Os Quadros Normativos das Redes de Nova Geração


Exmo Sr. Presidente da ACIST, Sr. Eng. Paulo Moniz

Distintos  Convidados

Minhas Senhoras e Meus Senhores

1. As Redes de Nova Geração e as Novas Gerações em Rede

É um enorme prazer poder estar aqui hoje neste Fórum  de “Tecnologias, Comunicação  e Multimédia”, subordinado ao mote “A nova geração  tecnológica  e o seu impacto na sociedade do conhecimento”, integrado neste painel de “Infra-estruturas - Redes de Nova Geração, Fibra óptica e TDT”, e com a especial incumbência de abordar a “Importância dos quadros normativos” nestas matérias.

É um tema deveras pertinente porque o papel que o quadro jurídico regulatório tem na conformação da regulação económica pode ser decisivo para o sucesso dos investimentos em tecnologia e para o benefício generalizado dos cidadãos no acesso à sociedade do conhecimento.

A regulação, quando não sabe estar “on line” com a técnica e os emergentes modelos de negócio, pode transformar-se em burocracia ineficiente; mas a regulação não pode também ser capturada ou neutralizada e deixar de enunciar o  interesse público mais geral, e, em nome dele, dar voz aos interesses mais parcelares de todos os “stakeholders”, em especial os mais vulneráveis.

Estão patentes mundialmente as consequências das falhas de supervisão. A falta de regulação deixa os leões predadores à solta. Não pode de ser. A regulação deve poder ser virtuosa, isto é, objectiva, isenta, consistente, independente e atempada. Mas é sempre mais fácil dizê-lo do que fazê-lo,  mesmo em países com experiências amadurecidas. 

Minhas Senhoras e Meus Senhores  

Não podemos reflectir sobre as Redes da Nova Geração Tecnológica sem lembrarmos que as pessoas das novas gerações estão em rede. Por um lado, a fibra e o LTE representam prodígios  que nenhum visionário antecipara ainda há poucos anos, por outro, essas novas redes potenciadas pela internet estão a criar uma nova forma de comunicar, ou seja, uma nova forma de vida.

De facto, somos sujeitos privilegiados de uma mutação civilizacional e devemos estar cientes dela. Quase não temos tempo de respirar com a velocidade que a criatividade dos homens e o processamento exponencial de dados nos impõem novas plataformas, desprezam a noção de tempo, de geografia e de saber: comungamos das angústias seja qual for a latitude dos terramotos, a História acontece toda ao mesmo tempo, partilhamos enciclopédica informação. E tudo isto nos entra pela mão que segura um “smartphone” ou um tablet, a qualquer momento, em qualquer recôndito lugarejo.

Quando muda o paradigma da comunicação muda toda a civilização. Sempre foi assim. Da oralidade pura aos frades copistas dos mosteiros, de Guttemberg a Marconi, de Bell a Steve Jobs, da imagem televisiva à internet. A Bíblia expandiu-se pela imprensa escrita, mas o Bispo de Bragança prega agora pela net.

As novas gerações estão em rede: adormecem a trocar sms, lêem as notícias antes do pequeno almoço, no Ipad, reservam viagens e consultas médicas através da net, já ouviram mais música aos 25 anos do que nós em toda a vida, com os ipod,  já viram os filmes todos que quiseram e aqueles que os pais achavam que ainda não deviam ver, já não escrevem cartas ao coronel ou aquelas ridículas do Pessoa, que hoje teria certamente andaria pelos blogs com pseudónimo e teria três avatares, mailam, mailam e facebokam e têm todos os books do mundo em face, o trabalho desmaterializou-se, a burocracia do Estado também, o comércio electrónico explodiu, o marketing digital idem, convocamos manifs por SMS ou facebook, visitamos museus longínquos em detalhe, sabemos tudo sobre todos, googlamos por tudo e por nada, os meus alunos fazem cábulas com o telemóvel, já não somos teleespectadores, passámos a ser teledemandantes e soberanos,  os sentimentos e os afectos são mais interpelados, se calhar estão mais efémeros, mais expostos, o
poder e a política estão em todas as plataformas e às vezes com medo delas, o sortilégio e pesadelo do Grande Irmão Vigilante está a tornar-se realidade, a primeira guerra electrónica com o wikileaks já aconteceu, as primaveras árabes podem chegar pelo youtube, a segurança da nossa liberdade tem de ser defendida, tudo isso e muito mais aí está, como expressão de exaltação do Homem.

Mas será que não nos falta ainda um GPS seguro para trilharmos um caminho de humanidade, de liberdade e de paz ?

Não me esqueci do tema, está bem de ver…

2. As novas redes tecnológicas  e os problemas regulatórios.

O segundo tópico que queria abordar é o de como as novas redes tecnológicas estão a suscitar novas questões regulatórias. Até há pouco tempo, a vida de um Regulador era relativamente simples: o mercado nas telecomunicações arrumava-se em fixos e móveis e o negócio era palrar. Nas televisões e na rádio era ver e ouvir. Nos correios era recolher e distribuir cartas e encomendas. As nossas preocupações eram singelas: garantir a concorrência entre operadores, promover a qualidade do serviço e a defesa dos interesses dos consumidores.

As preocupações mantém-se, mas tudo mudou. O primeiro problema é o da convergência: nos telemóveis tenho net e televisão e mais um imensidão de “facilities”, além de telefonar; nas televisões, tenho internet e cinema, nos computadores fixos tenho tudo também, o correio chega e sai por computador.

Passámos de ofertas de referência grossistas obrigatórias para os incumbentes e de mercados segmentados em função das plataformas e dos serviços, para a convergência de plataformas,   de serviços e de empresas. Verticalizaram-se as ofertas e os serviços não são mais consignados em função das frequências, mas endereçados em integrados de tripla (voz, dados e imagem) ou quádrupula função (acrescendo a mobilidade) e em neutralidade tecnológica. Mas não verticalizámos a regulação.

Em tempos de racionalização de recursos públicos,  a gestão dos nomes de domínio, a numeração , o espectro e o acesso aos conteúdos e às redes, a política para a sociedade da informação e a internet não devem ser integradas, em vez de continuarem dispersas por entidades várias?

Um segundo desenvolvimento foi a maior integração europeia. Na verdade, transitámos de 18 mercados regulados para apenas 7 e a nossa independência regulatória passou a estar mais condicionada orgânica e materialmente pela Comissão e pelo BEREC. Não perdemos a nossa independência formal, pelo contrário, mas estamos agora mais dependentes material e processualmente.

Terceira nota: a maturidade do mercado permitiu evoluir para o reconhecimento da  segmentação geográfica do País, separando as áreas de mercados concorrenciais, das não concorrenciais. Em consequência dessa constatação foi possível libertar o incumbente das obrigações a que estava adstrito no mercado 5 (oferta grossista de Banda Larga).

Uma quarta questão, aliás associada, a emergência da fibra óptica colocou-nos dilemas interessantes: devíamos favorecer o investimento, não obrigando o operador histórico a dar acesso e promovendo a concorrência com base nas redes próprias ? Mas a duplicação ou triplicação de redes não é ineficiente economicamente ? Deveríamos proteger os novos entrantes que operavam na rede de cobre da PT, impedindo que a PT a descontinuasse e reconstituísse o anterior monopólio? Poderíamos fechar os olhos aos investimentos  recentemente efectuados pelos operadores nos lacetes desagregados e que poderiam ser postos em causa, se se admitisse uma pura e simples descontinuidade da oferta, por força das novas topologias da rede.

Quinta questão: até onde deve ir a fibra ? Até ao prédio, ao armário de rua ou até à casa ?  Deve haver oferta de referência em fibra escura ? Como se ultrapassavam os obstáculos verticais (colunas montantes dos edifícios - ITED) e horizontais  (acesso a infraestruturas e condutas - ITUR) à instalação da fibra em edifícios e urbanizações  ?

Sexta questão: a dimensão da info-inclusão: designadamente a população das áreas rurais 1 poderia ser sacrificada às lógicas meramente financeiras, que votariam ao abandono as zonas não rentáveis. Nas áreas rurais em que a concorrência entre prestadores de serviços suportados em redes NGA inexiste actualmente e potencialmente, dificilmente a implementação das NGA aconteceria sem uma intervenção por parte do Estado.

Enfim, tendo a internet, via ADSL chegado a todo País; não deveria agora a banda larga integrar o âmbito do serviço universal ? Ou será que as ofertas comerciais são tão acessíveis  e generalizadas que não se justifica que o integre ? E o que fazer com as nuvens da crise sobre a autonomia e a independência dos Reguladores e com a outra nuvem, a do “cloud computing” ? E com o que para aí se anuncia da internet das coisas? A vida não está fácil para um regulador…

3. A intervenção dos poderes públicos no quadro normativo para a nova geração

As  RNG – recordo que não são apenas as redes de fibra - representam pois  um desafio para operadores (substituição das rede de acesso e core), novas oportunidades para os consumidores (novos serviços IPTV, VOip, imagiologia médica) e problemas novos para os reguladores  (disponibilidade de espectro para a televisão móvel ou para a alta definição ?) e suscita questões estratégicas: como  vamos utilizar esta novas auto-estradas da informação? Para fazer circular o quê? Há procura de serviços que realmente sejam úteis à melhoria da nossa qualidade de vida ? São seguras ? Têm portagens caras ? É preciso que as autoestradas não fiquem vazias : exactamente como nos automóveis: ou porque não temos dinheiro para pagar um serviço de luxo, ou porque elas não levam a nenhum destino interessante.

Os Governos em Portugal têm estado muito cientes desta importância económica, cultural e estratégica.  O rápido desenvolvimento destas redes necessitava de voluntarismo político, regras claras e dinheiro. 

Em primeiro lugar, estabeleceram-se metas ambiciosas (V. Resolução do Conselho de Ministros nº 120/2008 de 30 de Julho): até 2010, conectar 1 milhão de portugueses a RNG,  ligar todas as escolas do ensino básico  e secundário e ligar todos os serviços de Justiça; até 2009, ligar toda a rede pública de hospitais e centros de saúde e todas as instituições de ensino superior, de museus e bibliotecas.

Em segundo lugar publicou-se o DL 123/2009 de 21 de Maio, visando a eliminação de barreiras  ao acesso dos operadores às condutas e da fibra óptica aos edifícios, criando um novo regime aplicável à construção de infra-estruturas aptas para a instalação de redes de telecomunicações e o novo regime do ITED e ITUR.

Quatro notas sobre ele:  (a) consagrou-se um direito de expropriação e de constituição de servidões e um direito de acesso das empresas de Comunicações Electrónicas  às infraestruturas e condutas de outras entidades públicas; em condições de igualdade, não discriminação, e de remuneração orientada para os custos; (b)  instituiu-se uma obrigação de coordenação das intervenções no subsolo, (c) e previu-se a criação de um Sistema de Informação Centralizada que conterá a informação sobre os procedimentos e condições da atribuição dos direitos de passagem, os anúncios sobre a construção de novas condutas, o cadastro geo referenciado de todas as infraestruturas e respectivas condições de acesso (d) os regimes de ITED e ITUR postulam o princípio de acesso das empresas de comunicações electrónicas, aberto, não discriminatório e transparente., ainda que sob condições, às colunas montantes dos prédios e às condutas.das urbanizações. 

Em terceiro lugar, canalizaram-se verbas significativas da União Europeia para fazer chegar a Banda Larga às Zonas Rurais. Não se trata  de mero voluntarismo de combate à iliteracia digital e à infoexclusão – o que já não seria de pouca monta -, mas significa a percepção de que o acesso à Banda Larga vai ser determinante na capacidade que as empresas têm de competir no mercado global, na qualidade que os serviços públicos vão oferecer e na forma como a nossa sociedade se vai reorganizar: onde não houver Banda Larga haverá menos empresas e menos emprego. Onde a Banda Larga não chegar haverá menos informação. Se Banda Larga não houver, a comunidade rural, que tantas vezes perdeu o tempo do presente, perderá o tempo do futuro.

Por último, para o quadro normativo destas novas redes ficar mais abrangente, além da legislação e matriz europeia devemos atentar nas preocupações expressas no seio da UIT com a Internet Governance: quem deve gerir -e como-, os recursos da Internet (nomes de domínio e endereços  IP) ? O ICANN ou os poderes públicos ? Como se garante a universalidade e o multilinguismo da Internet ? (Rússia , China e Países árabes com internets paralelas ?) Como se garante uma acessibilidade mais equitativa dos Países menos desenvolvidos (combater o fosso digital) ? As barreiras no acesso são apenas económicas ou também técnicas (mercados de software e hardware)   ? Como  se combate eficazmente o spam, o roubo de identidades, os ataques informáticos  ou a privacidade de dados ?

4. A situação actual em Portugal

A percepção que temos da expansão das redes de Nova Geração em Portugal é a de que ela se tem processado sem atritos de maior e sem sequer ter sido necessário recorrer à ANACOM para arbitrar conflitos, quer  entre operadores, quer na relação entre os operadores com as entidades públicas ou privadas, detentoras de condutas ou com poderes para as autorizar.

Talvez por estarem causticados com as relações pretéritas com o incumbente ou com a regulação , os operadores optaram por investir em redes próprias, mais do que  trabalharem em redes alheias. A crise também se faz sentir na construção de novas urbanizações e edifícios e não há registo significativo  de incumprimento das obrigações ITUR e ITED.

A generosidade da lei que admitia a abertura potencial de redes de água, saneamento e electricidade, não parece estar a ser confirmada pelas estratégias das empresas no terreno.  É caso para dizer que a Regulação antecipou um quadro de abertura tal, que os operadores não caíram na tentação de se fecharem, nem nas incertezas em cooperarem.

Mas nem tudo está a correr sobre rodas: o Sistema de Informação Centralizado, georreferenciado, que facilitará o acesso a infra-estruturas foi impugnado por um dos concorrentes e corre o risco de entrar na via sacra dos tribunais; a aprovação das regras sobre as RNG  e os mercados 4 e 5,e  a implementação das NGN nas Zonas rurais têm tido alguns atrasos.

Mesmo assim, muitos operadores investiram em acessos de alta velocidade. O número de alojamentos cablados com acessos de fibra óptica ascendeu no final do 2º trimestre de 2011 a 1,7 milhões, sendo os de cabo com EURO DOCSIS de 4,0 milhões. , os de DTH (Direct to Home-satélite) 676 mil, os de outras tecnologias como DSL/IP e FWA, 551 mil, o que dá o impressionante número de 7 milhões de acessos  (embora possa haver um efeito de dupla contagem, já que um alojamento pode ser passado por mais do que um operador) Portugal está numa posição dianteira a nível europeu.

Em cima das nossas mesas de trabalho temos agora matérias tão aliciantes como o leilão do espectro, designadamente o decorrente do “dividendo digital”, inerente ao “switch off” da televisão analógica, que vai permitir a adopção das tecnologias de banda ultra-larga móvel mais recentes, a 4ª geração 2. O Regulamento foi aprovado, a Portaria das taxas foi publicada e terminou já o prazo de entrega das candidaturas. A expectativa no mercado é enorme, não apenas pelos montantes potencialmente atingíveis, mas, sobretudo pela expectativa da entrada de um quarto operador móvel.

E, de novo, interessantes questões regulatórias foram colocadas: os operadores históricos devem poder concorrer sem limitações na aquisição de espectro? Isso não pode precludir a entrada para um “level playing field” de um novo operador ? Mas será razoável e eficiente fazê-lo ?  Pode  haver descontos para novos entrantes? Quanto é que deve custar o espectro ? Maximizar as receitas para o Estado, num contexto orçamentos depauperados ou não constituir uma barreira à entrada num contexto de banca fechada ? Deve instituir-se obrigação de MVNO e de roaming nacional ? As taxas devem ser reduzidas atendendo a que os operadores passam a deter quantidades muito maiores de espectro ?      

No Portugal que somos, com uma taxa de penetração de telemóveis no 2º trimestre de 2011 de 153, 4/100 habitantes, - superior à média europeia de 124, 5 % -, mas com uma taxa de penetração de banda larga de 20% nos acesso fixos e de 24, 3% nos acessos móveis,   as redes de nova geração vão passar muito pelo uso do móvel e dos “smartphones” em particular, com 100 Mega de capacidade. É outro mundo novo que aí vem.  

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Nós somos a geração de homens e mulheres mais informados de sempre. Nós somos os homens e mulheres com  mais conhecimento na História da Humanidade. Será que saberemos ser os mais sábios ? Porque parece que ainda não lográmos tecnologia para erradicar a pobreza mundial, nem sequer aquela que está além dos muros dos nossos condomínios, aquém da cidadania. Há gerações muito novas, com ambições máximas e que continuam sem rede de cuidados mínimos. Devemos lembrar isto quando falamos de redes de nova geração.  Para podermos também deixar a esperança de uma geração de homens e mulheres mais livres e iguais.

Luanda, 16 de Novembro de 2011

Alberto Souto de Miranda

Notas
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1 Em que os custos tendem a ser mais elevados, devido à maiotr dispersão populacional e ao maior comprimento do lacete local, e as receitas mais incertas, devido a um rendimento per capita inferior).
2 Long Term Evolution.


Consulte: