Recomendação relativa à cobrança de valores pelo envio de faturas


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Recomendação

Relativa à cobrança de valores pelo envio de faturas

A Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM) tomou conhecimento, através de notícias veiculadas na comunicação social1 e de reclamações que lhe foram endereçadas por utilizadores de serviços de comunicações eletrónicas, que a MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. se propõem, a partir de abril, cobrar o envio de faturas em papel a alguns dos seus clientes2.

A ANACOM apurou ainda que, pelo menos, a NOS Comunicações, S.A. e a NOWO Communications, S.A. preveem, nos contratos que utilizam e na divulgação que fazem das condições de oferta dos seus serviços, que o envio de fatura em suporte em papel, pelo correio, implica, para os seus assinantes, um encargo adicional3.

Em qualquer das referidas situações, o envio de fatura em papel fica dependente de um pagamento por parte dos clientes das empresas de comunicações eletrónicas.

Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 1.º da Lei dos Serviços Públicos Essenciais – Lei n.º 23/96, de 26 de julho4 (LSPE) – o serviço de comunicações eletrónicas integra o elenco dos serviços públicos essenciais, estando os prestadores destes serviços vinculados ao cumprimento de um conjunto de exigências previstas nesta Lei. Assim, determina o artigo 9.º da LSPE que o utente dos serviços públicos essenciais tem direito a uma fatura que especifique devidamente os valores que apresenta, devendo esta ter uma periodicidade mensal e discriminar os serviços prestados e as correspondentes tarifas. Especificamente para o serviço de comunicações eletrónicas, determina aquela Lei que, a pedido do interessado, a fatura deve traduzir com o maior pormenor possível os serviços prestados.

Nos termos da Lei das Comunicações Eletrónicas – Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro5 –, é reconhecido aos assinantes dos serviços de comunicações eletrónicas o direito de disporem de faturação detalhada, quando solicitada, prevendo o n.º 5 do artigo 39.º desta Lei a possibilidade de a ANACOM definir o nível mínimo de detalhe e informação que, sem quaisquer encargos, as empresas devem assegurar aos assinantes que solicitem faturação detalhada. Resulta desta norma legal que, apenas em alguns casos em que é solicitada a faturação detalhada, o prestador de serviço pode reclamar o pagamento de encargos que a satisfação deste pedido gera. Nos casos em que seja somente emitida uma fatura não detalhada, ou com o nível mínimo de detalhe definido pela ANACOM, a fatura deve ser disponibilizada sem quaisquer encargos.

Também a Lei relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas – Lei n.º 41/2004, de 18 de agosto6 – prevê, no n.º 1 do seu artigo 8.º, que os assinantes têm o direito de receber faturas não detalhadas.

De todo o enquadramento legal acima exposto decorre que os assinantes têm, de forma inequívoca, direito a receber faturas dos serviços que lhe são prestados.

Analisado sob a perspetiva das obrigações fiscais, resulta da alínea b) do artigo 29.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado que as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com caráter de habitualidade, exerçam a atividade de prestação de serviços devem emitir obrigatoriamente uma fatura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços independentemente da qualidade dos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efetuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços. E estabelece o artigo 36.º do mesmo Código que as faturas devem ser processadas em duplicado, destinando-se o original ao cliente e a cópia ao arquivo do fornecedor, podendo, sob reserva de aceitação pelo destinatário, ser emitidas por via eletrónica desde que seja garantida a autenticidade da sua origem, a integridade do seu conteúdo e a sua legibilidade através de quaisquer controlos de gestão que criem uma pista de auditoria fiável, considerando-se cumpridas essas exigências se adotada, nomeadamente, uma assinatura eletrónica avançada ou um sistema de intercâmbio eletrónico de dados (nos termos dos n.ºs 4 e 10 do referido artigo 36.º).

Tendo em conta o acima exposto conclui-se que:

a) A emissão e a entrega do original da fatura aos utentes e assinantes constituem obrigações de natureza fiscal que recaem sobre os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, pelo que não se considera legítimo que estes repercutam sobre os seus clientes os encargos do respetivo cumprimento;

b) Os utentes e assinantes dos serviços de comunicações eletrónicas têm direito a receber faturas dos serviços que lhes são prestados, devendo as faturas não detalhadas ou com o nível mínimo de detalhe fixado pela ANACOM ser disponibilizadas sem quaisquer encargos, conforme decorre da LSPE, da Lei relativa ao tratamento de dados pessoais e da proteção da privacidade no sector das comunicações eletrónicas e da Lei das Comunicações Eletrónicas.

Acresce que a cobrança de qualquer valor pela disponibilização de faturas não detalhadas se reveste de carácter particularmente sensível e acarreta especial risco para grupos da população especialmente vulneráveis, como pessoas idosas, consumidores de menores rendimentos e cidadãos com baixos índices de escolaridade e literacia digital.

A cobrança de qualquer valor pela disponibilização de faturas não detalhadas aos seus assinantes foi ainda colocada em causa pela Direção-Geral dos Consumidores (DGC), pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) e pela União Geral de Consumidores (UGC), que fizeram chegar à ANACOM as suas posições sobre esta matéria.

A ANACOM está a acompanhar de perto esta situação e não deixará de exercer todas as suas competências legais.

Pelo exposto, na prossecução das atribuições legais cometidas pela alínea h) do n.º 1 do artigo 8.º dos Estatutos da ANACOM, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março, e dos objetivos de regulação previstos na alínea c) do n.º 1 e na alínea b) do n.º 4, ambos do artigo 5.º da Lei das Comunicações Eletrónicas, no exercício dos poderes previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 9.º dos Estatutos da ANACOM e das competências estabelecidas na alínea q) do n.º 1 do artigo 26.º dos mesmos Estatutos,

a ANACOM recomenda aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas que não procedam à cobrança de qualquer valor pela disponibilização de faturas não detalhadas ou com um mínimo de detalhe, independentemente do suporte que utilizem para esse efeito.

Lisboa, 27 de março de 2018

Notas
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1 Vd. Público Link externo.https://www.publico.pt/2018/03/17/economia/noticia/meo-passa-a-cobrar-um-euro-pela-factura-em-papel-1806919, SAPO Link externo.https://www.sapo.pt/noticias/economia/meo-passa-a-cobrar-um-euro-pelas-faturas-em_5aacf2206d2e9bce57cc0e46, ECO Link externo.https://eco.pt/2018/03/17/meo-passa-a-cobrar-um-euro-pelas-faturas-em-papel/, Portal da Queixa Link externo.https://portaldaqueixa.com/comunicacoes-moveis-e-fixas/meo-taxa-de-1-para-faturas-em-papel.
2 De acordo com as condições anunciadas e publicadas no site da empresa a cobrança de despesas administrativas pelo envio de fatura em papel aplicam-se a contratos de prestação de serviços de voz móvel pós-pagos e a pacotes MEO de internet fixa e internet móvel (MEO Link externo.https://www.meo.pt/pacotes/mais-pacotes/fibra/net-voz).
3 Vd. Preçários NOS Link externo.https://www.nos.pt/particulares/outros/Pages/precarios-nos.aspx#tab6 - tarifário divulgado pela NOS Comunicações, S.A. no qual se prevê que o envio de fatura pelo correio poderá ter um custo de até 1 euro e, também, n.º 9 das condições particulares do contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas em uso pela NOWO Communications, S.A. prevê que, não aderindo à fatura eletrónica o assinante receberá a fatura em papel mediante o pagamento de um custo administrativo.
4 Disponível em: Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa - Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (Lei dos Serviços Públicos - versão atualizada) Link externo.http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1436&tabela=leis.
5 Disponível, na sua redação atual, em: Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa - Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas - versão atualizada) Link externo.http://www.pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1439&tabela=leis.
6 Disponível, na sua redação atual, em: Lei n.º 46/2012, de 29 de agostohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1136073.