COVID-19 - ANACOM entregou à Assembleia da República proposta para reforçar a proteção dos utilizadores de comunicações eletrónicas


ANACOM congratula-se com a recente aprovação da Lei n.º 7/2020, de 10 de abril, que contempla medidas excecionais e temporárias para, em resposta a dificuldades causadas pela pandemia COVID-19, garantir o acesso aos serviços públicos essenciais e, de entre estes, aos serviços de comunicações eletrónicas, mas considera que o regime aprovado poderá ser objeto de um conjunto de clarificações e de melhoramentos.

Por isso, e de modo a procurar dar resposta a problemas que têm chegado ao conhecimento desta Autoridade, através do acompanhamento que faz das reclamações do sector, nas quais se constata que a gestão dos contratos, a possibilidade da sua suspensão temporária ou de cancelamento de serviços sem penalização estão entre as principais preocupações dos  utilizadores (na última semana foram apresentadas 1844 reclamações no livro de reclamações eletrónico, um aumento de 19% face à semana anterior, e a ANACOM recebeu 588 solicitações, um aumento de 30% relativamente à semana anterior1), a ANACOM entregou à Assembleia da República uma proposta que visa eventuais alterações à Lei 7/2020, de 10 de abril, no sentido de reforçar a proteção dos utilizadores de comunicações eletrónicas.

Esta lei consagra a garantia de acesso aos serviços essenciais (água, eletricidade, gás natural e comunicações eletrónicas) ao estabelecer que não é permitida a suspensão do fornecimento destes serviços durante o estado de emergência e no mês seguinte, posição que a ANACOM acompanha, mas que, no caso dos serviços de comunicações eletrónicas, pode ser reforçada. Com efeito, para que da leitura estrita da lei não resulte que pode haver suspensão do fornecimento quando os assinantes estejam em situação de desemprego ou o seu agregado familiar tenha sofrido uma quebra de rendimentos igual ou superior a 20% ou, ainda, que estejam infetados por COVID-19, a ANACOM recomenda uma reformulação da atual redação.

Tendo em vista a proteção dos interesses dos utilizadores de serviços de comunicações parece-nos dever ser reponderado até que ponto se justifica a definição de um regime mais restritivo para estes utilizadores, em comparação com os utilizadores de outros serviços essenciais. Enquanto para os utilizadores de comunicações eletrónicas se exige que tenham de estar numa situação de desemprego, redução de rendimentos do agregado familiar igual ou superior a 20%, ou por infeção por COVID-19, nos outros serviços públicos essenciais não existe esta exigência.

Nas matérias relativas à cessação unilateral dos contratos, a lei estabelece que os consumidores que se encontrem em situação de desemprego ou com uma quebra de rendimentos do agregado familiar igual ou superior a 20 % face aos rendimentos do mês anterior podem requerer a cessação unilateral de contratos de telecomunicações, sem lugar a compensação ao fornecedor. Trata-se de matéria que vai ao encontro das preocupações da ANACOM, mas que levanta algumas dificuldades práticas, entre outras razões, devido ao facto de a lei não especificar quais os comprovativos que podem fazer prova da situação de desemprego ou redução de rendimentos, deixando a cada empresa prestadora de serviços total liberdade para definir que comprovativos aceita. Em matéria de cessação unilateral dos contratos, em complemento das soluções que se encontram consagradas na Lei n.º 7/2020, a ANACOM entende que a proteção dos interesses dos utilizadores de serviços de comunicações seria reforçada se fosse contemplada a possibilidade de estes poderem obter a redução dos contratos, ou mesmo a sua suspensão de forma a que, sem abrir mão da sua posição contratual e dos números telefónicos que utilizam, pudessem reduzir os seus encargos até que estejam ultrapassadas as dificuldades provocadas pela pandemia de COVID-19.

Relativamente à regularização de dívidas acumuladas durante o período em que se mantiverem as medidas de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica do SARS-Cov2, a Lei n.º 7/2020 refere que estas devem ser objeto de um plano de pagamento definido por acordo entre o prestador e o assinante, prevendo uma moratória de 2 meses após o estado de emergência (presume-se que a contagem deste prazo se inicia na data em que termina este estado). Embora preveja a necessidade de acordo entre as partes, esta solução deixará, na prática, uma elevada margem aos prestadores de serviços para imporem condições de pagamento que podem não ir ao encontro das necessidades dos assinantes, designadamente no que se refere ao montante das prestações, que na ótica da ANACOM não devem, salvo acordo expresso do assinante, ser superiores a metade do valor da mensalidade dos serviços contratados, e à duração do plano de pagamentos que, na perspetiva da ANACOM deve ter uma duração de no mínimo de 6 meses. Com efeito, importa evitar que, num curto espaço de tempo, após o período de emergência nacional, os utilizadores sejam confrontados com a exigência de suportar, num só mês, montantes que podem corresponder a duas ou mais mensalidades, no caso dos serviços pós-pagos.

No plano das consequências do incumprimento, a lei em vigor não proíbe a cobrança de juros de mora e de penalizações contratuais em consequência de atrasos no pagamento de faturas ou no carregamento de saldos, não impedindo, assim, que estes encargos possam acrescer ao valor das dívidas acumuladas pelos assinantes durante este período de exceção, agravando desta forma os encargos que estas medidas visam mitigar. A possibilidade de cobrança de penalizações contratuais pelo atraso no pagamento de faturas ou no carregamento de saldos é particularmente gravosa num contexto que atualmente se vive, em que existem fortes restrições à mobilidade das pessoas.

Refira-se ainda que a Lei n.º 7/2020 não prevê qualquer regime sancionatório no caso do seu incumprimento, facto que impossibilita que as autoridades responsáveis pela supervisão dos prestadores dos vários serviços abrangidos por este regime possam reagir em caso de violação das regras estabelecidas no referido diploma.

Por último, a ANACOM sublinha que, no seu entendimento, o regime previsto na Lei n.º 7/2020 para a suspensão dos serviços de comunicações eletrónicas, que importaria completar com a possibilidade de redução ou suspensão temporária dos contratos, além de ser aplicável aos consumidores, também deve sê-lo às micro e pequenas empresas que durante o período de exceção tenham cessado a respetiva atividade ou tenham sofrido quebras de rendimentos iguais ou superiores às que justificam a aplicação das medidas aos consumidores, bem como a organizações sem fins lucrativos que tenham encerrado ou sofrido quebras de rendimentos na mesma proporção.

Notas
nt_title
 
1 De acordo com os dados ontem publicados no Portal do Consumidor da ANACOM: Serviços de comunicações em Portugal - Semana de 11 a 17 de abrilhttps://www.anacom-consumidor.pt/-/servicos-de-comunicacoes-em-portugal-semana-se-7-a-11-de-abril.