Pedido de intervenção da Radiomóvel


/ / Atualizado em 06.12.2006

DELIBERAÇÃO

Por carta datada de 25 de Julho de 2006, a Radiomóvel, Telecomunicações, S.A. (Radiomóvel) vem solicitar a intervenção do ICP-ANACOM (ANACOM) para que de acordo com o disposto nos artigos 10º, 22º, 63º, 64º e 77º da Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro (LCE), emita uma decisão vinculativa “pela qual fique a Vodafone Portugal, Comunicações Pessoais, S.A. obrigada a dar à Radiomóvel acesso e interligação à rede da Vodafone, devendo essa decisão especificar as condições em que se deverá tal acesso e interligação concretizar”.

Com o pedido de intervenção a Radiomóvel junta documentos que demonstram que aquela empresa solicitou interligação da sua rede móvel à rede móvel da Vodafone e que esta empresa se recusou a disponibilizá-la nos termos que adiante se explicitam com maior detalhe.

I

1. Nos termos do artigo 10º da LCE compete à ANACOM, a pedido de qualquer das partes, resolver, através de decisão vinculativa, quaisquer litígios relacionados com as obrigações decorrentes da LCE, entre empresas a ela sujeitas, no território nacional, sem prejuízo da possibilidade de recurso aos Tribunais.

Estabelece ainda este dispositivo que a intervenção da ANACOM deve ser solicitada no prazo máximo de um ano a contar da data do início do litígio, devendo a decisão ser proferida num prazo máximo de quatro meses a contar da data da formulação do pedido, salvaguardadas circunstâncias excepcionais.

Assim, para que nos termos do que prevê o artigo 10º da LCE a ANACOM possa decidir sobre o pedido apresentado pela Radiomóvel, deve verificar-se cada um dos pressupostos de que a lei faz depender esta intervenção, ou seja, é necessário (1) a existência de um litígio, (2) relacionado com as obrigações decorrentes da LCE, (3) que o litígio seja entre empresas sujeitas ao regime da LCE, (4) no território nacional, (5) que uma das partes solicite a intervenção da ANACOM, (6) que essa intervenção seja solicitada no prazo máximo de um ano a contar da data de início do litígio e (7) quando não existam outros meios, incluindo a mediação, mais adequados para a resolução do litígio em tempo útil.

2. Numa apreciação preliminar verifica-se que estão preenchidos os cinco primeiros pressupostos acima mencionados. No entanto, os elementos e documentos apresentados pela Radiomóvel permitem concluir que se mostra ultrapassado o prazo máximo para que seja pedida a intervenção da ANACOM o que impede esta Autoridade de desenvolver os actos necessários à produção de uma decisão vinculativa que resolva o litígio, sob pena de afectação da validade de qualquer decisão que sobre o pedido apresentado viesse a ser proferida nos termos do art. 10º, 1 da LCE.

Assim, a apreciação do pedido formulado pela Radiomóvel passa, inevitavelmente, pela prévia verificação daquele pressuposto de intervenção.

3. Refere a Radiomóvel que dirigiu à Vodafone pedido de interligação móvel em 19 de Agosto de 2003. Com efeito, dos documentos juntos ao processo resulta que a Radiomóvel, invocando a titularidade da licença ICP012/TCM, “que a habilita para a prestação do Serviço Móvel de Recursos Partilhados (“SMRP”), vem, por este meio, e no quadro regulamentar definido pelo Decreto-Lei 415/98, de 31 de Dezembro, formalizar um pedido de interligação entre a sua rede e a rede móvel da Vodafone”. Resulta ainda que a Radiomóvel juntou “a título meramente informativo” cópia do ofício ANACOM-S02541/2003, de 10 de Fevereiro, “relativo à interligação no âmbito do Serviço Móvel de Recursos Partilhados''1. Perante ausência de resposta da Vodafone, a Radiomóvel insistiu e solicitou, em 18 de Setembro de 2003, uma reunião “para início de negociação do acordo de interligação”. De acordo com o que a Radiomóvel relata no seu pedido, “nessa reunião, a Vodafone manteve a sua posição de recusar a interligação à Radiomóvel”.

De acordo com os elementos juntos ao processo, em 14 de Junho de 2004, a Radiomóvel dirigiu à Vodafone nova carta na qual, invocando encontrar-se “habilitada para a prestação de serviços de telecomunicações móveis” afirma “reiterar o pedido de interligação entre a sua rede e a rede móvel da Vodafone”, “no quadro regulamentar definido pela Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro”.

A Vodafone respondeu em 20 de Julho do mesmo ano afirmando entender “que não é obrigada a disponibilizar interligação à Radiomóvel”. Para tanto, invoca que “da lei não resulta a possibilidade de os operadores de SMRP se interligarem, sem restrições, com outras redes e serviços de telecomunicações de uso público” e que a ANACOM tinha referido no âmbito da análise das respostas à consulta pública sobre a prestação do SMRP-CDMA, em particular no que concerne à delimitação do SMRP e ao seu modo de interligação, que “a Radiomóvel apenas se encontra habilitada a interligar-se com os operadores da rede fixa.”

Em 5 de Agosto de 2004, na sequência da revogação da deliberação da ANACOM de 23 de Outubro de 2003, com base na qual a Radiomóvel refere que era sustentada a recusa do pedido de interligação formulado, foi mais uma vez a Vodafone questionada sobre se mantinha a posição transmitida em 20 de Julho ou, ao invés, se podiam iniciar-se “os contactos técnicos necessários à formalização de um acordo de interligação”.

Por carta de 3 de Setembro de 2004, a Vodafone informou que a sua posição se mantinha inalterada, ou seja, “do normativo legal vigente não decorre para a Radiomóvel o direito de se interligar com a Vodafone, pelo que não se reconhece a Vodafone obrigada a dar resposta ao pedido de interligação efectuado.” Assim, esclareceu que não só não estavam reunidas as condições para negociar a interligação com a Radiomóvel, como essas negociações se mostravam precipitadas dado o processo em curso de revisão das obrigações legais dos operadores através de análise de mercados e ainda o procedimento de regularização das licenças emitidas ao abrigo do anterior regime legal.

Dezanove meses depois da resposta da Vodafone, mais precisamente a 10 de Abril de 2006, a Radiomóvel “formula novo pedido de interligação” àquela empresa. Refere a Radiomóvel nessa comunicação que havia já solicitado a interligação “por diversas vezes” e que “tais pedidos foram sistematicamente recusados”; refere ainda que a verificar-se “uma nova recusa” por parte da Vodafone terá a Radiomóvel de recorrer às autoridades reguladoras.

Face à ausência de resposta da Vodafone, a Radiomóvel insiste por carta de 20 de Abril.

Em 11 de Julho de 2006 a Vodafone responde à Radiomóvel afirmando que “…vem comunicar, por escrito e uma vez mais, a sua posição sobre o pedido de interligação…” explicando que “Volvidos sensivelmente três anos sobre o primeiro pedido de interligação móvel apresentado pela Radiomóvel à Vodafone (Agosto de 2003), consideramos não ter ocorrido qualquer alteração ao quadro legal aplicável em matéria de interligação que fundamente uma alteração da posição da Vodafone nesta matéria, nem a Radiomóvel, na reunião tida, apresentou qualquer argumentação adicional nesse sentido” e conclui, “Nesta medida, os argumentos plasmados pela Vodafone nas várias cartas endereçadas à Radiomóvel nestes últimos dois anos, sobre este assunto, mantêm-se válidos e inalterados”. Reafirma, em conclusão, que “da lei não resulta a possibilidade de os operadores de SMRP se interligarem, sem restrições, com outras redes e serviços de telecomunicações de uso público, pelo que não se reconhece a Vodafone obrigada a dar resposta positiva ao pedido de interligação efectuado”.

4. Pela exposição apresentada e do teor da correspondência trocada entre ambas as empresas a respeito da interligação, conclui-se que:

- Desde 2003 a Radiomóvel vem solicitando a interligação da sua rede móvel à rede móvel da Vodafone;
- Desde 2003 a Vodafone tem recusado tal pedido de interligação da Radiomóvel;
- Desde 2003 subsiste, por isso, entre as duas empresas, um diferendo em matéria de interligação e que tem obstaculizado a efectiva interligação da rede móvel da Radiomóvel à rede móvel da Vodafone;
- O litígio iniciado no âmbito da vigência do quadro regulamentar anterior (Decreto-Lei 415/98) tem permanecido na vigência do actual quadro regulamentar (Lei 5/2004), tendo a Radiomóvel reiterado, em 14 de Junho de 2004 e ao abrigo da LCE, pedidos de interligação efectuados ao abrigo da anterior lei.

Ora, não é pelo facto de o mesmo pedido de interligação ser sucessivamente renovado (ainda que com intervalos que chegaram a atingir 20 meses, como é o caso do pedido de 10 de Abril de 2006 relativamente ao que havia sido formulado em Agosto de 2004) que este se transforma num novo pedido no qual tem origem um novo diferendo. O diferendo que opõe a Radiomóvel à Vodafone foi iniciado em 2003 e desde essa data se mantém.

Verifica-se assim que a intervenção da ANACOM não foi solicitada dentro do prazo máximo fixado no 2 do artigo 10º da LCE. O decurso do prazo de um ano sobre a data do início do litígio constitui, como estabelece o artigo 11º da LCE, fundamento para que a ANACOM se recuse a intervir para apreciar e decidir sobre pedidos de resolução de litígios formulados. Assim, impõe-se a conclusão de que não cabe, no caso em apreço, qualquer intervenção da ANACOM no quadro do que estabelece aquele preceito da LCE, por faltar um dos pressupostos de que depende a sua intervenção.

Com efeito, qualquer que fosse a decisão que ao abrigo do 1 do artigo 10º da LCE viesse a ser proferida para, de forma vinculativa, solucionar o diferendo apresentado, seria facilmente questionada, correndo o risco de ser anulada no quadro do que prevê o 2 do artigo 13º da LCE.

II

Nos termos do que prevê o 1 do artigo 63º da Lei 5/2004, a ANACOM deve, em conformidade com os objectivos de regulação previstos no artigo 5º, incentivar e, quando oportuno, garantir o acesso e a interligação adequados, bem como a interoperabilidade de serviços com vista a promover a eficiência e a concorrência sustentável e a proporcionar o máximo benefício aos utilizadores finais.

Neste contexto, a alínea b) do 2 do artigo 63º confere à ANACOM competência para, quando justificado, intervir por iniciativa própria, incluindo em acordos já celebrados, a fim de garantir o acesso e interligação adequados em conformidade com os objectivos estabelecidos no artigo 5º.

Desta forma, não cabendo, no caso em análise, uma intervenção ao abrigo do artigo 10º da LCE, poderá justificar-se que a ANACOM, por iniciativa própria, intervenha para garantir o acesso e interligação nos termos do que prevê a alínea b) do 2 do acima indicado artigo 63º. Importa portanto obter os elementos necessários para avaliar da necessidade de uma tal intervenção.

III

Assim, no âmbito das atribuições previstas nas alíneas b) e q) do 1 do artigo 6º dos Estatutos anexos ao Decreto-Lei 309/2001, de 7 de Dezembro e no exercício das competências previstas no 1 do artigo 10º da Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro, tendo presente o que estabelece o 2 do mesmo artigo 10º, o CA, ao abrigo do disposto na alínea l) do artigo 26º dos Estatutos do ICP-ANACOM e da alínea b) do 1 do artigo 11º da Lei 5/2004 delibera:

1º. Não emitir a decisão vinculativa que, como solicitado pela Radiomóvel, solucione, ao abrigo do artigo 10º, 1 da Lei 5/2004, o litígio existente entre esta empresa e a Vodafone em matéria de interligação das respectivas redes móveis por se mostrar ultrapassado o prazo máximo previsto no 2 do mesmo artigo 10º.

2º. Submeter a audiência prévia da Radiomóvel e da Vodafone o disposto em 1º. da presente deliberação, fixando-se em 10 dias o prazo para que estas empresas, querendo, se pronunciem, por escrito, nos termos e para os efeitos do que dispõem os artigos 100º e 101º do Código do Procedimento Administrativo.

3º. Notificar a Vodafone para que no prazo de 10 dias se pronuncie sobre o pedido de interligação apresentado pela Radiomóvel de modo a que a ANACOM possa ponderar da necessidade e oportunidade de intervir, por iniciativa própria, para incentivar e garantir a interligação adequada, bem como a interoperabilidade de serviços, com vista a ponderar a eficiência e a concorrência sustentável e a proporcionar o máximo benefício aos utilizadores finais.

4º. Notificar a Radiomóvel para que no prazo de 10 dias se pronuncie, atento o disposto no número anterior, acrescentando, querendo, eventuais elementos adicionais relativamente aos apresentados à ANACOM em 25.07.2006.

Notas
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1 Ofício dirigido pela ANACOM à PTC em resposta às dúvidas então suscitadas sobre o fundamento do pedido de interligação que àquela empresa foi apresentado pela RADIOMÓVEL.