Relatório da Comissão COM(2008) 593 final, de 30.9.2008



COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

Relatório da Comissão


Bruxelas, 30.9.2008
COM(2008) 593 final  

RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO, AU PARLEMENT EUROPÉEN, RELATÓRIO DA COMISSÃO AO CONSELHO, AO PARLAMENTO EUROPEU, AO COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU E AO COMITÉ DAS REGIÕES
 

Segundo relatório sobre a aplicação da Directiva 98/84/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Novembro de 1998, relativa à protecção jurídica dos serviços que se baseiem ou consistam num acesso

condicional

{SEC(2008)2506}
 


ÍNDICE

1. Introduçãohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55129

2. Aplicação da directivahttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55130

2.1. Transposiçãohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55131

2.1.1. Conteúdohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55132

2.1.2. Transposição pelos Estados-Membroshttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55133

2.2. Âmbito de aplicação da directiva: o “mercado cinzento”https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55134

2.3. Diferenças registadas ao nível das aplicações nacionaishttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55135

2.3.1. Nível de sanções no plano nacionalhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55137

2.3.2. Questão da sanção da detenção privadahttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55138

2.3.3. Eficácia da acção das autoridades nacionaishttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55139

2.4. Dimensão internacionalhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55140

3. Adequação da directiva face à convergênciahttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55141

3.1. Novos modos de distribuiçãohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55142

3.2. Novas formas de piratariahttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55143

3.3. Contribuição para a protecção dos direitos de autorhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55144

3.3.1. Alargamento da protecção aos detentores dos direitoshttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55145

3.3.2. Sistemas de gestão digital de direitoshttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55146

3.4. Protecção da remuneração, critério único de protecçãohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55147

4. Conclusão e acções futurashttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55148

4.1. Avaliação da Directiva 98/84/CEhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55149

4.2. Acções futuras para melhorar a aplicação da directiva e fazer face à convergênciahttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55150

4.2.1. Criação de um grupo de peritoshttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55151

4.2.2. Grupo de trabalho sobre o mercado cinzentohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55152

4.2.3. Recolha de informaçõeshttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55153

4.2.4. Ratificação da Convenção Europeia sobre a Protecção Jurídica dos Serviços que se Baseiem ou Consistam num Acesso Condicionalhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=55154


1. INTRODUÇÃO

O Parlamento Europeu e o Conselho adoptaram, em 1998, a Directiva 98/84/CE relativa à protecção jurídica dos serviços que se baseiem ou consistam num acesso condicional 1, com vista a permitir o desenvolvimento dos serviços de televisão de acesso pago no mercado interno. A Comissão apresentou o primeiro relatório de aplicação da directiva em 2003 2.

O segundo relatório é apresentado dez anos volvidos sobre a adopção da directiva. A revolução ocorrida neste mercado consta do estudo sobre o impacto da directiva realizado em 2007 pela KEA e pela Cerna, por conta da Comissão 3.

Nesta fase, deve ser levantada a questão da utilidade e da adequação sustentável da directiva conforme se apresenta actualmente. A conjuntura actual caracteriza-se pelas potencialidades dos mercados de novas plataformas de distribuição de conteúdos: televisão na Internet, televisão IP, televisão móvel, vídeo a pedido. Será que esses mercados necessitam da mesma protecção que a televisão de acesso pago? A protecção que lhes é oferecida pela directiva ser-lhes-á útil ou mesmo necessária? Naturalmente, estas questões só se colocam se a questão liminar da eficácia da directiva obtiver uma resposta afirmativa.

Quanto à pirataria, que a directiva visa combater, a conclusão a que se chega é que esta se adapta muito bem ao progresso tecnológico e que, mesmo no caso das novas possibilidades oferecidas, está a aumentar.

Para, complementarmente ao estudo supramencionado, obter as informações necessárias à análise da aplicação da directiva até à presente data, a Comissão lançou uma consulta pública, de 11 de Fevereiro a 4 de Abril de 2008, tendo recebido 54 contributos 4. O presente relatório é acompanhado de um documento de trabalho dos serviços da Comissão que dá conta das orientações destes contributos. Os serviços da Comissão também debateram estas questões directamente com os operadores do sector em várias reuniões.

2. APLICAÇÃO DA DIRECTIVA
 

2.1. Transposição

2.1.1. Conteúdo

Para permitir o desenvolvimento dos serviços de acesso condicionado no mercado interno, a directiva define os serviços protegidos e estabelece uma lista das actividades comerciais ilícitas que devem ser objecto de sanções pelos Estados-Membros, os responsáveis pelo estabelecimento das sanções aplicáveis aos infractores e das vias de recurso à disposição das pessoas lesadas.

2.1.2. Transposição pelos Estados-Membros

Nesta data, já todos os Estados-Membros transpuseram a directiva 5. Com efeito, os novos Estados-Membros deviam transpor a directiva antes da adesão, como parte do acervo comunitário.

2.2. Âmbito de aplicação da directiva: o “mercado cinzento”

Apesar da directiva e da harmonização comunitária que lhe está associada, os cidadãos europeus que exercem o seu direito à livre circulação na União Europeia não têm um acesso legal aos canais de televisão do seu país de origem. Na verdade, assistiu-se ao desenvolvimento de um “mercado cinzento”, constituído por assinaturas lícitas obtidas por intermédio de endereços de conveniência. Não se trata de um mercado “negro”, já que as assinaturas são pagas, nem de um mercado “branco”, uma vez que certos direitos de transmissão obtidos pelos canais televisivos apenas são válidos para o território nacional e não para o território dos outros Estados-Membros.

Algumas ofertas televisivas de acesso pago estão, contudo, disponíveis a nível transfronteiras, o que atenua um veredicto demasiado negativo quanto aos efeitos da directiva no mercado interno. Estes exemplos cabem na moldura clássica da gestão dos direitos de transmissão e dos direitos exclusivos: as televisões compram os direitos para todos os territórios nacionais em causa, caracterizados pela sua unidade linguística, e só raramente orientam as suas escolhas para uma diáspora linguística presente em vários ou todos os Estados-Membros.

Além desta estrutura tradicional, a eventualidade de uma legalização do mercado cinzento perturba a maioria dos operadores de mercado, dado pôr necessariamente em causa a organização da venda de direitos – direitos de autor ou direitos ligados à transmissão de acontecimentos desportivos – no território nacional. Os detentores de direitos pretendem naturalmente maximizar o seu rendimento através de uma comercialização território a território e os prestadores de serviços audiovisuais receiam a perda de interesse de uma oferta que deixaria de ser exclusiva em caso de penetração de concorrentes com uma oferta comparável no seu território.

Neste ponto, é importante sublinhar que o único mercado transfronteiras que a Comissão gostaria de ver emergir consiste numa oferta correspondente à mobilidade e às legítimas expectativas dos cidadãos europeus, ou seja, legalmente disponível na sua língua materna e com origem no seu país natal.

O desenvolvimento desse tipo de oferta exigiria uma abordagem flexível da aquisição de direitos, por exemplo, em função do número de consumidores identificados no Estado em causa, uma mudança que só será possível com a colaboração activa de todos os operadores do sector e que, actualmente, dada a falta de motivação verificada, parece difícil de realizar. Além disso, será necessário analisar os vários regimes regulamentares nacionais em matéria de sistemas de distribuição de obras cinematográficas, já que as diferenças existentes podem contribuir para bloquear uma transmissão multiterritorial das mesmas.

O problema poderá ser resolvido com a entrada dos novos tipos de serviços no mercado, nomeadamente a televisão na Internet ou a televisão móvel, a que estão associados custos de distribuição e de sistemas de acesso condicional relativamente mais baixos do que os ligados à utilização de descodificadores. Para tal, é necessário que estes novos serviços não sejam sujeitos a restrições territoriais a pedido dos detentores de direitos: a impossibilidade de visionar programas de canais televisivos na Internet, a partir de computadores localizados num Estado-Membro diferente do desses canais, já foi mencionada em várias queixas recebidas pela Comissão.

Sublinhe-se que mais de 8,7 milhões de cidadãos europeus 6 vivem actualmente num Estado-Membro diferente do seu país de origem e que este número está em constante crescimento. A livre circulação de pessoas e serviços faz parte dos princípios de base da construção europeia: garantir o acesso de todos os cidadãos europeus a uma oferta audiovisual nas suas línguas e cultura de origem permitiria facilitar esse movimento 7.

Para continuar a reflexão sobre este tema, é importante recolher um máximo de informações em diversas áreas, nomeadamente as potencialidades dos novos tipos de serviços no que diz respeito às ofertas audiovisuais transfronteiras orientadas e ao mercado potencial gerado pela mobilidade dos cidadãos europeus.

2.3. Diferenças registadas ao nível das aplicações nacionais

A directiva obriga os Estados-Membros a adoptar sanções “ efectivas, proporcionais e dissuasivas ” e a colocar meios de acção adequados à disposição dos prestadores de serviços protegidos.

Embora o estudo realizado pela KEA e pela Cerna só tenha analisado em pormenor as legislações de 11 Estados-Membros e as respostas à consulta pública não apresentem elementos sobre os 27 Estados-Membros, estas duas fontes de informação permitem obter uma ideia das tendências em termos de transposição nacional. Embora, em determinados contributos, se manifeste satisfação em relação à aplicação a nível nacional, noutras, em maior número, sublinham-se os limites da legislação nacional.

2.3.1. Nível de sanções no plano nacional

Desde que sejam satisfeitos os três critérios referidos acima, os Estados-Membros gozam de total liberdade de escolha sobre o tipo e o nível de sanções a aplicar. As grelhas de sanções são muito largas e variam, para as multas, entre mínimos de 25 a 7500 euros e máximos de 1158 a 50000 euros e, para as penas de prisão (caso existam), entre 8 dias e cinco anos.

Estas grandes disparidades explicam as diferentes apreciações dos operadores dos vários Estados-Membros sobre a eficácia das sanções. Dado ser necessário ter em conta os diferentes níveis de vida registados na União Europeia, a harmonização comunitária das sanções não parece desejável. Em contrapartida, poderá ser equacionada a possibilidade de voltar a examinar o efeito dissuasivo das sanções em cada um dos Estados-Membros.

2.3.2. Questão da sanção da detenção privada

Atendendo a que só a comercialização de dispositivos ilícitos é objecto de harmonização comunitária, os Estados-Membros continuam livres de aplicar sanções em caso de detenção privada desses dispositivos. Trata-se de um aspecto muito sensível da repressão da pirataria, que continua a ser objecto de intensos debates desde o período que antecedeu a adopção da directiva.

A aplicação de sanções em caso de detenção privada obtém a concordância dos operadores, que vêem nela um instrumento pedagógico para os consumidores tentados pelos serviços ilícitos. Além disso, poderá contribuir para aplicar sanções a novos tipos de pirataria, baseados no somatório de vários actos, alguns deles privados, tais como a divulgação de códigos de cifragem na Internet, entretanto utilizados pelo próprio consumidor para programar um cartão inteligente adquirido sem programação e cuja venda (acto comercial) é, a priori, legal.

A aplicação de sanções em caso de detenção privada parece estar a ganhar novos adeptos nos Estados-Membros. Tanto assim que, em 2003, as sanções foram reintroduzidas em Itália e que, actualmente, a Suécia estuda a possibilidade de o fazer no caso da aquisição e utilização de dispositivos ilícitos.

Logo, seria interessante efectuar uma reflexão sobre o tema, que poderá ser objecto de uma troca de experiências entre Estados-Membros.

2.3.3. Eficácia da acção das autoridades nacionais

Quer o estudo, quer as respostas ao inquérito apontam para um problema global de falta de conhecimento técnico por parte das autoridades responsáveis pela aplicação da legislação.

Além disso, é mencionada a dificuldade especial criada pelo elevado nível de tecnicismo dos novos modos de pirataria, que obrigam a um domínio perfeito das novas tecnologias.

A este respeito, a criação de um grupo de peritos, de modo a reunir as autoridades responsáveis nos Estados-Membros, constitui um meio particularmente adequado para a divulgação de informações técnicas sobre pirataria e boas práticas.

2.4. Dimensão internacional

Os alargamentos da União Europeia alteraram a geografia da pirataria que antes operava nalguns países da Europa de Leste. Esses países passaram, entretanto, a ser membros da União Europeia e a transposição da directiva organiza a repressão da pirataria.

Além disso, os países candidatos à adesão: Antiga República Jugoslava da Macedónia (em fase de negociação), Croácia e Turquia (potenciais candidatos), e Albânia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Sérvia e Kosovo, alinham todos a sua legislação pelo acervo comunitário. Finalmente, estão em curso negociações tendo em vista celebrar um acordo de comércio livre com a Ucrânia, que também deverá alinhar a sua legislação nos domínios em causa.

Para além do alargamento da União Europeia, a Decisão n.º 17/2001 do Comité Misto do Espaço Económico Europeu, de 28 de Fevereiro de 2001, integrou a Directiva 98/84/CE no acordo EEE, tornando-a, desde essa data, aplicável à Islândia, ao Liechtenstein e à Noruega.

A partir daqui, a acção da Comissão tem os seus limites. Não obstante, a Convenção Europeia sobre a Protecção Jurídica dos Serviços que se Baseiem ou Consistam num Acesso Condicional 8, adoptada pelo Conselho da Europa em 24 de Janeiro de 2001, oferece uma protecção similar à da directiva, estando reunidas as condições para a sua ratificação pelos 47 Estados membros desta instituição, além da Bielorrússia e do Vaticano.

Até à data, a convenção foi assinada por 11 Estados 9 e ratificada por 8. A ratificação da Convenção está aberta à Comunidade Europeia. Esta acção poderá contribuir para dar um novo impulso à sua ratificação por outros Estados e alargar a protecção dos prestadores de serviços em causa para além do território da União Europeia.

3. ADEQUAÇÃO DA DIRECTIVA FACE À CONVERGÊNCIA
 

3.1. Novos modos de distribuição

A nova paisagem tecnológica pode resumir-se num termo: “convergência”, qualificação dada à capacidade de aceder aos conteúdos através de um vasto conjunto de plataformas. Desde a fase de concepção da directiva que o objectivo do legislador comunitário era elaborar disposições tecnologicamente neutras, de modo a evitar que ficassem obsoletas na sequência de inovações já perceptíveis na altura. Este objectivo inicial explica o facto de a definição de “serviços protegidos” incluir os serviços de difusão televisiva e radiofónica e os serviços da sociedade da informação. Além disso, a definição adoptada não tem em conta o modo de difusão dos serviços em causa.

Por conseguinte, todos os serviços de radiodifusão sonora ou televisiva, independentemente do meio de difusão – ADSL, Internet, rede móvel – estão incluídos na definição de “serviços protegidos”, bem como todos os serviços de acesso à distância a pedido do consumidor e que, por conseguinte, caibam na definição de serviços da sociedade da informação 10, designadamente o vídeo a pedido. A única limitação para tal protecção decorre da necessidade de utilizar um sistema de acesso condicional para garantir o pagamento do serviço.

3.2. Novas formas de pirataria

A crescente utilização dos cartões inteligentes para descodificar sinais conduziu à diversificação das actividades de pirataria. Tanto os descodificadores como os cartões inteligentes virgens são comercializados abertamente, dado poderem conduzir a uma utilização legal. Não obstante, os códigos de programação dos cartões são divulgados na Internet, nomeadamente por especialistas em pirataria que daí retiram vantagens económicas, cabendo a programação do descodificador e do cartão inteligente virgem ao seu comprador para aceder aos serviços de forma ilícita.

Esta divisão das actividades conduziu a uma nova forma de acesso ilegal aos serviços em causa, sendo difícil de condenar em tribunal. Tal deve-se ao facto de essas actividades comerciais envolverem produtos que podem ser utilizados de forma lícita e de a divulgação dos códigos na Internet ser difícil de associar a essas mesmas actividades. Finalmente, a programação do cartão inteligente virgem é efectuada directamente pelo consumidor e não pelo vendedor.

Neste contexto, as disposições da directiva não parecem poder ser directamente aplicáveis, uma vez que continua a ser difícil apresentar provas de que se trata de uma actividade comercial ilícita. Na verdade, os operadores podem argumentar que os cartões inteligentes utilizados nesse tráfico não são adaptados a uma utilização legal, dado a complexidade dos seus componentes e, por conseguinte, o seu preço os tornar não concorrenciais para as utilizações mais correntes (nomeadamente como cartões de segurança).

No entanto, os tribunais devem então realizar uma avaliação técnica que ultrapassa com frequência os conhecimentos dos funcionários competentes.

Os operadores sublinham a necessidade de aplicar sanções em caso de divulgação de códigos na Internet por terceiros, sem remuneração. As disposições da directiva não parecem aplicáveis devido ao carácter não comercial da actividade: a prova de que existe um vínculo entre a venda de um cartão virgem e a divulgação dos códigos na Internet é quase impossível de apresentar. Também a aplicação de sanções em caso de detenção privada de dispositivos ilícitos permitiria condenar o consumidor que utilizasse tais métodos, mas não ofereceria uma solução directa para a presença dos códigos na Internet.

Neste particular, apenas acções de concorrência desleal parecem poder resolver o problema que, contudo, pode esbarrar na extra-territorialidade da infracção. Assim, será útil realizar uma reflexão sobre a possibilidade legal de impedir tais práticas.

Foram também detectadas outras formas de pirataria, nomeadamente a partilha de cartões: um cartão obtido legalmente permite redistribuir o serviço por outros consumidores, utilizando uma rede sem fios ou a tecnologia de acesso wimax. Geralmente, trata-se de uma redistribuição paga, abrangida pelas disposições da directiva. O problema colocado por este tipo de pirataria reside na dificuldade de detectar a infracção, uma vez que os efectivos policiais não dispõem de formação para o efeito.

Logo, parece desejável incentivar um melhor intercâmbio de informações entre administrações nacionais.

3.3. Contribuição para a protecção dos direitos de autor

A Directiva 98/84/CE não abrange os detentores de direitos relacionados com conteúdos. A questão do alargamento da protecção foi longamente debatida aquando da adopção da directiva, acabando por ser rejeitada na perspectiva de que seria adoptado um texto específico sobre a protecção dos direitos de autor na sociedade da informação. Três anos mais tarde, a Directiva 2001/29/CE, de 22 de Maio de 2001 11, relativa ao direito de autor na sociedade da informação, veio completar a protecção oferecida pela Directiva 98/84/CE.

A Directiva 98/84/CE não deixa, contudo, de contribuir, indirecta mas significativamente, para a defesa dos direitos de autor ao proteger o conteúdo coberto pelo direito de autor contra a pirataria e, por conseguinte, o rendimento dos beneficiários.

3.3.1. Alargamento da protecção aos detentores dos direitos

Os detentores dos direitos, beneficiários e detentores de direitos sobre acontecimentos desportivos manifestaram interesse em ser abrangidos pela directiva.

Contudo, parece haver um equívoco no que se refere ao conteúdo da protecção oferecida pela directiva. As sanções previstas na directiva apenas podem abranger acções relacionadas com a utilização de dispositivos ilícitos. Logo, a sua aplicação não poderá abranger outras actuações, tais como a utilização de dispositivos lícitos que não respeitem eventuais restrições territoriais, nomeadamente o mercado cinzento mencionado acima.

Este esclarecimento é importante, uma vez que os contributos enviados pelos detentores de direitos (direitos de autor ou direitos conexos das empresas de radiodifusão sobre as transmissões de acontecimentos desportivos) incidem no respeito da cobertura territorial dos direitos e no risco de depreciação do valor desses direitos em caso de não-observância das restrições territoriais.

Neste contexto, o alargamento do âmbito de aplicação da directiva a outros operadores não teria qualquer utilidade. Com efeito, na acepção da directiva, a pirataria assenta na utilização de dispositivos ilícitos, ou seja, na utilização de equipamentos não aprovados pelo distribuidor de conteúdos. Refira-se, a título de exemplo, que os descodificadores utilizados no mercado cinzento são aprovados pelas empresas de teledistribuição, as quais auferem regularmente a sua remuneração.

Uma das soluções para o problema dos detentores de direitos passa por uma melhor integração e consideração dos rendimentos potenciais do mercado cinzento. Esta pista necessita, contudo, uma reflexão mais profunda, além de informações adicionais sobre as potencialidades dos mercados transfronteiras.

Ora, os detentores de direitos sobre os acontecimentos desportivos parecem poder reclamar uma melhor protecção, na ausência de disposições que lhes sejam directamente aplicáveis, tendo simultaneamente em conta as legítimas expectativas dos consumidores de disporem de um acesso legal aos serviços no plano transfronteiras e a necessidade de garantir um acesso generalizado do público aos acontecimentos com grande importância para a sociedade. A Comissão propõe que se avalie a necessidade de adoptar medidas complementares para preencher este vazio. A realização do estudo sobre o financiamento do desporto, anunciada pela Comissão no seu Livro Branco sobre o desporto 12, deverá permitir recolher os primeiros elementos de análise necessários.

3.3.2. Sistemas de gestão digital de direitos

Na sua fase inicial, a distribuição de conteúdos na Internet fez-se acompanhar da utilização de um novo tipo de protecção de conteúdos: os sistemas de gestão de direitos digitais, vulgarmente designados por DRM ( Digital Rights Management systems ).

Estas medidas de protecção técnica visam, nomeadamente, garantir o respeito do direito de autor no âmbito da distribuição de conteúdos na Internet. Este objectivo comum abarca medidas de configuração e de utilização muito variadas, que aplicam diferentes tipos de restrições: quantitativas no caso da leitura de uma obra, geográficas no caso do acesso, do material ou dos programas informáticos de leitura necessários, das transferências da obra entre aparelhos e da extracção digital (lista não exaustiva).

Logo, algumas destas medidas podem corresponder à definição de sistemas de acesso condicional, " qualquer medida e/ou mecanismo técnicos mediante os quais o acesso a um serviço protegido sob forma inteligível é condicionado a uma autorização individual prévia " (artigo 2.º, alínea b), da directiva). Assim, as medidas utilizadas para garantir a remuneração da obra, principalmente as que permitem tarifários diferentes conforme a utilização pretendida pelo consumidor (visionamento único ou múltiplo, variação da qualidade da gravação), beneficiam indubitavelmente da protecção oferecida pela Directiva 98/84/CE.

Como é óbvio, a Directiva 2001/29/CE, relativa ao direito de autor na sociedade da informação, mencionada acima, prevê expressamente, no seu artigo 6.º, a protecção jurídica das medidas de carácter tecnológico. Ora, esta protecção é concedida a título do respeito do direito de autor, pelo que a transposição pelos Estados-Membros pode restringir as acções judiciais aos titulares de direito, mas não aos distribuidores de conteúdos. Neste sentido, a Directiva 98/84/CE continua a ser útil para os distribuidores digitais que, por esta via, dispõem de um meio de acção contra a pirataria das medidas de protecção que utilizam para a distribuição do conteúdo em linha.

3.4. Protecção da remuneração, critério único de protecção

A directiva restringe aos serviços remunerados a protecção dos serviços de acesso condicional contra a pirataria: o pagamento do serviço (assinatura ou preço de aquisição individual) deve ser condição do acesso aos conteúdos.

Contudo, os sistemas de acesso condicional podem ser utilizados para outros fins que não a protecção da remuneração do prestador dos serviços, nomeadamente para cumprir obrigações contratuais ou legais, designadamente para reduzir a audiência potencial – tanto a nível territorial (em ligação com a cessão de direitos), como de acordo com a idade (para proteger os menores de conteúdos para adultos) – aplicar estratégias comerciais e publicitárias ou por questões de segurança ou ligadas à cobrança de remunerações indirectas 13. Por conseguinte, vários operadores manifestaram interesse no alargamento do âmbito da protecção.

No entanto, convém esclarecer que o conceito de remuneração é mais lato que o de pagamento directo. Com efeito, os serviços da sociedade da informação podem utilizar medidas técnicas destinadas a limitar a difusão de conteúdos de acesso gratuito, mas financiados indirectamente pela publicidade ou por patrocínios. Estes serviços também são abrangidos pela directiva.

Em conclusão, existe indubitavelmente uma procura no que se refere ao alargamento do âmbito da protecção. Contudo, subsistem questões sobre a utilidade deste alargamento, que deverá passar pela revisão da directiva. Com efeito, o seu actual âmbito de aplicação limita-se às actividades de pirataria para fins comerciais. A questão que se coloca é se existe pirataria comercial no caso dos acessos condicionais utilizados para cumprir estes outros objectivos. Acresce que a utilização de sistemas de acesso condicional motivada por disposições legislativas deveria ser protegida pela regulamentação cujo cumprimento se procura alcançar: alude-se aqui às disposições relativas à protecção de menores, à cibercriminalidade e à protecção dos dados pessoais e da vida privada. Estas questões devem ser aprofundadas: a primeira etapa poderá consistir num debate a realizar por um grupo de peritos a criar.

4. CONCLUSÃO E ACÇÕES FUTURAS
 

4.1. Avaliação da Directiva 98/84/CE

O presente relatório examina os aspectos da aplicação da directiva que colocam problemas ou interrogações. Esta análise constituía um preliminar indispensável à avaliação do impacto da directiva nos seus vários domínios de intervenção, de modo a permitir à Comissão tirar conclusões sobre a sua acção, desde a adopção da directiva até ao momento presente.

A primeira constatação prende-se com a transposição global da directiva pelos Estados-Membros, a qual não só permitiu reduzir a pirataria na União Europeia como alterar o seu âmbito geográfico, graças à adesão à UE de alguns dos países antes afectados, empurrando os centros da pirataria para fora da sua área de influência.

A segunda constatação é que a eficácia da aplicação parece por vezes discutível, o que reduz a segurança jurídica dos prestadores de serviços audiovisuais. Nomeadamente, a aplicação a nível nacional sofre, conforme os casos, quer de um nível reduzido de sanções, quer de um défice de competências das autoridades nacionais no domínio tecnológico. Quanto a este último ponto, é conveniente recordar que os permanentes progressos tecnológicos contribuem para tornar o problema mais complexo, quer se trate do aparecimento de novos tipos de pirataria, de novas plataformas de distribuição ou de novos sistemas de acesso condicional como, por exemplo, certos sistemas de gestão de direitos digitais.

Em terceiro lugar, no que diz respeito à livre circulação e apesar da criação de um quadro comunitário que se pretendia propício ao desenvolvimento do mercado interno dos serviços em causa, a oferta transfronteiras cresceu muito pouco de uma forma completamente legal. A título de exemplo, o “mercado cinzento” representa o mecanismo transfronteiras aparentemente mais desenvolvido, mas apenas é tolerado pelos operadores, enquanto a disponibilidade de serviços audiovisuais do Estado de origem é um factor importante de bem-estar para os cidadãos europeus que exercem o seu direito à livre circulação na União Europeia.

Finalmente, a Comissão constata que certas restrições à aplicação da protecção oferecida pela directiva exigem análises mais aprofundadas. Tal poderá incidir, por um lado, na possibilidade de aplicar sanções à detenção privada de sistemas ilícitos, aventada pelos operadores mas difícil de pôr em prática, e, por outro, na situação dos operadores que não beneficiam de protecção adequada, nomeadamente os detentores de direitos sobre acontecimentos desportivos.

4.2. Acções futuras para melhorar a aplicação da directiva e fazer face à convergência

4.2.1. Criação de um grupo de peritos

A Comissão propõe a criação de um grupo de peritos em acesso condicional designados pelos Estados-Membros. Este grupo funcionará segundo o modelo e com um mandato similar ao do grupo de peritos em comércio electrónico.

Deverá, nomeadamente, actuar de forma a reforçar e facilitar a cooperação administrativa entre os Estados-Membros e entre os Estados-Membros e a Comissão, debater as questões relacionadas com a aplicação da Directiva 98/84/CE relativa ao acesso condicional, e os problemas actualmente colocados pela utilização de sistemas de acesso condicional.

Os temas prioritários são os focados no presente relatório e, principalmente, as novas formas de pirataria, a avaliação do carácter dissuasivo das sanções existentes, o lugar da sanção da detenção privada na protecção dos sistemas de acesso condicional, as relações com as disposições relativas à protecção do direito de autor, a inclusão da gestão dos direitos digitais (DRM) enquanto sistema de acesso condicional, e a protecção da utilização de sistemas de acesso condicional para fins diferentes da protecção da remuneração.

Assim, o grupo deverá ter em conta as vantagens potenciais da utilização de sistemas inovadores de acesso condicional e da DRM, avaliando, em especial, o seu potencial para reduzir a necessidade de sanções mais dissuasivas. Neste contexto, o grupo debruçar-se-á também sobre todas as questões que possam contribuir para a protecção dos dados pessoais e da vida privada.

Ao adoptar o presente relatório, a Comissão decide criar este grupo até finais de 2008.

4.2.2. Grupo de trabalho sobre o mercado cinzento

A Comissão proporá também ao grupo de peritos que mandate um grupo de trabalho específico sobre o tema do mercado cinzento.

Este grupo de trabalho deverá, numa fase inicial, dedicar-se à recolha de um máximo de informações sobre os movimentos intracomunitários de cidadãos europeus e os seus hábitos de consumo de serviços audiovisuais. Numa segunda fase, poderá reflectir sobre eventuais pistas de soluções para o acesso dos cidadãos interessados aos serviços provenientes do seu Estado-Membro de origem.

4.2.3. Recolha de informações

O relatório aponta para alguma falta de informação, nomeadamente no que diz respeito ao exercício do direito à livre circulação pelos cidadãos europeus e à procura e oferta de serviços audiovisuais além fronteiras. Estas informações deverão permitir estabelecer as potencialidades dos mercados transfronteiras e contribuir para a reflexão no domínio dos direitos de autor e dos direitos sobre os acontecimentos desportivos.

A Comissão propõe que seja lançado um inquérito sobre esta questão no início de 2009.

Noutro domínio, serão recolhidas informações sobre a comercialização de direitos sobre acontecimentos desportivos no âmbito do estudo sobre o financiamento do desporto anunciado pela Comissão no seu Livro Branco 14. Estas informações deverão constituir a primeira etapa da recolha dos dados relativos à situação dos detentores de direitos sobre acontecimentos desportivos face à pirataria da retransmissão de acontecimentos.

4.2.4. Ratificação da Convenção Europeia sobre a Protecção Jurídica dos Serviços que se Baseiem ou Consistam num Acesso Condicional

Esta Convenção europeia oferece um importante potencial de alargamento internacional da protecção dos serviços de acesso condicional para além do território da União Europeia. A ratificação da Convenção pela Comunidade Europeia permitirá relançar uma acção internacional no âmbito dos 47 membros do Conselho da Europa.

A Comissão vai, por conseguinte, em breve, propor ao Conselho que ratifique a Convenção em nome da Comunidade Europeia.[pic][pic][pic][pic][pic][pic][pic][pic][pic][pic][pic][pic]

Notas
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1 JO L 320 de 28.11.1998, p. 54-57; ver : http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31998L0084:PT:NOT
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31998L0084:PT:NOT
2 COM(2003) 198 final de 24.04.2003; ver:http://ec.europa.eu/internal_market/media/docs/elecpay/com-2003-198_pt.pdf
http://ec.europa.eu/internal_market/media/docs/elecpay/com-2003-198_fr.pdf
3 http://ec.europa.eu/internal_market/media/elecpay/index_fr.htmhttp://ec.europa.eu/internal_market/media/elecpay/index_fr.htm
4 http://ec.europa.eu/internal_market/media/elecpay/index_fr.htm
http://ec.europa.eu/internal_market/media/elecpay/index_fr.htm
5 http://ec.europa.eu/internal_market/media/elecpay/natimpl/index-map_fr.htm
http://ec.europa.eu/internal_market/media/elecpay/natimpl/index-map_fr.htm
6 Eurostat – quadro p. 18-19:http://www.interculturaldialogue2008.eu/fileadmin/downloads/documents/630-factsfigures/KS-EP-07-001-EN.PDFhttp://www.interculturaldialogue2008.eu/fileadmin/downloads/documents/630-factsfigures/KS-EP-07-001-EN.PDF
7 Ver também a comunicação sobre as antenas parabólicas:http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:52001DC0351:PT:NOT
http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:52001DC0351:FR:NOT
8 http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/QueVoulezVous.asp?NT=178&CM=1&DF=4/29/2008&CL=FRE
http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/QueVoulezVous.asp?NT=178&CM=1&DF=4/29/2008&CL=FRE
9 Bulgária, Chipre, Croácia, França, Luxemburgo, Moldávia, Noruega, Países Baixos, Roménia, Rússia, Suíça (Luxemburgo, Noruega e Rússia: assinatura não acompanhada de ratificação).
10 Definição de “serviço da sociedade da informação” constante do artigo 1.º da Directiva 98/34/CE, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva 98/48/CE: " qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via electrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços ".
11 JO L 167 de 22.6.2001, p. 10.
12 http://ec.europa.eu/sport/white-paper/doc/wp_on_sport_pt.pdf
http://ec.europa.eu/sport/white-paper/doc/wp_on_sport_pt.pdf
13 Ver estudo de Abril de 2000, realizado pelo Intitute for Information Law (IVR) da Universidade de Amesterdão, para a Comissão: http://ec.europa.eu/internal_market/media/elecpay/background_fr.htm
14 http://ec.europa.eu/sport/white-paper/doc/wp_on_sport_pt.pdfhttp://ec.europa.eu/sport/white-paper/doc/wp_on_sport_pt.pdf