7. A prática da ANACOM no âmbito da AIR


Em geral, em Portugal, o quadro legislativo aplicável à atuação das autoridades administrativas independentes já contém regras dirigidas à realização de uma avaliação das medidas por parte de quem as toma.

A este respeito, veja-se, por exemplo:

a) Os princípios de gestão estabelecidos na Lei-Quadro das Entidades Reguladoras (Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto)1 e vertidos nos Estatutos da ANACOM (aprovados pelo Decreto-Lei nº 39/2015, de 16 de março – vide artigo 7º, nº1);

b) O disposto no artigo 99.º do Código de Procedimento Administrativo (aprovado pelo Decreto-Lei nº 4/2015, de 7 de janeiro) que, relativamente ao procedimento de elaboração de regulamentos, prevê que os regulamentos são aprovados com base num projeto, acompanhados de uma nota justificativa fundamentada, a qual deve incluir uma ponderação dos custos e benefícios das medidas projetadas;

c) O estabelecido no artigo 8º da Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE)2, no qual se prevê que sempre que, no exercício das competências previstas na LCE, a ARN pretenda adotar medidas com impacto significativo no mercado relevante deve publicitar o respetivo projeto, dando aos interessados a possibilidade de se pronunciarem em prazo fixado para o efeito, o qual não pode ser inferior a 20 dias (nº1) e que para esses efeitos, a ARN deve publicitar os procedimentos de consulta adotados.

d) O determinado no artigo 9º da Lei Postal , no qual se refere que sempre que, no exercício das competências previstas nessa mesma lei, a ANACOM pretenda adotar alguma medida que tenha impacto significativo no mercado, deve publicitar o respetivo projeto de decisão e conceder a qualquer entidade a possibilidade de se pronunciar sobre o mesmo num prazo não inferior a 20 dias (nº1) e que quando existam razões de urgência devidamente fundamentadas, a ANACOM pode decidir não realizar a consulta pública prevista no número anterior ou realizá-la num prazo mais curto;

e) As regras definidas nos artigos 100º (Audiência dos interessados) e 101º (Consulta pública) do Código de Procedimento Administrativo.

As análises de mercado elaboradas pela ANACOM são conduzidas de forma semelhante a um programa de AIR. Nomeadamente, são ponderados os custos e os benefícios da opção regulatória e das várias alternativas, são auscultados todos os interessados e são aplicadas medidas de monitorização e controle. Ao proceder à análise de mercados a ANACOM já tem de atender aos objetivos de regulação constantes do artigo 5º da LCE, para além dos princípios previstos quer na LCE (por exemplo, no respetivo artigo 55º) quer no Código de Procedimento Administrativo (mesmo que não seja implementada a AIR).

Assim sendo, justifica-se que, tal como mencionado pela OCDE (2008b), em certos casos em que a regulação é exigível em conformidade com normas internacionais n a aplicação de uma AIR detalhada seja dispensável.

In casu, a existência de um enquadramento legal e regulamentar comunitário e nacional que prevê determinados catálogos de obrigações que podem ser impostas a operadores com poder de mercado significativo num conjunto de mercados relevantes suscetíveis de regulação ex-ante e o imperativo de uma certa harmonização (em relação às obrigações que podem ser impostas) a nível europeu contribuem para um enquadramento de certo modo restritivo da flexibilidade de que dispõe a ARN nacional. Em tese, poder-se-ia assumir que estes condicionalismos reduziriam a utilidade de uma AIR muito detalhada. Sem prejuízo, poder-se-ia ainda, casuisticamente, ponderar até que ponto seria útil, tempestivo e oportuno estimar os custos e benefícios esperados com a aplicação de uma determinada medida regulatória em sede de análise de mercados.

Neste contexto, seria de relevar a interpretação de que o processo de imposição de obrigações resultante das análises de mercado habitualmente desenvolvido pela ANACOM incorpora já as fases de um processo de AIR, a saber:

a) Definição de objetivos de política – Correspondem aos objetivos de atividade da ANACOM definidos na legislação vigente aplicável e nos seus Estatutos;

b) Identificação de opções regulatórias - Constam do enquadramento legal e regulamentar nacional e comunitário, existindo um objetivo de harmonização em sede da UE, promovido nomeadamente pelo BEREC ORECE;

c) Avaliação dos custos e benefícios – Em regra as decisões da ANACOM já ponderam (ainda que qualitativamente) os custos e benefícios das várias opções disponíveis em cada caso concreto;

d) Consulta – A realização de procedimentos de consulta e de audiência prévia decorre da legislação vigente e dos regulamentos da ANACOM aplicáveis;

e) Conceção de mecanismos de implementação, monitorização e supervisão – Estes mecanismos, para além de previstos na legislação em vigor, podem ser também especificados nas decisões do regulador.

Para além do supracitado exemplo referente ao processo de imposição de obrigações, é possível reconhecer que, frequentemente, as deliberações tomadas por esta Autoridade noutras áreas percorrem também, ainda que de forma implícita, as fases tipicamente associadas a uma AIR.

No tocante à gestão do espectro, os processos de decisão têm como base as diretrizes presentes no relatório 125 da ECC (Electronic Communications Committee) da CEPT, que recomendam que as Decisões, Recomendações ou conjunto de princípios ou planos de ação com impacto significativo no mercado ou no público em geral tenham em conta a AIR. Deste modo, estas diretrizes – mais do que uma prática sistematizada - são já consideradas no âmbito dos trabalhos que decorrem no seio da CEPT e da UE e que visam a coordenação das políticas de espectro e promoção da harmonização da utilização de frequências, cabendo naturalmente às administrações a sua implementação em função do quadro regulamentar nacional.

É de relevar que em Portugal, caso-a-caso, é tido em conta o impacto das medidas a adotar (e.g. limitação de direitos de utilização de frequências ou procedimento de seleção para atribuição de direitos), sendo levadas a cabo as consultas públicas necessárias em linha com o estabelecido na LCE. Isto para além de a legislação nacional – quer a aplicável a cada serviço, quer a legislação mais genérica e aplicável de forma transversal a toda a atividade desenvolvida pela ANACOM (como o Código de Procedimento Administrativo) – apontar no mesmo sentido.

Em concreto, no âmbito da gestão do espectro são tomadas em conta as seguintes fases, que – atenta a transversalidade das AIR – são muito idênticas às fases apresentadas no âmbito da análise de mercados:

a) Identificação do objetivo da consulta: A realização de procedimentos de consulta e de audiência prévia decorre nos termos da lei e dos regulamentos da ANACOM aplicáveis. No que respeita à gestão do espectro está normalmente relacionado com a designação/disponibilização de faixas do espectro e atribuição/alteração/revogação de direitos /licenças para a utilização do espectro. Para esses efeitos, em regra, estão em causa a limitação de direitos de utilização de frequências ou procedimento de seleção para atribuição de direitos conforme estabelecido na LCE.

b) Descrição da proposta ou plano de ação atentos os objetivos: Em regra, traduz-se na elaboração/alteração do Quadro Nacional de Atribuição de Frequências (QNAF);

c) Identificação e descrição das opções regulamentares e/ou técnicas: consideradas no processo de decisão ao nível da CEPT/UE;

d) Análise dos impactos (e.g. técnicos) nos utilizadores incumbentes do espectro: consideradas no processo de decisão ao nível da CEPT/UE e no âmbito dos procedimentos de consulta e de audiência prévia definidos na LCE

e) Monitorização e avaliação periódica: considerada no âmbito da LCE, em particular no requisito de manter atualizado o QNAF.

As restantes medidas com impacto significativo no mercado têm genericamente em consideração, na sua preparação, as linhas genéricas da AIR. De todo o modo, reconhecendo a importância de continuar a aperfeiçoar a avaliação do impacto no mercado das medidas regulatórias por si adotadas, esta Autoridade submeteu a consulta pública3 o documento relativo às orientações estratégicas para o plano plurianual de atividades 2015-20174, no qual referia, nomeadamente, pretender desenvolver em 2015 um estudo sobre AIR com enfoque na análise comparativa das abordagens seguidas pelas diferentes ARN quanto a programas de AIR. No âmbito desta consulta foram recebidos comentários de 11 entidades, duas das quais – a G9SA – Telecomunicações (atual G9 Telecom S.A) e a então PT Portugal SGPS, S.A. (PT) – se pronunciaram sobre a AIR.

A G9SA, de forma sucinta, corroborou a utilidade da avaliação do impacto das medidas regulatórias adotadas pela ANACOM.

Também a PT concordou com a utilidade de um estudo sobre AIR, relevando ver com interesse a utilização de meios que permitam a aferição a priori dos custos e benefícios das medidas em avaliação, com vista a minimizar o impacto do risco regulatório. No seu entender deveriam ser ainda consideradas como prioridades estratégicas o desenvolvimento de um processo estruturado de avaliação do impacto regulatório e a alteração cultural necessária para a sistematização desta prática. Finalmente, apresentou também sugestões quanto à formulação de etapas e calendarização da implementação de um processo sistematizado de AIR na ANACOM.

Na sequência da consulta pública supramencionada, a ANACOM incluiu, no seu Plano Plurianual de Atividades 2015-2017, no âmbito da prioridade estratégica relacionada com a promoção de mercados abertos e concorrenciais e do eixo de atuação “2.7 Avaliar o impacto das medidas de regulação tomadas”, o desenvolvimento de um estudo sobre AIR com enfoque na análise comparativa das abordagens das diferentes ARN quanto a programas de AIR.

Também em sede de consulta pública relativa às orientações estratégicas para o plano plurianual de atividades para 2016-20185 a MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. (MEO) reiterou os comentários que tecera ao plano anterior e defendeu a importância da AIR, considerando dever assumir o estatuto de nova prioridade estratégica. No subsequente relatório a ANACOM referiu ter decidido não acolher a AIR como prioridade estratégica, o que não significa que não reconheça a importância do tema, adiantando que algumas das principais decisões regulatórias da ANACOM envolvem essa avaliação. Refira-se, a título de exemplo, o estudo realizado pela Indera (2015) para a ANACOM sobre questões concorrenciais e de regulação no mercado do serviço telefónico móvel, o qual pode ser consultado no sítio desta Autoridade na Internet, no qual se analisou o impacto no mercado, na concorrência e nos consumidores das reduções dos preços de terminação de chamadas vocais em redes móveis individuais. Em síntese, a ANACOM concluiu nesta sede que “não existindo uma metodologia única que sirva para avaliar o impacto de todas as medidas, considera-se que a AIR deve ser realizada numa base casuística, incidindo sobre as matérias que sejam para o efeito identificadas como relevantes”.

Neste contexto, atendendo ao que ficou exposto nos capítulos precedentes deste documento, considera-se que o aperfeiçoamento da implementação de metodologias de AIR no âmbito da ANACOM, caso seja adotado de forma mais sistemática, deveria focar-se em áreas relacionadas com a formação, com a informação e com a fiscalização.

De facto, um requisito importante para o sucesso da implementação de metodologias de AIR é a formação generalizada dos quadros de qualquer ARN cuja atividade seja relevante neste contexto, englobando a teoria e a prática da AIR, incluindo, nomeadamente, a gestão das ferramentas e instrumentos indispensáveis à sua implementação.

Note-se que, para além da formação em aspectos de índole mais técnica e processual, seria importante assegurar também formação que incidisse sobre a filosofia e os princípios gerais da AIR. É o que se passa, por exemplo, na Irlanda, país em que o governo proporciona aos quadros vários cursos com a duração de dois dias para contextualizar a AIR num âmbito político mais vasto (OCDE, 2008b).

Em paralelo, as lacunas na formação podem ser ultrapassadas, conforme sugere a OCDE (2008b), através da partilha de experiências com aqueles que aproximam as AIR das melhores práticas internacionais. No sector das comunicações eletrónicas, esse papel poderia caber a entidades como, por exemplo, o BEREC-ORECE ou o Fórum Latino-Americano de Autoridades Reguladoras de Telecomunicações (REGULATEL), por se tratar de entidades que desempenham já um importante papel na partilha de melhores práticas regulatórias em diversas áreas técnicas.

Outro imperativo é, ainda segundo a OCDE (2008b), a formação em análise e métodos quantitativos, bem como em técnicas de entrevista, realização de questionários e grupos de foco.

Isto, naturalmente, sem prejuízo da análise, pelos quadros que preparam a fundamentação das decisões, de toda a informação relevante disponível, tal como, por exemplo, os dados estatísticos de fontes públicas (e.g. INE, EUROSTAT, OCDE, Banco Mundial, etc.), ou do eventual recurso a consultores externos. A OCDE (2008a) destaca ainda que uma boa revisão da literatura académica pode ser muito valiosa para obter informação sobre a performance de diferentes opções regulatórias.

Deve ser tido ainda em conta que existe uma perceção de acordo com a qual a evolução do nível de qualidade das AIR produzidas por uma determinada entidade não é linear e tende a seguir uma curva em “U” (Jacobs, 2006). De facto, numa primeira fase as AIR são levadas a cabo por quadros com elevada formação e competência. Numa segunda fase, com a generalização das AIR alarga-se o universo dos quadros que as realizam (incluindo alguns com menos competências) e, em paralelo, tende-se a negligenciar o investimento em formação, o que resulta numa quebra da qualidade média das AIR. Finalmente, numa terceira fase, a experiência acumulada e uma nova aposta na formação poderão resultar novamente em melhorias na qualidade das AIR.

Igualmente imprescindível é, atendendo a que a insuficiência de dados que alimentam uma adequada AIR é considerada, mesmo nos países da OCDE, como uma das mais importantes fraquezas, assegurar uma adequada promoção da recolha de informação necessária à análise e a um correto aproveitamento do acervo de informação obtido no âmbito de consultas públicas, evitando-se, em paralelo, que tal possa resultar num fardo desproporcional para as entidades consultadas.

Outro fator chave para se poder avaliar o impacto de determinada medida regulatória é a análise da probabilidade de as entidades reguladas se conformarem ou não com as medidas regulatórias propostas. De facto, será necessário cada vez mais sistematizar se existe ou não uma razoável probabilidade de os regulados se tentarem “esquivar” ao cumprimento de determinada medida regulatória proposta pela ARN. Em caso afirmativo, é necessário estimar os custos de fiscalização/supervisão associados a uma garantia do cumprimento dessa decisão regulatória. Se esses custos forem muito vultosos e ultrapassarem os benefícios correspondentes, provavelmente os moldes da intervenção regulatória deveriam ser reequacionados, quer por forma a promover ab initio o cumprimento das medidas propostas, quer por forma a reduzir os custos globais da sua fiscalização superveniente.

Notas
nt_title
 
1 Em especial, o nº 1 do artigo 4º da Lei-Quadro das Entidades Reguladoras estabelece que estas devem observar os seguintes princípios de gestão: a) Exercício da respetiva atividade de acordo com elevados padrões de qualidade; b) Garantia de eficiência económica no que se refere à sua gestão e soluções adotadas nas suas atividades; c) Gestão por objetivos devidamente determinados e quantificados e avaliação periódica em função dos resultados; d) Transparência na atuação através da discussão pública de projetos de documentos que contenham normas regulamentares e da disponibilização pública de documentação relevante sobre as suas atividades e funcionamento com impacto sobre os consumidores e entidades reguladas, incluindo sobre o custo da sua atividade para o setor regulado; e) Respeito dos princípios da prévia cabimentação e programação da realização das despesas subjacentes à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades públicas.
2 Lei nº 5/2004, de 10 de fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 32-A/2004, de 10 de abril. Alterada pelo Decreto-Lei n.º 176/2007, de 8 de maio (artigos 104.º, 113.º, 114.º e 116.º); pela Lei n.º 35/2008, de 28 de julho (aditamento do artigo 121.º-A); pelo Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio (revogação do n.º 5 a 7 do artigo 19.º e do n.º 5 a 7 do artigo 26.º); pelo Decreto-Lei n.º 258/2009, de 25 de setembro (artigos 13.º e 116.º); pela Lei n.º 46/2011, de 24 de junho (artigos 13.º e 116.º); pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro (com republicação); pela Lei n.º 10/2013, de 28 de janeiro (artigos 39.º, 52.º, 94.º e 113.º e aditamento do artigo 52.º-A); pela Lei n.º 42/2013, de 3 de julho (artigos 45.º e 113.º); pelo Decreto-Lei n.º 35/2014, de 7 de março (revogação do artigo 124.º); pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (artigo 106.º); pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (artigo 106.º); pela Lei n.º 127/2015, de 3 de setembro (artigo 106.º). Lei nº 17/2012, de 26 de abril, Alterada pelo Decreto-Lei n.º 160/2013, de 19 de novembro (artigos 13.º, 14.º e 35.º; aditamento do artigo 14.º-A e revogação do n.º 2 do artigo 14.º); pela Lei n.º 16/2014, de 4 de abril (artigos 21.º, 24.º, 37.º, 38.º, 39.º e 54.º).
3 Ainda no âmbito dos seus anteriores Estatutos, os quais não explicitavam essa obrigação.
4 Vide em Download de ficheiro Relatório da consulta pública relativa às orientações estratégicas para o plano plurianual de atividade.
5 Entretanto, essa consulta passou a revestir caráter obrigatório, decorrente de alterações introduzidas nos Estatutos da ANACOM.