3.2. Da alegada falta de fundamento


A Vodafone começa por sustentar que é infundada a imputação que lhe é feita na Deliberação de 30.10.2014 quanto a não ter dado cumprimento ao disposto no n.º 6 do artigo 48º da LCE, uma vez que comunicou, em janeiro de 2014, com vista à sua entrada em vigor em fevereiro de 2014, através de SMS, a decisão de adotar o mecanismo do 2º saldo aos seus clientes com tarifários pré pagos, sendo que, por impossibilidade de comunicar a totalidade das alterações devido às limitações de caracteres dos SMS, optou por informar os clientes de forma genérica, remetendo-os para o seu sítio de internet ou para um número telefónico, para obtenção de informação completa e pormenorizada sobre as referidas alterações e respetivos direitos.

Não procede, porém, a argumentação da Vodafone.

Desde logo, não é verdade que tenha cumprido o prazo de antecedência prévia previsto no n.º 6 do artigo 48º da LCE, e muito menos que o tenha excedido.

Conforme se apurou na ação de fiscalização efetuada em 27.10.20141, a Vodafone efetuou um aviso em janeiro de 2014, através de um SMS enviado para os clientes com tarifários pré pagos, informando os da existência de alterações contratuais, mas não referenciando em particular informação sobre o segundo saldo para realizar chamadas para números 760; sendo que, durante o ano de 2014, fez diversas atualizações da informação relacionada com esse assunto, no seu sítio da Internet, informando nessa sede os clientes sobre a necessidade de adiar a data de implementação daquele procedimento.

Neste sentido, veja-se o documento 1 anexo ao Auto de Diligência, constituído por cópia de um e-mail da Vodafone datado de 27.10.2014, que foi facultado aos Agentes de Fiscalização no âmbito da referida diligência, onde se pode ler:

«SMS enviado em janeiro:

- aos Clientes com tarifários que não sofrem aumento:
A 1Fev condicoes e preços Vodafone serão actualizados 2,5%. O seu plano não tem alteração. + info a 1Jan: 12710, info completa na pag do tarifario em Vodafone.pt

- aos clientes com tarifários que têm aumento:

A 1Fev a Vodafone altera as condições dos serviços e actualiza os preços. + info a 1Jan: 12710 ou consulte completa na pag do tarifario em Vodafone.pt

Daqui resulta que o aviso efetuado em janeiro de 2014, por SMS, limitava se a referir, genericamente, a existência de alterações das condições dos serviços e atualização dos preços, sem qualquer referência ou especificação sobre a exigência de um 2º saldo para o acesso aos números 760. E, sendo mais do que uma as alterações contratuais que a empresa pretendia introduzir, menos clara era ainda a informação enviada. Note-se que, os destinatários do primeiro SMS transcrito poderiam até pensar que, no seu caso, não haveria quaisquer alterações. Assim, mesmo apenas quanto a este aspeto da informação em falta (e há outro, como foi referido na Deliberação de 30.10.2014), tal aviso não cumpria a função exigida pelo n.º 6 do artigo 48º da LCE de informar sobre a concreta alteração consubstanciada na necessidade de criação e carregamento de um segundo saldo para o acesso à gama 760 por parte dos assinantes com tarifários pré-pagos.

Além disso, as sucessivas atualizações no sítio da internet da Vodafone sobre o adiamento da implementação do procedimento objeto do aviso de janeiro de 2014 não podem deixar de ter criado incerteza aos respetivos destinatários quanto à efetiva data de entrada em vigor daquelas alterações (mesmo quando tenham acesso à Internet, o que não sucederá certamente em todos os casos), circunstância que, como é evidente, só por si põe em causa o desígnio de certeza da data da produção de efeitos subjacente à exigência de um pré-aviso.

E tanto assim é que, conforme se apurou igualmente na ação de fiscalização efetuada em 27.10.2014, a Vodafone sentiu a necessidade de enviar, em 16.10.2014, por SMS, um aviso, esse sim sobre a exigência de um 2º saldo, a partir de 22.10.2014, alegadamente para todos os clientes com tarifários pré-pagos – cfr. o referido documento 1 –, tendo igualmente feito a publicação desse anúncio no seu sítio de internet, o que bem demonstra que considerou que, dado o tempo entretanto decorrido, a eficácia do alegado aviso de janeiro de 2014 não se podia estender até 22.10.2014 e, ainda, que esse aviso não especificava a alteração contratual a efetuar. Ora, esse segundo pré-aviso, de 16.10.2014, não respeitava o prazo de um mês de antecedência relativamente à introdução desta alteração aos contratos.

Termos em que se conclui que a alteração imposta pela Vodafone aos tarifários pré-pagos a partir de 22.10.2014 não foi precedida de comunicação escrita com a antecedência mínima de um mês.

Quanto à informação sobre as alterações contratuais, bem como sobre o direito dos assinantes de rescindir o contrato sem qualquer penalidade, nenhum dos SMS invocados pela Vodafone cumpriu integralmente estas exigências:

- o SMS alegadamente enviado em janeiro de 2014 era absolutamente omisso quanto à exigência de um 2º saldo para realização de chamadas para a gama “760”, limitando-se a referir “alterações das condições dos serviços e atualização dos preços”, para cujo conhecimento teria de recorrer-se ao sítio da Internet da empresa ou de telefonar para um número indicado (não se dando sequer a saber se a chamada era ou não gratuita); além disso, não informava os assinantes do seu direito de rescindir o contrato sem qualquer penalidade, no caso de não aceitação das novas condições, no prazo fixado no contrato;

- o SMS alegadamente enviado a todos os clientes com tarifários pré-pagos a 16 de outubro, também não continha a informação completa sobre a alteração imposta, uma vez que, para informar o assinante sobre a forma de carregar o segundo saldo, lhe exigia o envio de um SMS, ainda que gratuito, e também não informava os assinantes sobre o respetivo direito de rescindir o contrato sem qualquer penalidade no caso de não aceitação da nova condição.

Conforme resulta da documentação recolhida no âmbito da ação de fiscalização, o sítio de internet da Vodafone, apesar de fazer referência, em nota de pé de página, à alteração, a partir de 1 de fevereiro de 2014 /1 de março de 2014/ 1 de abril de 2014 / 1 de outubro de 2014, ao saldo para as chamadas para números iniciados por 760, não contém, nem sequer remete para outra fonte, qualquer referência ao direito dos assinantes de rescindir o contrato sem qualquer penalidade, no caso de não aceitação das novas condições.

Quanto às alegadas limitações de carateres dos SMS, a LCE não obriga o prestador a enviar apenas um único SMS informativo, pelo que a Vodafone poderá, perante essa alegada impossibilidade, enviar ao assinante a informação exigida pelo n.º 6 do artigo 48º da LCE repartida pelo número de SMS necessários para esse efeito.

Relativamente às alegadas situações similares, em que terá informado os assinantes de forma genérica remetendo-os para o seu sítio de internet, e que não terão tido censura do ICP-ANACOM, a Vodafone não especifica que situações foram essas e em que se traduziu a respetiva similitude, sendo que o único caso que identifica - respeitante a uma Deliberação de 11.12.2008 - se reporta a uma situação específica, em que, havendo um conjunto relevante de alterações aos contratos operadas ex lege, e não da iniciativa do prestador de serviços, o ICP-ANACOM (e não a lei) determinou que delas fosse dado conhecimento aos assinantes por comunicação escrita, admitindo que essa comunicação, no tocante aos assinantes de tarifários pré-pagos que não tivessem disponibilizado os seus dados de identificação, fosse substituída pelo envio de SMS com indicação da página do site do prestador na qual constasse a informação. Neste caso, a obrigação do envio da comunicação foi estabelecida pelo ICP-ANACOM e não por lei; e foi definida logo nos termos indicados, não sendo legítimo à Vodafone pretender a extrapolação deste procedimento para situações em que a LCE exige uma comunicação escrita e não prevê a sua substituição.

A Vodafone alega que, ao contrário do que o ICP-ANACOM sustentara, houve tempo para os assinantes reagirem à medida por si adotada em 22.10.2014, visto que, em poucos dias de adoção do 2.º Saldo registou mais de 6 000 carregamentos. Mas esse facto não implica que tenha sido facultada aos assinantes toda a informação devida e com a antecedência estabelecida, não podendo saber-se quantos assinantes teriam reagido, e como (pois uma parte deles poderia ter rescindido os contratos), caso as condições legais tivessem sido observadas; o facto apenas significa que alguns dos utilizadores habituais dos serviços prestados através da gama “760”, ao pretenderem aceder aos mesmos a partir dessa data, viram-se confrontados com uma mensagem sonora que os alertava para a necessidade de carregamento de um 2º saldo para esse efeito, podendo até ter pensado não terem alternativa ao carregamento exigido. Portanto, o argumento da interessada em nada prejudica a conclusão de que se partiu relativamente à falta de pré-aviso adequado.

Além disso, na sequência da medida adotada em 22.10.2014, outros operadores receberam queixas por parte de clientes dos seus serviços prestados através dessa da gama de numeração “760” (vg. concursos, inquéritos ao mercado, angariação de fundos/donativos)”, alegando também terem registado uma redução das respetivas  receitas na sequência da diminuição das chamadas para essa gama de numeração´.

Não é verdadeira a alegação da Vodafone de que, em respeito pelo enquadramento legal e regulatório aplicável, adiou a adoção do 2º saldo (inicialmente projetada para fevereiro de 2014), até que a legitimidade da sua atuação viesse a ser comprovada, o que – segundo alega – se veio a verificar através da Deliberação proferida pelo ICP-ANACOM a 21 de outubro de 2014, que terá reconhecido a possibilidade de adoção de um segundo saldo pelos operadores. O adiamento da decisão em causa não se deveu ao seu respeito pelo enquadramento legal e regulatório aplicável, nem a qualquer espera de legitimação da sua atuação por parte do ICP-ANACOM, mas sim a dificuldades técnicas na implementação dessa medida, como foi expressamente afirmado pela colaboradora da Vodafone presente na ação de fiscalização efetuada em 27.10.2014. Na verdade, caso a Vodafone estivesse a aguardar a legitimação da sua atuação – que, conforme alega, teria vindo a suceder através da Deliberação de 21.10.2014 – não se compreende por que razão enviou aos clientes o SMS informativo em 16.10.2014, ou seja, cinco dias antes de ser emitido o alegado ato legitimador, sem que possuísse informação sobre a data em que tal ato iria ser proferido. Acresce que a referida Deliberação de 21.10.2014 não legitimou, bem pelo contrário, a imposição unilateral de qualquer medida restritiva do acesso a gamas de numeração do Plano Nacional de Numeração, tema ao qual se voltará adiante.
 
Não colhe igualmente a alegação de que a medida urgente adotada pelo ICP-ANACOM visou defender os interesses de terceiros e não dos consumidores, uma vez que, segundo a interessada, para este último efeito, seria suficiente a exigência do cumprimento das regras de comunicação prévia por parte da Vodafone.

Ora, a exigência do cumprimento das regras de comunicação prévia por parte da Vodafone levava necessariamente à suspensão da medida, pois não havia outra forma de fazer observar o prazo de um mês de antecedência que o n.º 6 do artigo 48.º da LCE exige.

Acresce que a medida urgente determinada à Vodafone visou salvaguardar, em primeira linha, os direitos dos assinantes utilizadores da gama de numeração “760”, os quais, como se referiu na Deliberação de 30.10.2014, foram confrontados com uma restrição imposta unilateralmente ao acesso à gama de numeração ‘760’, sem uma comunicação prévia com a antecedência e o teor legalmente exigidos; estas deficiências da comunicação prévia reduziram a possibilidade de reação dos assinantes à medida adotada, privando-os de tempo e informação para rescindirem os contratos ou até, apenas, para carregarem o segundo saldo; assim, as deficiências apontadas tornaram a alteração contratual em questão ainda mais constrangedora da liberdade dos assinantes do que qualquer medida imposta unilateralmente sempre seria, sobretudo uma medida que impede os assinantes de utilizarem de forma livre os carregamentos feitos, por vezes antes de terem conhecimento da limitação que veio a ser-lhes imposta. E, assim, esta falta de comunicação prévia regular agudizou e agravou as consequências desse tipo de medidas (para os próprios assinantes e para terceiros), pois os clientes não dispuseram nem da informação adequada nem de um mês, mas antes de poucos dias, para uma opção, livre e esclarecida, que a lei lhes garante.

Conforme a Vodafone igualmente refere, a disponibilização do 2º saldo não consubstanciava, em si, uma conduta ilegal – à data em que foi executada. Sê-lo-á no entanto à luz do Regulamento n.º 495/2014, de 21.10, mormente do respetivo n.º 1 (que densificou a condição prevista na alínea j) do n.º 1 do artigo 27º da LCE), por se tratar de uma medida imposta unilateralmente.

Termos em que se conclui que a alteração imposta pela Vodafone aos tarifários pré-pagos a partir de 22.10.2014 não foi precedida de comunicação escrita aos assinantes com a informação completa sobre essa alteração contratual, nem com a informação sobre o seu direito de rescindir o contrato sem qualquer penalidade, no caso de não aceitação da nova condição, no prazo fixado no contrato.

Conclui-se, assim, pela manifesta improcedência das considerações tecidas pela Vodafone quanto à falta de fundamento da medida urgente que lhe foi determinada, entendendo-se que não existe qualquer fundamento válido para a revogação da Deliberação de 30.10.2014, que é um ato plenamente válido.

Notas
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1 Cfr. Auto de Diligência.