I. Factos


a. Requerimento apresentado pela DSTelecom Norte, S.A.

1. Por requerimento1 apresentado em 28.03.2013, a DSTelecom Norte, S.A. (doravante DST) solicita, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 10.º da Lei das Comunicações Eletrónicas (Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro, alterada e republicada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro - LCE), e do n.º 3 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 258/2009, de 25 de setembro2, e pela Lei n.º 47/2013, de 10 de julho3 (doravante DL 123/2009), que a ANACOM intervenha no diferendo que a opõe à Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana (de ora em diante AMTQT).

Em síntese, alega a DST que:

A 08.05.2012 apresentou, junto da AMTQT, um pedido de acesso às condutas da rede comunitária de banda larga detida por aquela Associação (Rede Comunitária de Banda Larga da Terra Quente Transmontana, doravante RCBLTQT) para instalação de fibra ótica, pelo prazo mínimo de 20 anos.

Em 16.05.2012 a DST foi informada por ofício da AMTQT4 que o pedido de acesso apresentado fora deferido.

A par do deferimento do pedido de acesso, a AMTQT veio exigir, pela utilização das condutas, o pagamento das seguintes remunerações: €3.10/m no backbone e €3,76/m nas redes locais, exigindo que a totalidade do preço relativo ao período mínimo de 20 anos fosse paga com o início da utilização das condutas5.

A DST discordou das condições apresentadas pela AMTQT, quer no que se refere aos valores exigidos, quer no que respeita ao pagamento da totalidade do preço pelos 20 anos de utilização das infraestruturas, tendo manifestado o seu desacordo à AMTQT6.

Em 20.07.2012, após um período de impasse, realizou-se uma reunião entre a AMTQT e a DST, tendo a Associação mostrado abertura para analisar a situação, tendo sido acordado que a DST iria sugerir um conjunto de modelos económicos de remuneração, o que foi feito e enviado à AMTQT, por email de 26.07.2012.

Em 27.09.2012 a AMTQT apresentou uma contraproposta tendo as partes prosseguido com a negociação de valores e condições.

Em 08.10.2012 a DST decidiu aceitar as condições comerciais apresentadas pela AMTQT, face à urgência na resolução do impasse, embora as considerasse inadequadas em alguns aspetos face ao praticado no mercado.

De acordo com a carta enviada pela DST à AMTQT as condições comerciais indicadas pela Associação e à data aceites foram as remunerações para a utilização das condutas durante o período de vida útil, que se estima de 20 anos, incluindo caixas de visita, e que eram as seguintes: €3,10/m no backbone; €3,76/m nas redes locais.

Em 23.10.2012 a AMTQT respondeu, impondo as seguintes condições de pagamento:

- 50% do valor global com a assinatura do contrato ou com o arranque dos trabalhos de colocação da fibra; restantes 50% a liquidar em função da evolução dos mesmos trabalhos com apresentação prévia de garantia;

- Restantes condições e termos contratuais a estabelecer entre as partes.

A DST entende que as condições de pagamento propostas pela AMTQT são inaceitáveis por desfasadas das condições de mercado, sendo que o pagamento precoce (logo com a assinatura do contrato ou com o arranque dos trabalhos, ou seja, antes da aceitação das condutas) de um montante significativo (50% do valor global do contrato) representa um risco elevado para a DST, face ao desconhecimento absoluto sobre as atuais condições da rede da AMTQT, podendo nomeadamente, surgir dificuldades na passagem do cabo.

Em 30.10.2012 a DST propôs à AMTQT a celebração de um contrato simples que desse tempo às partes para finalizar um contrato que incluísse não só as obrigações financeiras e de prestação básica do acesso às condutas mas também todos os compromissos operacionais e as garantias recíprocas mútuas. As condições propostas pela DST encontram-se descritas no ponto 21 do seu requerimento.

Em 02.11.2012 a AMTQT rejeitou as condições apresentadas pela DST e reiterou as anteriormente transmitidas, ao que a DST informou não poder aceitar pagar 50% do valor global do contrato logo no momento da assinatura sem que a Associação prestasse garantias, face ao total desconhecimento sobre o atual estado da rede7.

Em 12.11.2012 a AMTQT enviou à DST uma minuta do «contrato para acesso a infraestrutura apta ao alojamento de fibra ótica da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana», a qual incluía as condições já reputadas de inaceitáveis pela DST, designadamente as contidas nas cláusulas 4ª8 e 5ª9 da minuta.

Em 25.11.2012 a DST devolveu a minuta de contrato à AMTQT com alterações, que traduziam grosso modo, as propostas apresentadas pela DST em 30.10.2012.

Em 05.12.2012 a AMTQT respondeu à DST, enviando nova versão do contrato, no qual rejeitou praticamente todas as alterações propostas por esta e repõe praticamente as condições de pagamento por si estabelecidas:

- 50% do valor global com a assinatura do contrato e restantes 50% serão pagos, durante o prazo previsto para a instalação de fibra ótica, em prestações mensais ou numa única prestação se o prazo de execução dos trabalhos for inferior a um mês;

- apresentação prévia, pela DST, de garantia bancária correspondente a 50% do preço contratual total;

- níveis de serviço (fases de instalação e exploração): 6 dias para resolução definitiva e 24 horas lineares para resolução provisória.

Em 06.03.2013 a DST efetuou uma última proposta contratual à AMTQT, aceitando o pagamento, à cabeça, do equivalente a um ano de contrato, com possibilidade de renovação do contrato por 20 anos, desde que no intervalo do primeiro ano fosse possível fazer a aceitação da rede, e liquidando o remanescente equivalente aos 20 anos após aceitação.10

Em 20.03.2013 a AMTQT rejeitou a proposta da DST11, tendo esta última dado início ao presente procedimento administrativo de resolução de litígios.

Contudo, após a DST ter dado início ao procedimento administrativo de resolução de litígios, a DST e a AMTQT conseguiram alcançar um acordo mínimo quanto ao clausulado do contrato a celebrar, tendo assinado em 25.07.2013 o Contrato para Acesso a Infraestrutura Apta ao Alojamento de Fibra Ótica, fazendo referência no seu clausulado (na cláusula 18.ª, n.º 1) que o mesmo seria “revisto em função das conclusões que o ICP-ANACOM emitisse à exposição que a DST fez relativamente às condições de pagamento”.

Por carta de 16.09.2014, a DST vem reformular o pedido constante do requerimento de 25.03.2013, tendo em conta, quer o tempo decorrido, quer o contrato entretanto celebrado com a AMTQT, solicitando que a ANACOM se pronuncie sobre a fixação definitiva das condições de remuneração do acesso e utilização da rede detida pela AMTQT.

2. Nessa sequência, a ANACOM reuniu a 20.02.2015, nas suas instalações no Porto, com a AMTQT para discutir o acordo estabelecido com a DST para acesso às suas condutas. Numa primeira fase a DST considera que as condições propostas pela AMTQT estão feridas de ilegalidade porque:

- A AMTQT nunca aprovou nem publicitou os procedimentos e condições de acesso e utilização das infraestruturas, incluindo designadamente as condições contratuais tipo aplicáveis e as condições remuneratórias aplicáveis ao acesso e utilização de infraestruturas nos termos do que estabelece o DL 123/2009 - artigos 17.º, alínea c) e 18.º, n.º 1, alíneas d) e e).

«A lei impõe que o acesso às infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas seja assegurado em condições de igualdade, transparência e não discriminação, mediante condições remuneratórias orientadas para os custos (…)». Refere a DST que tais princípios «proíbem que as condições de acesso e utilização, designadamente as remuneratórias, possam constituir uma barreira a quem pretende obter o acesso».

Assim, conclui que as condições remuneratórias fixadas constituem um manifesto entrave ao acesso uma vez que a Associação exige que a DST pague a totalidade do preço contratual relativo ao período de 20 anos no primeiro ano do contrato, apesar do «gozo da coisa locada ser diferido no tempo»;

- A solução proposta pela AMTQT é totalmente desequilibrada atendendo à figura do contrato de locação, afirmando que este tipo contratual pressupõe que a contrapartida pelo gozo da coisa seja paga periodicamente pelo locatário à medida que este vai tendo o uso da coisa locada e que aquela renda só é devida se o locatário puder ter o gozo efetivo do locado. Argumenta a DST que são várias as disposições legais que apontam neste sentido - referindo a alínea a) do artigo 1038.º do Código Civil na qual se prevê que é obrigação do locatário pagar a renda ou aluguer, entendendo-se por renda uma prestação pecuniária periódica (artigo 1075.º do Código. Civil) e, que de acordo com o artigo 1039.º do Código. Civil, o pagamento da renda ou aluguer deve ser efetuado no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita.

- O pagamento antecipado do preço no primeiro ano do contrato representa um custo financeiro antecipado e funciona como um mecanismo de financiamento da AMTQT e representa, só por si, uma violação do princípio da orientação para os custos.

- Com vista a desbloquear o impasse e iniciar rapidamente as obras de instalação da fibra ótica, a DST aceitou, em sede de negociação com a AMTQT, em momento que não precisa, pagar 50% do preço contratual logo com a assinatura do contrato e os restantes 50% com a conclusão da instalação da fibra, desde que a Associação prescindisse da exigência de prestação de caução e prestasse ela própria uma garantia que caucionasse o cumprimento da sua obrigação de disponibilizar o gozo da rede em boas condições de manutenção, o que não veio a acontecer.

- Ao invés, alega a DST que a AMTQT exige que, além do pagamento antecipado de 50% do preço total do contrato no momento da assinatura do contrato, a DST «preste, nessa mesma data, uma garantia de 50% destinada a garantir o pagamento dos 50% remanescentes», o que, na ótica da requerente, constitui um encargo financeiro que considera ser «duplamente pernicioso» pois visa garantir o cumprimento de uma exigência ilegal à luz do princípio da orientação para os custos e impõe um encargo financeiro sobre um encargo financeiro. Acrescenta a DST que esta exigência é desnecessária tendo em conta os compromissos que por si foram contratualmente assumidos perante o Estado Português.

3. Após a celebração do contrato entre a DST e a AMTQT, e com o pagamento de [início de informação confidencial - doravante IIC] [fim de informação confidencial - doravante FIC] euros (já com IVA) por parte da DST, correspondente a 50 por cento do preço pela utilização das condutas, a DST reformula o pedido apresentado em 28.03.2013, requerendo, ao abrigo do artigo 10.º da LCE e do n.º 3 do artigo 19.º do DL 123/2009, que a ANACOM «determine que o acesso concedido pela Associação à DST seja efetuado nas seguintes condições:

(i) Pagamento do remanescente do preço contratual ([IIC] [FIC] euros) em prestações anuais, que se vencerão no dia 1 de janeiro de cada ano civil;

Ou caso assim não se entenda, sem conceder

(ii) Pagamento do remanescente do preço contratual ([IIC] [FIC] euros) com a conclusão da instalação da fibra ótica por parte da DST, mediante apresentação, nesta data, de garantia bancária on first demand por parte da AMTQT, correspondente a 20 por cento do preço contratual total relativo aos primeiros 10 anos do período contratual.

E, cumulativamente,

(iii) Não prestação de qualquer garantia bancária por parte da DST.

b. Notificação da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana

Realizada, pela ANACOM, uma análise preliminar do que foi alegado pela DST constata-se que:

- A DST é uma empresa de comunicações eletrónicas [alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º do DL 123/2009] e como tal deve ser admitida a solicitar a intervenção da ANACOM nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º daquele diploma;

- A AMTQT é uma associação de direito público que detém e explora infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas e, como tal, está obrigada a assegurar o acesso às mesmas nos termos do que estabelece o Capítulo III do DL 123/2009;

- A ANACOM tem competência para supervisionar o cumprimento das obrigações fixadas no DL 123/2009 e para avaliar e decidir sobre a admissibilidade da recusa de acesso a uma determinada infraestrutura ou sobre a adequação do valor da remuneração solicitada pelo acesso às infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas, - no caso, pela AMTQT- à regra de orientação dos preços para os custos prevista no diploma identificado;

- O pedido de intervenção foi apresentado dentro do prazo previsto na lei - à data em que foi solicitada a intervenção da ANACOM ainda não tinha decorrido um ano sobre o início das negociações entre DST e a AMTQT e o impasse/litígio sobre as condições remuneratórias apenas surge entre setembro de 2012 e março de 2013;

- A decisão que a ANACOM venha a proferir vinculará as duas entidades em litígio.

Considerando o acima exposto, em 17.05.201312 a ANACOM notificou a AMTQT do pedido deduzido para que, querendo, se pronunciasse, por escrito, no prazo de 10 dias úteis, sobre a matéria constante do requerimento apresentado pela DST e, com o objetivo de avaliar da adequação da remuneração reclamada pela utilização das infraestruturas em questão, tendo presente o que fixa o DL 123/2009 e em particular o artigo 13.º, n.º 4 e o artigo 19.º, n.os 1 e 4, solicitou à AMTQT que no prazo de 10 dias úteis remetesse à ANACOM as informações que a seguir se indicam:

-  Toda a informação relativa às infraestruturas aptas (condutas, postes, etc.) por si utilizadas ou geridas, indicando, em particular,

  • As infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que detém ou cuja gestão lhe incumba, de conformidade como que prevê a alínea a) do artigo 17.º e tendo presente a subalínea i) da alínea a) do n.º 2 do artigo 96.º do DL 123/2009;
  • A identificação, no âmbito das infraestruturas por si detidas ou geridas, de quais as que pertencem ao domínio público ou privativo das autarquias locais e a que título foi a sua gestão atribuída à AMTQT;
  • Os procedimentos e condições de acesso e utilização das infraestruturas por si detidas ou geridas conforme previsto na alínea c) do artigo 17.º e tendo presente também a alínea b) do n.º 2 do artigo 96.º do DL 123/2009;
  • Quais as empresas de comunicações eletrónicas que se encontram instaladas nas infraestruturas por si detidas ou geridas bem como os termos e condições aplicados a essas empresas;
  • O cadastro das infraestruturas que até à presente data esteja realizado.

- Detalhe dos custos envolvidos, tendo presente o definido no n.º 1 do artigo 19.º do DL 123/2009, tanto no que respeita ao conjunto da infraestrutura associada ao pedido da DST, como para outros eventuais acessos concedidos, bem como a fundamentação para os preços propostos para o acesso.

Na mesma data a DST foi informada das diligências realizadas13.

c. Resposta da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontana

Por ofício datado de 30.05.201314 a AMTQT veio dar resposta aos esclarecimentos solicitados e pronunciar-se sobre o deduzido pela DST. A resposta da AMTQT está estruturada em duas partes (A - Antecedentes e B - Contraditório) que a seguir se sintetizam.

Notas
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1 Registado com o n.º 2013046767.
2 Decreto-Lei n.º 258/2009, de 25 de setembrohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=981371.
3 Lei n.º 47/2013, de 10 de julho Link externo.http://www.dre.pt/pdf1s/2013/07/13100/0397304004.pdf.
4 Ofício AMTQT referência 291, de 16.05.2012.
5 Adite-se que remetendo a DST a este propósito para o documento 4, anexo ao requerimento inicial, do mesmo não consta qualquer referência à exigência de pagamento da totalidade do preço relativo ao período mínimo de 20 anos no início da utilização das condutas.
6 Registe-se que a DST não junta documento comprovativo de ter manifestado aqui o seu desacordo nem da data em que o terá feito.
7 No requerimento que dá origem à presente resolução administrativa de litígio a DST não apresenta documento comprovativo desta comunicação.
8 Cláusula 4ª «condições de pagamento. O pagamento do encargo total de Contrato será feito nas seguintes condições: 50% com a assinatura do contrato. Os restantes 50% serão pagos, durante o prazo previsto para a instalação de fibra ótica, em prestações mensais ou em única prestação se o prazo de execução dos trabalhos for inferior a um mês».
9 Cláusula 5.ª «Garantia de pagamento. Como garantia de pagamento de 50% do encargo total o segundo outorgante apresenta garantia bancária (...)».
10 Conforme documento 14 anexo ao Requerimento inicial. O documento junto pela DST a este propósito, composto por 3 emails trocados entre a Requerente e a Requerida, dá nota das condições propostas por aquela, identifica como principal fator de divisão entre as partes, no entendimento da DST, o «pagamento prévio para 20 anos sem qualquer garantia e antes da aceitação formal», dando ainda nota de uma minuta contratual que terá sido enviada pela AMTQT à DST a 30 de janeiro de 2013.
11 Conforme documento 15 anexo ao Requerimento inicial. No documento a AMTQT não aceita a alternativa contratual apresentada e remete, reiterando, para as condições definidas na minuta do contrato que terá sido apresentada à DST.
12 Através do ofício ANACOM-S021330/2013.
13 Ofício ANACOM-S021334/2013.
14 Rececionado a 31.05.2013.