Considerações finais


No final do Relatório de Regulação relativo a 2008 referia-se, explicitamente, que seriam fundamentalmente os desenvolvimentos centrados nas NGA, o aprofundamento da convergência e a “fusão” crescente das diversas abordagens regulatórias que configurariam os desafios regulatórios do futuro.

O relatório, que ora se apresenta, não põe em causa, antes robustece, esta previsão, designadamente no campo das NGN/A, mas há que reconhecer que não houve em 2009 rupturas significativas com a lógica regulatória do passado, sem embargo de novidades relevantes, sobretudo na área da gestão do espectro radioeléctrico, quer no que toca aos novos ensaios de afectação do mesmo, quer, em particular, no aprofundamento do seu papel numa gestão convergente das comunicações electrónicas.

Para este relativo compasso de espera muito contribuiu, como já claramente enfatizado em relatórios anteriores, o arrastamento da chamada “revisão 2006”, que, finalmente, teve a sua conclusão no final de 2009.

De imediato, parece concluir-se que o maior desafio para 2010 será a adequada e pronta transposição do “novo” Quadro Regulamentar das Comunicações Electrónicas para a legislação portuguesa, em que a principal preocupação, à luz do princípio da subsidiariedade que nunca pode ser posto em causa, será a de equilibrar os princípios europeus, incontestavelmente comuns, com as características específicas do sector português, respeitando aqueles sem descaracterização deste.

Esse desideratum não se confina, contudo, à área legislativa, pois o modo como se aprofunda, no dia-a-dia, a constituição do eventual mercado interno das comunicações electrónicas, desígnio último da política europeia para o sector, terá uma influência decisiva na conquista desse tão desejado e necessário equilíbrio.

A criação do ORECE e do respectivo Gabinete, com todas as vicissitudes e controvérsias geradas sobre o seu papel e a sua governação, é, quer se queira quer não, um passo no sentido da criação desse mercado único, dependendo do seu real funcionamento e governação a concretização ou a ruptura desse equilíbrio.

Torna se, por isso, imperiosa e decisiva uma participação competente e contínua de todos os reguladores europeus e, em particular, do ICP-ANACOM, não só nos primeiros passos mas em todos os desenvolvimentos destas novas entidades.

O reconhecimento desta necessidade mais não faz que evidenciar aquilo que pode ser visto como uma clara dependência da regulação nacional face às decisões comunitárias. Contudo, esta visão pode ser perversa e até desresponsabilizadora das Autoridades Nacionais de Regulação. É que essa dependência não tem de ser nem deve ser unilateral e isso dependerá, fundamentalmente, do modo como funcionar o ORECE, sem esquecer, em primeiro lugar, o modo como as decisões políticas comunitárias são tomadas.

Sendo o Sector das Comunicações Electrónicas um dos em que mais aprofundadamente se entrelaçam as decisões comunitárias e nacionais, importa garantir que não haja dependência clara de um dos lados, sem embargo de se reconhecer ter de haver uma precedência, neste caso, obviamente das regras comunitárias. Mas essa precedência só trará dependência efectiva se as regras que a conformam não resultarem do exercício de uma soberania partilhada mas de um domínio de alguns ou, mais provavelmente, de uma estrutura burocrática, o que só acontece se a participação de todos não for pronta, activa e competente.

Este é o grande desafio para 2010 que implicará, por certo, uma aprendizagem de exercício comum, que tem de se alicerçar numa governação adequada que, por sua vez, imporá seguramente ajustamentos não despiciendos ao modo de organização do funcionamento interno dos próprios órgãos nacionais de regulação.

A preocupação do ICP-ANACOM responder a esse desafio está bem patente no desenho de um dos seus objectivos principais enunciados no presente relatório – Participação no desenvolvimento do mercado interno da União Europeia, melhorando a performance interna.

Mas o desafio de melhorar a performance interna tem de se reflectir no exercício da busca partilhada de soluções comuns, posto que diferenciadas quando tal se justifique, e esse exercício tem de conduzir a resultados em tempo útil, sem o que a identificação de tal precedência porá em causa um desenvolvimento coerente, útil e eficiente das medidas regulatórias a todos os níveis.

No caso português, tem sido clara a demora do aprofundamento das decisões nacionais sobre NGN/A, refarming (finalmente possível!) e Serviço Universal, como resultado das indefinições arrastadas sobre as decisões comunitárias precedentes.

Mas o caso, provavelmente, mais marcante foi o atraso da Revisão 2006. A sua conclusão apenas em 2009, consequência de uma discussão que se arrastou por três anos, em que houve profundas alterações tecnológicas que não foram tidas em conta, nem poderiam ter sido, na proposta de base formulada em 2006, conduz a um ordenamento que corre o risco de não poder responder integralmente aos novos desafios que se levantam.

Tem-se exigido dos reguladores certeza regulatória (não será antes consistência regulatória em universo de incerteza crescente?) e também uma atitude inovadora (que é, obviamente, compatível com consistência, mas não com certeza, porque inovação é imprevisto). Mais do que nunca essa atitude, que comporta óbvios riscos, tem de fazer parte da “caixa de ferramentas” do ICP-ANACOM, em particular quando às medidas regulatórias em sentido mais estrito se pede que tenham em conta um todo crescentemente convergente, desde a gestão do espectro à gestão dos conteúdos, com respeito e promoção dos direitos do cidadão, alicerçados e garantidos na busca da segurança, integralidade e continuidades das redes e da informação que nelas circula.