Projeto de decisão sobre pedido dos CTT de dedução de registos afetados pela greve geral dos trabalhadores em junho de 2013 no cálculo dos indicadores de qualidade de serviço


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Sentido provável de decisão sobre o pedido dos CTT, ao abrigo do artigo 6.º do Convénio de qualidade do serviço postal universal, de dedução dos registos das expedições de correio normal e azul afetados por greve geral dos trabalhadores dos CTT realizada no dia 07.06.2013

1. O Convénio de qualidade do serviço postal universal (Convénio de qualidade), celebrado em 10 de julho de 2008 entre o ICP - Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM) e os CTT - Correios de Portugal, S.A. (CTT), transitoriamente em vigor ao abrigo do n.º 7 do artigo 57.º da Lei n.º 17/2012, de 26 de abril, estabelece os parâmetros e níveis mínimos de qualidade do serviço postal universal, que os CTT se obrigam a prestar anualmente1.

2. Prevê o Convénio de qualidade, no seu artigo 6.º, n.º 1, que "no caso da ocorrência de situações de força maior ou de fenómenos, cujo desencadeamento e evolução sejam manifestamente externos à capacidade de controlo dos CTT, e que tenham impacto no desempenho de qualidade de serviço dos CTT, estes poderão solicitar, para efeitos de cálculo dos indicadores de qualidade de serviço (IQS) constantes do […] Convénio, a dedução dos registos relativos aos períodos de tempo e fluxos geográficos atingidos".

3. O n.º 2 do mesmo artigo estabelece que são consideradas situações de força maior ou de fenómenos a que alude o n.º 1, "[…] os factos de terceiros ou naturais, imprevisíveis ou inevitáveis, cujo desencadeamento, evolução e efeitos se produzam independentemente da vontade e da capacidade de controlo dos CTT, tais como atos de guerra ou subversão, epidemias, ciclones, tremores de terra, fogo, raio, inundações, greves gerais e quaisquer outros eventos da mesma natureza que prejudiquem as normais condições de aceitação, tratamento, transporte e distribuição dos envios postais".

4. O n.º 3 prevê que "sem prejuízo do disposto nos números [1 e 2 do mesmo artigo], no caso de até à liberalização total do sector postal em Portugal se verificar a ocorrência de perturbações laborais internas dos CTT que tenham impacto no desempenho da qualidade de serviço dos CTT, estes poderão solicitar, para efeitos de cálculo dos IQS […], a dedução dos registos relativos aos períodos de tempo e fluxos geográficos atingidos".

5. O pedido de ativação da dedução deverá ser apresentado pelos CTT, de forma fundamentada, no prazo máximo de 60 dias [úteis] contados a partir da data da ocorrência, de acordo com n.º 4 do artigo 6.º do Convénio de qualidade.

6. A decisão de consideração ou não do pedido dos CTT cabe, nos termos do n.º 5 do mesmo artigo, ao ICP-ANACOM, a qual deverá ser notificada aos CTT no prazo máximo de 30 dias [úteis] a contar da data de receção do mesmo, devendo tal decisão, em caso de rejeição do pedido, ser devidamente fundamentada. Independentemente da apresentação de pedido de dedução, os CTT obrigam-se a tentar encontrar as melhores alternativas durante o período de ocorrência das situações a que aludem os números 1, 2 e 3 do mesmo artigo 6.º.

7. Os CTT, através de carta de 08.08.2013, recebida no ICP-ANACOM no dia 09.08.2013, informaram que no dia 07.06.2013 realizou-se uma greve geral dos trabalhadores dos CTT, convocada e subscrita por diversas organizações sindicais representativas dos trabalhadores da empresa, convocada como forma de protesto contra a privatização daquela empresa, segundo os CTT anunciada e decidida pelo Governo português.

8. Segundo os CTT, não obstante as medidas prévias adotadas no sentido de minimizar o impacto previsto da paralisação no serviço postal e da sua manutenção nos dias após a greve, a paralisação no dia da greve geral provocou atrasos no encaminhamento e na distribuição dos envios postais, que afetaram o desempenho da qualidade de serviço durante o mês de junho de 2013.

9. Ainda segundo aquela empresa, atendendo ao prazo de encaminhamento, foi a qualidade da linha do correio prioritário/correio azul a mais afetada pela referida paralisação, bem como, embora em menor grau, a do correio normal.

10. Os CTT, invocando a causa e natureza da situação ocorrida no dia 07.06.2013 (greve geral dos trabalhadores da empresa), que qualificam como anómala e por motivos cujo desencadeamento e efeitos se situaram claramente fora da capacidade de controlo dos CTT, solicitam a esta Autoridade, nos termos e para os efeitos do artigo 6.º do Convénio de qualidade, que seja considerado no cálculo dos IQS de junho de 2013 o impacto da referida situação, qualificada pelos CTT como sendo de força maior.

11. Neste âmbito, solicitam os CTT que sejam deduzidos os registos das expedições de correio normal e de correio azul, em todos os fluxos nacionais, referentes aos seguintes períodos:

a) Correio normal expedido de 4 a 7 de junho (inclusive), em todos os fluxos;

b) Correio azul expedido nos dias 5 e 6 de junho nos fluxos Continente;

c) Correio azul expedido de 5 a 7 de junho (inclusive) nos fluxos CAM (Continente, Açores e Madeira.

12. Assim:

a) Considerando as informações comunicadas pelos CTT, através de carta de 08.08.2013;

b) Considerando o estabelecido nos acima mencionados números 1, 2 e 3 do artigo 6º do Convénio de qualidade;

c) Tendo em conta que:

i. No comunicado das organizações sindicais que os CTT anexam à sua carta acima referida de 08.08.2013, apela-se à greve perante a anunciada privatização dos CTT, perante a destruição da rede postal pública e perante o corte da distribuição diária de correios aos cidadãos, sendo especialmente destacada a privatização dos CTT;

ii. A definição doutrinária de situações de força maior associa estas situações à ideia de imprevisibilidade e de insuperabilidade;

iii. A greve dos trabalhadores dos CTT estava efetivamente prevista, tanto é que os CTT juntam ao seu pedido uma cópia de um comunicado relativo à greve convocada por sindicatos do sector para o dia 07.06.2013; ao mesmo tempo, os CTT, sem prejuízo do mérito das medidas alternativas implementadas (nomeadamente no âmbito do previsto no final do n.º 5 do artigo 6.º do Convénio de qualidade), antecipando os possíveis efeitos da anunciada greve indicam que no período compreendido entre 3 e 12 de junho de 2013, ou seja mesmo em período prévio à ocorrência da greve, operacionalizaram um plano de medidas de contingência;

iv. Assim, contrariamente à qualificação feita pelos CTT, a greve dos trabalhadores da empresa CTT não pode ser considerada uma situação de força maior (cfr. o n.º 1 do artigo 6.º do Convénio de qualidade);

v. A situação de greve reportada pelos CTT também não se poderá considerar como um fenómeno cujo desencadeamento e evolução sejam manifestamente externos à capacidade de controlo dos CTT (cfr. n.º 1 do artigo 6.º do Convénio de qualidade);

vi. Com efeito, trata-se de uma perturbação interna dos CTT, mesmo que motivada também por um fator externo, a decisão de privatização da empresa (vide, a título de exemplo, pré-aviso de greve enviado pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações aos CTT e disponibilizado na página da Internet do referido sindicato - http://www.sntct.pt/img/com_ctt/an0001798.pdfhttp://www.sntct.pt/img/com_ctt/an0001798.pdf);

vii. Não estando em causa conflitos que extravasem a empresa CTT, a situação de conflitualidade reportada constitui um "fenómeno" interno dos CTT, pelo que não pode ser entendida como sendo de desencadeamento e evolução manifestamente externa à capacidade de controlo da empresa, entendida como unidade empresarial que constitui um todo, que abrange os seus meios humanos, pelo que os movimentos laborais dos seus trabalhadores não lhe são alheios;

viii. A situação invocada pelos CTT, a greve dos trabalhadores da empresa ocorrida em 07.06.2013, não constitui assim uma situação de força maior ou fenómeno, cujo desencadeamento e evolução sejam manifestamente externos à capacidade de controlo dos CTT, pelo que não é atendível para efeitos de avaliação do mecanismo de dedução previsto no n.º 1 do artigo 6.º do Convénio de qualidade;

ix. De acordo com as normas do Comité Europeu de Normalização (CEN) relativas à medição de demoras de encaminhamento de envios postais, de que se destaca a norma EN 13850 (relativa à avaliação do prazo de encaminhamento dos serviços ponta-a-ponta para os envios unitários de correio prioritário e de primeira classe), de implementação obrigatória por parte dos CTT, o não funcionamento do operador e dias de greve ou disputas industriais não devem ser descontados na medição da qualidade de serviço; a mesma norma afirma que greves que ocorram na esfera de influência do prestador não serão consideradas situações de força maior;

x. O pedido dos CTT não se enquadra também no n.º 3 do artigo 6.º do Convénio de qualidade, que permite a dedução dos registos relativos ao período de tempo e fluxos geográficos atingidos pela ocorrência de perturbações laborais internas dos CTT, que tenham impacto no desempenho da qualidade de serviço, verificadas até à liberalização total do sector postal em Portugal;

xi. É inequívoco que a situação descrita pelos CTT constitui perturbação laboral interna dos CTT com efeitos sobre a qualidade de serviço dos CTT;

xii. A situação descrita pelos CTT ocorre, contudo, após a liberalização total do sector postal em Portugal, a qual se deve ter por verificada com a entrada em vigor da Lei Postal, que estabelece o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais, em plena concorrência, no território nacional, bem como de serviços internacionais com origem ou destino no território nacional, e transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2008/6/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008;

xiii. A referida Lei Postal, que como referido transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2008/6/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, estabeleceu a plena liberalização do sector postal em Portugal a partir de 27.04.2012;

xiv. Ao abrigo da Lei Postal, algumas atividades e serviços podem, por razões de ordem e segurança pública ou de interesse geral, ficar reservados a determinados prestadores de serviços postais [cfr. alínea b) do n.º 2 do artigo 3º da Lei Postal]. Esta possibilidade encontra-se prevista desde o seu início na Diretiva n.º 97/67/CE, de 15 de dezembro de 1997, e que a referida Diretiva n.º 2008/6/CE não alterou;

xv. Tendo presente a natureza e os motivos da reserva da prestação das atividades elencadas na alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º da Lei Postal, que decorre de previsão contante do artigo 8º da Diretiva 97/67/CE, deve entender-se, como já referido, que a liberalização total do sector postal em Portugal se verificou com a entrada em vigor da Lei Postal, o que ocorreu em 27.04.2013;

xvi. A prestação do serviço universal deve assegurar a satisfação de padrões adequados de qualidade, nomeadamente no que se refere, entre outros, a prazos de entrega, regularidade e fiabilidade do serviço [cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 11º da Lei Postal], bem como a continuidade da prestação do serviço, salvo em caso de força maior [cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 11º da Lei Postal],

O Conselho de Administração do ICP-ANACOM, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pelas alíneas b), d), h) e n) do n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do artigo 26.º, todos dos seus Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de dezembro, bem como pelo n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 17/2012, de 26 de julho, e ao abrigo do n.º 5 do artigo 6.º do Convénio de qualidade do serviço postal universal, de 10 de julho de 2008, com as alterações que lhe foram introduzidas em 10 de setembro de 2010, delibera:

1. Indeferir o pedido efetuado pelos CTT de dedução dos registos afetados diretamente pela greve geral dos trabalhadores dos CTT realizada no dia 07.06.2013, para efeitos de cálculo dos indicadores de qualidade de serviço definidos no referido Convénio de qualidade;

2. Submeter o presente sentido provável de decisão a audiência prévia dos CTT, de acordo com o disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo, fixando o prazo de dez dias úteis para os CTT, querendo, se pronunciarem por escrito.

Notas
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1 Ver Convénio de qualidade do serviço postal universalhttps://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=190302.