Caso específico dos custos líquidos relativos a 2001-2003


A. Respostas recebidas

B. Entendimento ICP-ANACOM


A. Respostas recebidas

PTC

A PTC sublinha estar em profundo desacordo com a posição assumida pelo ICP-ANACOM a este respeito e em particular com a interpretação constante do ponto 3 do SPD sobre a aplicação do conceito de encargo excessivo, que a PTC considera não ter sustentação nem na letra da lei nem na sua "ratio", referindo que, em qualquer caso, apresentará e submeterá à aprovação do ICP-ANACOM a demonstração das margens negativas da exploração do SU de 2001 a 2003, calculadas de acordo com a metodologia que vier a ser aprovada pelo regulador, considerando que estas não poderão deixar de ser compensadas, à luz das regras legais e contratuais vigentes naquele período.

A PTC refere que qualquer conclusão em matéria relativa ao financiamento do SU não pode deixar de ter em consideração que a empresa é o PSU ao abrigo de um contrato de concessão aprovado pelo DL n.º 40/95, de 15 de Fevereiro, e pelo DL n.º 31/2003, de 17 de Fevereiro, estranhando que o SPD seja omisso quanto a essa matéria. O actual contrato de concessão, prossegue, remete para a lei - DL n.º 458/99, até Fevereiro de 2004, e LCE após essa data - apenas a regulação da forma de compensação das margens de exploração negativas decorrentes da prestação do SU.

Segundo a PTC, o DL n.º 458/99 não faz depender o financiamento do CLSU da existência de um encargo excessivo e portanto não exige que o regulador proceda à sua definição ou verificação, fazendo tal diploma corresponder o conceito de "sobrecarga injusta" usado na Directiva 97/33/CE à existência de margens negativas resultantes da prestação do SU, procurando assim harmonizar o novo regime legal com o que havia sido acordado entre o Estado e a PTC, densificando deste modo esse conceito no quadro da margem de manobra que a PTC considera que a Directiva deixa aos Estados-Membros.

De acordo com a PTC, decorre assim que, no período em questão, sempre que existam margens negativas decorrentes da prestação do SU, o PSU deverá ser compensado nos termos dispostos no artigo 12.º, n.º 1 do DL n.º 458/99, não sendo necessário qualquer juízo sobre a "justiça" ou "injustiça" da carga em que aquelas margens se possam traduzir.

Considera assim a PTC que o ICP-ANACOM não tem razão nos dois argumentos que invoca no SPD a este respeito que, a seu ver, não têm apoio na letra da lei. Para a PTC, a referência na lei (artigo 14.º do DL n.º 458/99) a "quando justificado" não se reporta à existência de uma sobrecarga injusta, mas antes à existência de margens negativas, considerando óbvio que se estas não existirem não se justifica a criação de um fundo de compensação.

A PTC considera também que o ICP-ANACOM não tem razão quando invoca o princípio da interpretação conforme, aplicável no âmbito da transposição das Directivas, segundo o qual a norma nacional tem de ser interpretada de acordo com a norma comunitária que visou transpor. Segundo a PTC, o princípio invocado pelo ICP-ANACOM só se aplica se existir uma dúvida interpretativa ou uma lacuna legislativa que possa ser resolvida pela interpretação mais "conforme" da Directiva. A PTC entende que não se está perante nenhuma dúvida, mas perante uma situação em que o legislador entendeu integrar o conceito de sobrecarga injusta por referência à existência de margens negativas da prestação do SU.

A PTC refere não desconhecer as dificuldades invocadas pelo regulador (num memorando interno aprovado em 2009 1) sobre a complexidade de uma eventual repartição dos CLSU de 2001 a 2003 caso a compensação solicitada pela PTC fosse aceite; no entanto, salienta que não pode ser penalizada por tal, pois essas dificuldades resultam do atraso da decisão do regulador sobre a matéria.

A PTC considera assim que, no âmbito de vigência do DL n.º 458/99, a existência de um "encargo excessivo" não constituía um requisito de atribuição ao PSU de uma compensação adequada pelos CLSU, pelo que refere não poder ser aplicado o regime constante da LCE aos anos que precederam este diploma legal, uma vez que tal implicaria uma aplicação retroactiva da LCE, e como tal ilegal, por violação do artigo 12.º do Código Civil.

VODAFONE

A VODAFONE considera que em períodos posteriores a 2001 - 2003, o PSU teve boa capacidade económica e financeira que lhe terá permitido influenciar as condições de mercado para endogeneizar os encargos com o SU, pelo que também em relação a 2001 - 2003 considera que as eventuais margens negativas que decorrem da exploração do SU não constituem um encargo excessivo para o PSU.

ZON

A ZON refere não se pronunciar sobre os CLSU relativos ao período de 2001 a 2003 por não dispor dos elementos necessários para poder aferir o seu resultado.

B. Entendimento ICP-ANACOM

A evolução do quadro regulamentar apresentada pela PTC pretende fazer crer que existe um direito à compensação, em sede de SU, que ultrapassa o que está previsto na lei nacional e no quadro regulamentar europeu, e que esse direito advém do Contrato de Concessão.

O ICP-ANACOM não partilha este entendimento e não o considera aceitável à luz do quadro legal.

Com efeito, e como a própria PTC reconhece, "o actual Contrato de Concessão limita-se a remeter para a lei - ou seja, para o DL n.º 458/99 até Fevereiro de 2004, e para a LCE a partir de Fevereiro de 2004 - a regulação da forma de compensação das margens negativas decorrentes da prestação do SU".

É, pois, na interpretação do DL n.º 458/99 que deve encontrar-se o regime aplicável ao financiamento, e não em qualquer disposição do contrato de concessão uma vez que aquele "limita-se a remeter para a lei".

E em sede de interpretação deste diploma, importa sublinhar o que a própria PTC afirma quanto à regulação desta matéria operada pelo DL n.º 458/99: com efeito, aquela empresa refere que os seus termos não se afastaram daquilo que havia sido acordado entre a PTC e o Estado, "excepto na estrita medida em que tal fosse exigido pela acima referida Directiva [97/33]".

Ora, no entendimento do ICP-ANACOM, o que era exigido pela acima referida Directiva era que apenas a sobrecarga injusta é passível de compensação, conforme resulta com clareza do seu artigo 5.º. Posição contrária significaria o reconhecimento de um direito a compensação, de forma apriorística, sem qualquer juízo sobre a justiça ou injustiça do encargo, o que, além de constituir uma solução flagrantemente contrária ao direito comunitário, não encontra também justificação em nenhuma disposição do contrato de concessão uma vez que este "limita-se a remeter para a lei e esta afastou o regime do contrato de concessão na estrita medida em que tal [era] exigido pela acima referida Directiva [97/33]".

Nestes termos, e ao contrário do que sustenta a PTC, nem o contrato de concessão contém uma solução desconforme à Directiva, nem o DL n.º 458/99 poderia ter consagrado um direito à compensação das margens negativas independente do conceito de sobrecarga injusta pois tal margem de liberdade não era concedida pela directiva ao legislador, nem no caso presente tal margem de liberdade existe para o intérprete e aplicador da norma.

Como refere aquela empresa a páginas 49 e 50 da sua pronúncia, com a publicação do DL n.º 458/99, os artigos 25.º e 32.º das bases da concessão/contrato de concessão foram revogados «…porque à luz da Directiva deixaram de ser permitidas quase todas a formas de compensação dos custos do SU previstas naquela disposição contratual [artigo 25.º] (com excepção do fundo de compensação). O artigo 32.º daquele contrato foi revogado porque as formas de compensação dos custos do SU passaram a ser reguladas pelo DL n.º 458/99…». Ora, resultando as alterações legislativas da necessidade de conformar o regime vigente em Portugal com as exigências fixadas na Directiva 97/33/CE, não pode admitir-se que das disposições do diploma que transpõe aquela Directiva se retire uma leitura que contrarie a letra e o sentido que o legislador comunitário quis imprimir ao regime de financiamento do SU. É com este pressuposto de base que deve ser lido e interpretado o artigo 14.º do DL n.º 458/99, cuja redacção, ao contrário do que a PTC sustenta, justifica que se recorra a uma interpretação conforme ao direito comunitário, sob pena de não se entender qual o sentido da condicionante decorrente da expressão «quando justificado» incluída no n.º 1 do artigo 14.º.

Com efeito, não pode aquela referência ter o sentido que a PTC pretende - «"quando justificado" não se refere (…) à existência de uma sobrecarga injusta (…) mas antes à existência de margens negativas…». Com base nesta interpretação aquela exigência seria absolutamente inútil uma vez que a solução prevista neste artigo apenas se aplica se existirem margens negativas como resulta da delimitação feita no início desta disposição que refere que o que aí se consagra é «Para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º…», ou seja, para efeitos de compensação das margens negativas decorrentes da prestação do SU o que, naturalmente, pressupõe que estas existam. Dito de outra forma, o artigo 14.º do DL n.º 458/99 só tem aplicação quando existam margens negativas na prestação do SU - é esse o sentido que se retira da concretização feita logo no início desta regra que apenas se aplica «para efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º» isto é quando existam margens negativas que determinam a compensação do SU.

Do exposto decorre a necessidade de esclarecer qual o sentido desta expressão, o que só se alcança recorrendo a uma interpretação conforme com a disposição que está na sua origem.

A condicionante do n.º 1 do artigo 14.º do DL n.º 458/99 ganha utilidade caso se atenda ao que prevê o n.º 4 do artigo 5.º da Directiva 97/33/CE que, com evidente paralelismo com a disposição da lei nacional, estabelece que «desde que justificado, com base no cálculo do custo líquido referido no n.º 3 (…) as autoridades reguladoras decidirão se se justifica a instauração de um mecanismo de repartição do custo líquido das obrigações de serviço universal». O cálculo do custo líquido referido no n.º 3 deste artigo da Directiva destina-se à determinação da sobrecarga, caso esta exista, que a oferta do SU representa para as organizações que têm a obrigação de o assegurar, sobrecarga esta que, se for injusta, permite a repartição dos CLSU por outras organizações que explorem redes públicas de telecomunicações e/ou serviços de telefonia vocal acessíveis ao público, nos termos do que prevê o n.º 1 deste artigo 5.º daquela Directiva.

Este é o único sentido útil passível de ser atribuído à expressão "quando justificado" e a única leitura que o n.º 1 do artigo 14.º do DL n.º 458/99 pode ter - os CLSU apenas poderão ser suportados pelo fundo de compensação quando representem para o PSU uma sobrecarga injusta. A interpretação de que o fundo de compensação deve ser activado para o pagamento de quaisquer margens negativas decorrentes da prestação do SU é absolutamente incompatível com o regime fixado na Directiva 97/33/CE, que o DL n.º 458/99 transpôs. A imposição de uma obrigação de financiamento de SU que não constitua sobrecarga injusta será muito legitimamente objecto de contestação por parte das entidades que sejam chamadas a participar nesse fundo, por ser incompatível com o direito comunitário. O texto da Directiva não deixa margem de discricionariedade ao legislador dos Estados-Membros para definir a priori se a prestação do SU constitui ou não uma sobrecarga injusta para a entidade encarregada de o assegurar. O procedimento previsto no artigo 5.º da Directiva exige, claramente, uma verificação da existência dessa sobrecarga injusta, o que apenas pode ser aferido com base num exame específico de cada empresa e no contexto em que tal serviço foi assegurado. Sem esta apreciação não pode concluir-se que o encargo decorrente da prestação do SU constitui um encargo excessivo ou uma sobrecarga injusta que deva necessariamente ser compensada (a necessidade de este exame tendo em conta a situação concreta de cada empresa é de resto evidenciada nos acórdãos do TJUE que num momento posterior foram proferidos nos processos Comissão Europeia c. Reino da Bélgica e Base NV c. Ministerraad).

Do exposto resulta evidente a necessidade de concluir sobre os termos em que o cumprimento das obrigações do SU pode constituir uma sobrecarga injusta para as organizações responsáveis pela sua prestação, dado que esta é uma condicionante do seu financiamento. Como tal, e porque está em causa a verificação de uma condição de que depende o financiamento dos custos decorrentes da prestação do SU não pode o regulador deixar de concretizar o que constitui sobrecarga injusta. Consequentemente não procede também a conclusão de que a solução sustentada pelo ICP-ANACOM implique uma aplicação retroactiva da LCE. A condicionante ao financiamento do SU estava clara na Directiva 97/33/CE e, como resulta do que acima se expôs, é a única que, por via de uma interpretação conforme, se pode retirar do DL n.º 458/99, não estando o SPD notificado e a decisão final que vier a ser proferida feridas de ilegalidade. 

Adicionalmente, cumpre assinalar que ainda que se entendesse que os encargos com a prestação do SU seriam passíveis de compensação através de outros mecanismos que não o fundo de compensação, hipótese que a PTC conclui ser inaplicável conforme decorre de toda a argumentação expendida por aquela empresa, sempre se questionaria a admissibilidade da compensação daqueles custos quando os mesmos não representem uma sobrecarga injusta para a ou as empresas que asseguram as prestações do SU. Admitir esta hipótese, o que não se concede, seria reconhecer a possibilidade de um financiamento adicional traduzido numa transferência dos contribuintes para a PTC cuja legitimidade seria claramente questionável.

Sobre a questão das dificuldades referidas no memorando de 2009 relativamente à complexidade de uma eventual repartição dos CLSU, trata-se de um facto que não norteou a actuação nem os objectivos do ICP-ANACOM.

Notas
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1 Trata-se de um memorando interno do ICP-ANACOM, a que a PTC teve acesso no âmbito da consulta que efectuou ao processo administrativo, não tendo tal documento sido objecto de qualquer decisão por parte do CA do ICP-ANACOM.