Despacho n.º 9333/2020, publicado a 30 setembro



Infraestruturas e Habitação - Gabinetes dos Secretários de Estado Adjunto e das Comunicações e das Infraestruturas

Despacho


Considerando:

Que as comunicações eletrónicas entre o território de Portugal continental e os arquipélagos dos Açores e da Madeira são atualmente asseguradas através de um sistema de cabos submarinos: dois a partir de Carcavelos, um para a ilha de S. Miguel e outro para a ilha da Madeira, um terceiro entre S. Miguel e a Madeira (o conjunto designado «anel CAM»), num total de 3700 km;

Que estes cabos são absolutamente essenciais para garantir as comunicações para e a partir das Regiões Autónomas e entre as ilhas que as integram e que importa, por isso, providenciar a sua substituição atempada, dado que a sua obsolescência está estimada ocorrer nos anos de 2025 (Continente/Madeira), 2024 (Continente/Açores) e 2028 (Açores/Madeira), e é necessário ter em conta os prazos para a nova instalação no oceano, bem como os procedimentos concursais internacionais;

Que, sendo certo que os períodos de vida útil não cessam abruptamente naquelas datas e podem ser estendidos, o facto é que além da conveniência em proceder a essa substituição por cabos de nova geração - com mais capacidade e a integração de novos serviços -, as decisões relativas ao fim da operação destes sistemas são tomadas pelos consórcios internacionais titulares dos cabos Columbus III (que liga o Continente aos Açores) e Atlantis 2 (que liga o Continente à Madeira) de que a empresa portuguesa MEO, S. A., faz parte e, apenas por esta, em relação ao cabo entre a Madeira e os Açores, de que é proprietária exclusiva;

Que no quadro do consórcio internacional Columbus III, foi já apresentada intenção de «retirada antecipada», o que obrigaria a uma operação num sistema de contingência mais oneroso, apenas por mais cinco anos; a Madeira, por seu turno, contratou já um reforço de capacidade ao Consórcio Ellalink, que está a construir um novo cabo entre Fortaleza e Sines;

Que Portugal tem de garantir a autonomia do seu sistema de comunicações entre todo o território e não deve ficar dependente de interesses privados, não necessariamente coincidentes com o interesse nacional, nem ficar sem redundância técnica;

Que Portugal deve, ainda, procurar dotar-se de cabos submarinos com muito maior capacidade, em linha com o aumento de conectividade digital esperado para os próximos 30 anos, designadamente, pela generalização das tecnologias de comunicação móvel 5G e pela crescente digitalização da sociedade, que esta crise atual do COVID-19 tornou ainda mais evidente;

Que, em segundo lugar, além de ser necessário acautelar a obsolescência, garantir a autonomia e reforçar a capacidade, outra estratégia deve ser tida em conta, que é a de aproveitar esta necessidade de substituição para potenciar a utilização dos cabos submarinos, através da agregação de novas funcionalidades e serviços, como a deteção sísmica, a monitorização ambiental, o suporte a ações de Defesa Nacional de controlo de atividade submarina na nossa Zona Económica Exclusiva (ZEE), a supervisão e proteção de cabos amarrados e não amarrados na nossa ZEE ou a interligação entre redes científicas;

Que, em terceiro lugar, importa tirar partido da posição privilegiada de Portugal, para estimular a criação de uma plataforma internacional de amarração de cabos e de instalação de centros de armazenamento e computação de dados;

Que a rede internacional de cabos submarinos é fundamental para a conectividade, a digitalização global e a expansão da Internet e que, atualmente, estima-se que 97 % das comunicações mundiais sejam transportadas pelos 378 sistemas de cabos existentes (os principais players digitais globais - Google, Facebook, Amazon, Microsoft, entre outros, detêm atualmente cerca de 220 000 km de cabos próprios e continuam a investir nestas infraestruturas);

Que a posição geográfica de Portugal lhe confere uma vantagem única, quer na interligação atlântica Norte-Sul (acessos a África e à América do Sul), quer Este-Oeste (acessos à América do Norte), à Europa e ao Mediterrâneo, sendo Portugal o único país do mundo que tem amarrados cabos submarinos com comunicação para todos os continentes relevantes;

Que o cabo Equiano, da Google, ligará a Cidade do Cabo a Sines e o cabo do consórcio Ellalink conectará Fortaleza, no Brasil, a Sines;

Que esta vantagem deve ser otimizada, atraindo não apenas novas amarrações, como promovendo a localização em Portugal de plataformas digitais e centros de armazenamento de dados, no contexto em que o seu processamento constitui fator fundamental da economia digital;

Que as sinergias potenciadas por essas bases, designadamente com a Inteligência Artificial, o tratamento de Big Data, a computação de alto desempenho, o desenvolvimento da capacidade de pontos de intercâmbio de tráfego da Internet (IXP) e a disponibilidade de amplas áreas de terreno - designadamente, em Sines, um dos pontos de amarração internacional - devem ser aproveitadas e estimuladas;

Que pelo Despacho n.º 4805/2019, de 22 de abril, do Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 91, de 13 de maio de 2019, foi constituído um Grupo de Trabalho, integrando representantes dos Ministérios das Finanças, do Planeamento, das Infraestruturas e da Habitação, da Secretaria de Estado das Comunicações, da Região Autónoma dos Açores, da Região Autónoma da Madeira, e da ANACOM, presidido pelo Presidente desta, com a incumbência de propor a melhor solução técnica, o modelo de negócio e de financiamento, ponderar a otimização do anel CAM como plataforma internacional de amarração e de localização de bases de dados e de suporte a novos serviços e respetiva calendarização, tendo os trabalhos sido concluídos em final de dezembro de 2019 e o Grupo de Trabalho apresentado doze recomendações, que o Governo teve em consideração;

Sendo a Infraestruturas de Portugal, S. A. (IP, S. A.) a empresa pública onde estão centralizadas as infraestruturas aptas de comunicação eletrónicas dos domínios públicos rodoviários e ferroviários, considera-se que também estas novas infraestruturas de comunicações eletrónicas, sem prejuízo da sua futura gestão e manutenção ser atribuída à IP Telecom, S. A., devem ficar naquela empresa pública:

Assim, determina o Governo o seguinte:

1 - Desencadear o processo de substituição do atual sistema de comunicações que liga o Continente aos Açores e à Madeira, por forma a que seja substituído por um novo sistema de cabos submarinos de titularidade pública, cujos troços estejam operacionais, respetivamente em 2024 para os Açores e 2025 para a Madeira.

2 - Incumbir o operador público de telecomunicações, «IP Telecom, S. A.» através da IP, S. A., de desenvolver o projeto atribuindo-lhe a gestão integrada dos cabos que vierem a ser instalados, em regime de concessão, tendo em atenção que a execução de qualquer contrato relativamente a este assunto deve ser acompanhado de especiais medidas de segurança, uma vez que estão em causa interesses de segurança e defesa do Estado Português.

3 - Que a atividade de gestão do novo conjunto de infraestruturas de cabos submarinos CAM será exclusivamente grossista e neutra, garantindo o acesso não discriminatório a todos os operadores de comunicações eletrónicas, ou outras entidades relevantes e legalmente habilitadas, que pretendam cursar comunicações eletrónicas entre as áreas em questão;

4 - Que a IP Telecom, S. A., deverá preparar o estudo económico-financeiro, o modelo de contratação da construção e da exploração e o respetivo plano de desenvolvimento do projeto, tendo em vista a definição dos recursos financeiros e humanos, assim como os prazos, que se afigurarem necessários, devendo apresentá-los à tutela sectorial e às Finanças no prazo de 6 meses, para o que o Conselho de Administração da IP, S. A., empresa pública que detém 100 % do capital da IP Telecom, S. A., emitirá a respetiva orientação, nos termos do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro.

5 - Que a IP Telecom, S. A., uma vez aprovado o estudo económico-financeiro, o modelo de contratação e exploração e o respetivo plano de desenvolvimento do projeto pela tutela sectorial e pelas Finanças e de recebida formalmente essa incumbência da IP, S. A., nos termos do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de outubro, deverá preparar o caderno de encargos do futuro anel CAM, de modo a lançar o concurso público internacional até ao final do ano de 2020 e adjudicar a construção e instalação até ao final de 2021, sendo expectável um prazo de dois anos para a instalação física.

6 - Que o novo anel CAM disporá de seis pares de fibras óticas em todos os segmentos, complementado por um par de fibras óticas, a partir da Madeira, numa derivação que ligará ao cabo Ellalink, conforme o cenário A, proposto pelo Grupo de Trabalho.

7 - Que a configuração das estações de amarração será a seguinte, sem prejuízo de o desenvolvimento do projeto vir a demonstrar a possibilidade de reduzir estas necessidades e ou otimizar as infraestruturas já existentes: duas estações partilhadas no Continente; uma nova estação e utilização de uma estação partilhada nos Açores; uma nova estação e utilização de uma estação partilhada na Madeira.

8 - Que o novo anel CAM deverá ser dotado de equipamento para a prestação de serviços, designadamente de deteção sísmica, para produção de alertas, de medições ambientais, de deteção de atividade náutica submarina e de transmissão de dados de projetos científicos.

9 - Que o âmbito do projeto incluirá a promoção internacional de Portugal como plataforma atlântica de amarração de cabos e de dados, em especial na comunidade relacionada com as comunicações por cabo submarino, como a Oceanografia, a Geofísica, o Ambiente e a Defesa, bem como localização privilegiada de centros de armazenamento e computação de dados, designadamente em Sines.

10 - Que a construção do anel CAM deverá ser considerada como projeto prioritário, para efeitos de acesso a financiamento da União Europeia e que a IP, Telecom, S. A., enquanto promotora do projeto, apresente a candidatura a financiamentos europeus, sendo a parte não financiada pela União Europeia suportada integralmente pelo Estado Português, enquanto titular, indiretamente, através da IP, Infraestruturas de Portugal, S. A., de uma participação correspondente a 100 % do capital social da IP, Telecom, S. A., estimando o Grupo de Trabalho que o valor do investimento será de 118,9 milhões de Euros.

11 - Que as infraestruturas do futuro anel CAM integrarão o domínio público do Estado e ficarão afetas à subconcessão a atribuir à IP Telecom, S. A.

12 - Que o desenvolvimento do projeto deve ser coordenado com as Regiões Autónomas.

13 - Que a IP Telecom, S. A., oportunamente, enquanto futura subconcessionária pública da gestão e manutenção dos cabos submarinos do futuro Anel CAM, deverá avaliar a necessidade de substituir as ligações por cabo submarino entre a Madeira e o Porto Santo e entre as ilhas dos Açores, tendo em conta o seu período de vida e capacidade.

16 de setembro de 2020. - O Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Alberto Afonso Souto de Miranda. - O Secretário de Estado das Infraestruturas, Jorge Moreno Delgado.