Enquadramento regulatório


O objectivo da política comunitária no sector postal consiste em realizar o mercado interno dos serviços postais e garantir, através de um quadro legislativo adequado, que todos os cidadãos da Comunidade possam dispor em todo o território comunitário de serviços postais eficazes, fiáveis e de boa qualidade e a preços acessíveis 1.

A terceira directiva postal (2008/6/CE 2), de 20 de Fevereiro de 2008, estabeleceu o último passo no processo de reforma gradual dos mercados postais europeus com vista ao desenvolvimento do mercado dos serviços postais, cuja evolução tem vindo a decorrer por etapas, no sentido de uma integral liberalização 3. Esta Directiva prevê a abertura total do mercado até ao dia 31 de Dezembro de 2010, excepto em onze Estados-membros - Chipre, Eslováquia, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polónia, República Checa e Roménia - nos quais foi derrogada a prestação de serviços em exclusivo até 31 de Dezembro de 2012 a fim de permitir que os respectivos mercados melhor se possam desenvolver e adaptar aos desafios da liberalização completa (Figura 1).

Figura 1: Liberalização na Europa

Mapa dos estados-membros na Europa demonstrando onde existe a liberalização (Estónia, Holanda, Alemanha, Reino Unido, Suécia e Finlândia), e onde se vai optar por liberalizar para além do estipulado na Directiva postal 2008/6/CE alguns serviços.
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Em contraponto, já ocorreu de jure a liberalização completa em seis estados-membros, a saber: Estónia e Holanda em 2009, Alemanha em 2008, Reino Unido em 2006, Suécia em 1993 e Finlândia em 1991. Outros países ainda, optaram por liberalizar para além do estipulado na Directiva alguns serviços como a entrega de publicidade endereçada 4; o correio internacional de saída 5; o correio internacional de entrada 6, o correio entre cidades 7 ou o correio híbrido 8.

A abertura do mercado postal visa assegurar a existência de condições de concorrência leal e as necessidades dos utentes. De acordo com Comissão Europeia (2008), a concorrência no mercado da correspondência postal está a despontar, sendo o seu desenvolvimento ainda lento e não havendo ainda uma concorrência significativa, verificando-se que as quotas de mercado dos operadores concorrentes, embora estejam a aumentar, continuam reduzidas, mesmo nos Estados-membros em que a liberalização do mercado postal foi completa, tendo a concorrência tido um desenvolvimento mais acentuado, do que nos restantes países da UE, em Espanha, Suécia, Alemanha e na Holanda.

A alegada lentidão global do desenvolvimento da concorrência na maioria dos Estados-membros pode ser atribuída à opção da União Europeia pela liberalização gradual, a qual manteve como área reservada a maior parte do volume postal e por conseguinte inibiu os potenciais operadores alternativos de colherem benefícios de economias de escala, fundamentais no sector postal.
Segundo o estudo da ITA Consulting GmbH e WIK-Consult GmbH (2009), o sucesso do desenvolvimento da concorrência após a abertura total do mercado depende de muitos factores, que diferem entre os vários países.

Entre esses factores destacam-se: a atractividade do mercado nacional de correspondência; a competitividade do operador histórico; o ambiente regulatório; a aplicação do IVA aos diferentes operadores; as restrições financeiras enfrentadas pelos operadores postais face ao operador histórico e a mudança de comportamento dos clientes do serviço postal face ao aparecimento de outros operadores.
A existência destes factores, bem como a experiência nos Estados-membros que já abriram substancialmente ou totalmente o seu mercado postal, mostram que a entrada bem-sucedida no mercado de serviços de entrega postal necessita de tempo e de investimentos significativos.

O citado estudo refere que, neste contexto, é esperado que para os operadores postais o desafio da abertura total do mercado e da concorrência emergente com outros operadores postais, é limitada em comparação com os desafios do actual declínio económico e alternativas electrónicas emergentes.

Para além do aumento da concorrência, é expectável que a curto prazo o decréscimo do volume de cartas, com possível redução das receitas dos operadores postais, possa vir a ter implicações na forma como os preços são definidos ou regulados, como é o caso da França (vide Cap. 4).

De acordo com o estudo de Hooper (2010) realizado a pedido do governo inglês, é previsível, a nível mundial, que o volume de cartas decresça entre 25% e 40% durante os próximos cinco anos. Esta redução no volume de cartas a nível mundial é predominantemente de natureza estrutural, causada pela substituição pelas comunicações electrónicas – E-substituição.

Em Portugal, segundo o inquérito ao consumo empresarial dos serviços postais promovido pela ANACOM - KPMG (2008) - apesar de na altura, de forma quase unânime, o impacte da substituição electrónica, particularmente na correspondência ser visto como um factor de impacto marginal 9, as expectativas eram de maior desmaterialização, a par de iniciativas em curso, particularmente nos sectores financeiro, das comunicações e das utilities no sentido de encontrar alternativas para a massificação da factura electrónica. Por outro lado outros factores contribuíram significativamente para esta redução, como sejam a redução nas gramagens de papel, a integração de múltiplos extractos e a integração de componentes de marketing relacional nas facturas.

O decréscimo de receitas provenientes da redução de envio de cartas, dificilmente é compensado com as receitas provenientes das encomendas como resultado das compras on-line, devido ao facto do mercado das encomendas ser menor que o das cartas e ser muito mais competitivo. A Figura 2 mostra o crescimento negativo no volume de cartas, entre 2008 e 2009 de sete países da UE assim como dos EUA. Acresce que em Portugal o volume de encomendas tem vindo a registar diminuições anuais desde 2005.

Figura 2: Evolução do volume de cartas endereçadas entre 2008 e 2009

A Figura 2 mostra o crescimento negativo no volume de cartas, entre 2008 e 2009 de sete países da UE assim como dos EUA. Acresce que em Portugal o volume de encomendas tem vindo a registar diminuições anuais desde 2005.
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A redução do tráfego postal, pode estar correlacionada com a penetração da banda larga, como parece sugerir o estudo realizado em 2010 pela consultora The Boston Consulting. O aumento da penetração da banda larga, assim como os novos equipamentos que surgem no mercado e que permitem tirar partido da banda larga, têm vindo a alterar a forma como o cidadão comunica, ou seja, cada vez mais está a optar pelo envio electrónico (e.g. e-mail, redes sociais, SMS, MMS) ao invés do método tradicional, como seja o envio de cartas, com a consequente pressão na redução do tráfego postal. No caso português, existe uma forte correlação negativa entre a taxa de penetração da banda larga e o tráfego postal do correio nacional e internacional, o que indica que quando a taxa de penetração sobe o tráfego postal desce, embora tal possa resultar de uma terceira variável 10 associada a ambos.

Notas
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1 2008/204/CE.
2 Directiva 2008/6/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20.2.2008https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=966357
3 O serviço universal deve continuar a ser prestado em toda a sua extensão, isto é, incluindo pelo menos uma entrega e recolha cinco dias úteis por semana para cada cidadão da UE, salvo em circunstâncias ou condições geográficas consideradas excepcionais.
4 Eslovénia, Itália e República Checa.
5 Áustria, Eslovénia. França, Bélgica, Irlanda, Lituânia e República Checa.
6 Eslováquia.
7 Espanha.
8 Bulgária.
9 O crescimento do spam no e-mail tem vindo a contribuir para um retomar dos meios tradicionais, atrasando deste modo o processo de substituição electrónica tal como o mesmo foi perspectivado no início desta década.
10 Por exemplo, o nível de ensino da população ou aumento dos info-incluídos.