3.1. O mercado retalhista


A AdC, ainda que considere adequada e genericamente coerente com a aplicação da metodologia do Direito da Concorrência a metodologia adotada pela ANACOM na definição dos mercados grossistas de circuitos alugados, tanto do ponto de vista do produto, como do ponto de vista geográfico, considera importante que a ANACOM continue a acompanhar os desenvolvimentos no mercado retalhista1, no sentido de avaliar se os mesmos poderão vir a ter consequências relevantes a nível grossista, ponderando, se necessário, o âmbito dos mercados identificados ou a especificação concreta das obrigações impostas, de forma a assegurar continuamente a existência de concorrência efetiva a nível retalhista.

Para a MEO, a ausência no SPD de uma análise fundamentada e circunstanciada do mercado retalhista de circuitos alugados é surpreendente e metodologicamente inaceitável, considerando que o ponto de partida de qualquer análise é precisamente a definição do mercado de retalho, um princípio basilar do quadro legal europeu (nomeadamente na Recomendação de 2014)2. Portanto, a regulação dos mercados grossistas só é justificável na medida em que sirva para mitigar ou eliminar algum problema concorrencial nos mercados de retalho, salientando a MEO que a própria ANACOM o afirma sem reservas no parágrafo 1.36 do SPD3 e na nota de rodapé 54, referindo que na definição dos mercados grossistas teve em conta o mercado retalhista conexo, sempre que tal foi considerado relevante.

Contudo, a MEO não percebe a que “mercado retalhista” se refere o SPD, uma vez que esse mercado não foi definido, não permitindo assim que se acompanhe o racional da ANACOM, sendo certo que o atual Mercado 4 (redenominado na Recomendação de 2014), mercado de acesso de elevada qualidade grossista num local fixo, é o mercado que abrange os “inputsnecessários para fornecer, no retalho, acessos de elevada qualidade a clientes empresariais” (parágrafo 1.29), pelo que a ligação ao mercado de retalho surge aqui de forma clara para a MEO.

Neste contexto, questiona ainda a MEO a motivação evidenciada no SPD (parágrafo 1.31) em resolver a questão do preço dos circuitos CAM, o que indicia uma inversão da lógica que habitualmente preside a uma definição e análise de mercados, reforçada pelo parágrafo 1.42, em que se refere que os mercados grossistas de circuitos alugados não têm correspondência no mercado retalhista de circuitos alugados, podendo ter um âmbito superior (por via da utilização da rede própria dos operadores). Claramente, no entender da MEO, a ANACOM faz um juízo prévio, considerando a regulação dos mercados grossistas como um fim em si mesmo, e não avaliando nem demonstrando que essa regulação é necessária para resolver algum tipo de falha ou problema nos mercados a jusante. A MEO sustenta que, pelo contrário, a evolução do mercado de circuitos aponta inequivocamente para uma situação de concorrência.

Em conclusão, a MEO considera o SPD “inquinado por um erro metodológico estrutural grave”, que não é puramente teórico, mas suscetível de invalidar toda a análise realizada, não sendo claros quais os mercados e quais os objetivos regulatórios prosseguidos e respetivos fundamentos.

Quanto à evolução (prática) do mercado, a MEO refere que os dados disponíveis apontam inequivocamente para uma situação concorrencial no mercado de retalho (e de alternativas nos mercados grossistas) que deveriam motivar uma desregulação mais ampla do mercado de circuitos, mas que, segundo a MEO, a ANACOM não terá avaliado devidamente, apresentando uma análise incompleta, enviesada e discriminatória.

A este respeito, a MEO realça que vem (desde 2010 e 2011) fazendo prova do que alega, com situações concretas demonstrativas da capacidade competitiva dos operadores alternativos e da forma como os constrangimentos regulatórios a estavam a impedir artificialmente de concorrer. Adicionalmente, realça que os últimos grandes concursos para fornecimento de serviços de dados (e.g., Grupo CGD, BPI, Montepio, etc.) foram ganhos por operadores alternativos, com recurso marginal às ofertas grossistas de circuitos alugados da MEO4.

Como exemplo, a MEO salienta o concurso [IIC] 5 [FIC].

Tendo por base os dados apresentados, a MEO afirma que os OPS dispõem das infraestruturas, recursos e serviços necessários para concorrerem ativamente no mercado, não dependendo dos seus serviços grossistas e que isso não se restringe a grandes cidades como Lisboa e Porto, abrangendo todo o território nacional.

Conclui então a MEO que, face às alterações estruturais ocorridas, em especial ao nível de investimento em rede própria por parte dos operadores, tudo aponta para uma concorrência no mercado de retalho substancialmente mais intensa do que a reconhecida pelo SPD, não dependendo essa situação dos remédios grossistas impostos à MEO e que agora a ANACOM pretende reforçar, desadequada e desproporcionalmente.

A MEO acredita ter demonstrado que, a nível retalhista (tal como a nível grossista – ver secção seguinte), se registou ao longo dos últimos anos uma evolução de tal modo profunda no mercado dos circuitos alugados que a respetiva regulação deixou, em larga medida, de ser necessária para que os OPS possam concorrer no mercado, i.e., que a concorrência já não depende dos remédios grossistas que têm sido impostos à MEO, resultando antes de alterações estruturais ocorridas no próprio mercado, em especial ao nível de investimento em rede própria dos OPS, que continua em franco desenvolvimento.

Entendimento da ANACOM

O mercado retalhista de circuitos alugados já foi considerado, em 2010, como um mercado não sujeito a regulação ex-ante (não tendo cumprido o “teste dos três critérios”), tendo todas as obrigações regulamentares anteriormente impostas sido suprimidas (com efeito imediato nomeadamente no caso do controlo de preços)6. Resumindo, do ponto de vista da ANACOM (da regulação ex-ante), este era um mercado “concorrencial”, na presença de regulação grossista, nomeadamente da ORCA e da ORCE. Ou seja, já em 2010 a ANACOM reconheceu as especiais condições de oferta e procura no mercado, mas salientando também, na altura e no atual SPD, que esta dinâmica concorrencial é suportada (em parte relevante, pelo menos em determinados mercados geográficos) pelas ofertas grossistas reguladas (ORCA e ORCE).

Tendo desregulado o mercado retalhista de circuitos alugados em 2010, à partida não seria necessário voltar a analisá-lo aprofundadamente, até porque uma análise sumária vertida no SPD (no seu Anexo 1) releva que as condições de mercado (retalhista) serão relativamente mais concorrenciais do que à altura, com uma redução das quotas de mercado da MEO (que, relembre-se ainda eram muito elevadas em 2010).

Não obstante esse passo relativo à definição do mercado retalhista de circuitos alugados e conclusão sobre a sua não suscetibilidade de regulação ex-ante (i.e., a sua desregulação) na anterior análise de mercados, é verdade que a Recomendação de 2014 introduziu alterações à definição e abrangência do “tradicional” mercado de circuitos alugados, com o conceito de acesso grossista de elevada qualidade num local fixo – mercado que abrange os “inputs necessários para fornecer, no retalho, acessos de elevada qualidade a clientes empresariais”, incorporando os serviços de elevada qualidade não tecnicamente equiparados aos “normais” circuitos alugados mas que podem constituir produtos substitutos daqueles7.

O SPD apenas contemplou os circuitos alugados, uma vez que, tendo a Recomendação de 2014 entrado em vigor praticamente em simultâneo com a conclusão do SPD, a ANACOM entendeu então não dever atrasar a publicação do mesmo, prevendo, em fase posterior, analisar autonomamente os serviços de acesso de elevada qualidade (processo que se iniciou, aliás, no primeiro trimestre de 2015, com a submissão de um questionário inicial aos operadores com ofertas retalhistas).

Contudo, face ao exposto e também atendendo a alguns comentários da MEO, a ANACOM reconhece a necessidade de se analisarem todas as componentes (retalhistas) conexas do novo Mercado 4, reconhecendo também o seu potencial impacto nos próprios mercados grossistas.

Ainda que a conclusão respeitante aos circuitos alugados grossistas possa, por esta via, atrasar-se, releve-se, contudo, que a análise do Mercado 4 na sua globalidade tenderá a concluir-se num prazo mais reduzido, uma vez que se incorporará, desde já, a análise dos serviços de acesso de elevada qualidade (que não circuitos alugados).

A este propósito refere-se que a ANACOM entendeu solicitar, nomeadamente sob a forma de questionários, informação sobre a prestação de todos os serviços de acesso de elevada qualidade tanto a nível grossista como retalhista, informação que irá ser incluída e analisada no (novo) documento de análise de mercados.

Sem prejuízo do acima exposto, refira-se que o mercado de acesso grossista de elevada qualidade (M4) poderá ser relevante para efeitos de regulação ex-ante, independentemente da conclusão sobre a dinâmica concorrencial do mercado retalhista conexo.

Com efeito, como explicado no SPD, e também pela Comissão (na ‘Nota explicativa’ anexa à Recomendação de 2014), os acessos de elevada qualidade fornecidos a nível grossista ou através do fornecimento interno não têm necessariamente de ter reflexo, ou não são necessários exclusivamente para o suporte do mercado retalhista de circuitos alugados. Uma grande parte daqueles acessos é utilizado em rede própria (e.g., na ligação a BTS8), no suporte de vários (outros) serviços retalhistas (e.g. um circuito CAM de 10 Gbps alugado à MEO pode ser utilizado para o suporte de diferentes serviços prestados nas Regiões Autónomas), como serviços triple-play e/ou serviços móveis e também na interligação entre operadores (para qualquer tipo de serviço, nomeadamente voz e serviços sobre IP).

Neste sentido, há que proceder a uma avaliação e ponderação cuidada para, por um lado, se ter em conta a dinâmica concorrencial do mercado retalhista e identificar as fontes dessa dinâmica concorrencial (se, por exemplo, se suporta em redes próprias ou se depende em larga medida das ofertas grossistas da MEO) e, por outro lado, avaliar se o próprio mercado grossista é também dinâmico (quer através do investimento em redes próprias quer através de infraestruturas de terceiros).

Neste contexto, no questionário preparado na sequência dos comentários recebidos, foi pedida informação sobre o mercado retalhista e grossista, bem como sobre a utilização de rede própria, abrangendo não só os tradicionais circuitos alugados como outros serviços de acesso de elevada qualidade (com contenção e/ou com débito assimétrico). Todo este processo determinará um atraso significativo na aprovação de uma decisão final relativa à análise de mercado, justificando assim a necessidade da adoção de medidas provisórias e urgentes como já referido no capítulo 2 deste relatório e nos pontos relativos aos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas e respetivos preços.

Notas
nt_title
 
1 Tendo verificado a ANACOM que, a nível retalhista, (i) determinados clientes estarão a substituir o serviço tradicional de circuitos alugados por outras soluções mais adequadas às suas necessidades e (ii) os clientes empresariais revelam tendência para procurarem soluções integradas de (maior) capacidade e de serviços, ao invés de contratarem circuitos alugados autonomamente.
2 No Considerando (7) e pp. 7 e 15 da Explicação de Motivos associada à Recomendação.
3 ''O processo de análise de mercados tem por objetivo principal identificar se existe concorrência efetiva nos mercados de retalho (a jusante dos mercados grossistas) e, caso não exista, identificar as medidas necessárias (preferencialmente a nível grossista) de modo a corrigir essa falha''.
4 Estes concursos caracterizaram-se por uma grande dimensão das redes envolvidas (de 390 a 1.860 sites) e larga dispersão a nível nacional.
5 [IIC] [FIC].
6 Decisão esta em linha com a de outras ARN e com a própria Comissão, que já tinha suprimido esse mercado da lista de mercados relevantes (anexa à Recomendação da Comissão sobre mercados relevantes de 2007).
7 Ou seja, acessos que ou não são totalmente dedicados, ou não garantem débitos simétricos, ou têm contenção.
8 Estações de base de rede móvel (2G, 3G ou 4G).