móvel - SMT/GSC-UMTS. A ANACOM não considera que os pedidos de interligação possam ser considerados irrazoáveis pelo facto de as entidades que recorrem a esses serviços poderem ultrapassar os limites e condições que estão associados aos direitos de utilização conferidos aos respectivos prestadores. Assim, não é legítima a recusa de interligação.

Por outro lado, como reiteradamente já foi afirmado, é à ANACOM e não aos operadores que compete assegurar a supervisão do mercado e a verificação da observância das condições associadas aos direitos de utilização conferidos aos vários operadores e prestadores de serviços de comunicações electrónicas. Será no exercício dessas competências que a ANACOM actuará caso constate que a Radiomóvel ou qualquer outro agente de mercado, não cumpra de forma pontual e efectiva as obrigações que lhes são fixadas.

Relativamente à observação deduzida pela Vodafone cumpre ainda assinalar que a razoabilidade dos pedidos de interligação (ou de acesso) está relacionada com a necessidade de condicionar eventuais pedidos que, por implicarem uma natureza e um tipo de interligação distinto dos habitualmente prestados, não possam ser impostos sem elevados custos adicionais para os operadores que prestam o serviço de interligação, situação que, de acordo com a informação disponível, não corresponde ao caso em apreço.

Do acima exposto decorre que os argumentos e fundamentos invocados pela PTC, TMN, Sonaecom e Vodafone não justificam a recusa dos pedidos de interligação que a Radiomóvel apresentou àquelas empresas.

Notas
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1 Conforme resulta da definição do n.º 1 do artigo 2.º do Regulamento de Exploração anexo à Portaria n.º 797/92, de 17 de Agosto (revogada) o «SMRP é um serviço de telecomunicações complementar móvel, conforme definido na alínea e) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 346/90…», admitindo n.º 2 deste artigo que o «SMRP pode permitir o estabelecimento de comunicações com utilizadores de outros serviços de telecomunicações de uso público…» - agora sublinhado. De acordo com a Lei de Bases do Estabelecimento, Gestão e Exploração as Infra-estruturas e Serviços de Telecomunicações então em vigor - Lei n.º 88/89, de 11 de Setembro (já revogada), o SMRP integra o elenco das telecomunicações públicas, de uso público – vd. n.º 1 a 4 do artigo 2.º da Lei, cuja utilização estava (e está) aberta a todos – artigo 15.º da Lei n.º 88/89.
2 Como refere o Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral «Acto administrativo inexistente é um “quid” que se pretende fazer passar por acto administrativo, mas a que faltam um ou mais dos elementos essenciais do conceito de acto administrativo» in Direito Administrativo, Vol. III, Lisboa 1989.
3 O Regulamento do concurso público para a atribuição de um direito de utilização de frequências, de âmbito nacional, na faixa de frequências dos 450-470 MHz, para a oferta do serviço móvel terrestre acessível ao público e o respectivo caderno de encargos foram aprovados pelo Regulamento n.º 474/2008, de 22 de Agosto e pela deliberação de 7.8.2008, respectivamente.
4 Marcelo Caetano – Manual de Direito Administrativo, página 459 (volume I), Almedina.