2.3. A falta de proporcionalidade de imposição de uma obrigação de acesso à rede de fibra da MEO



2.3.1. Nas Áreas NC em geral

A ANACOM já tinha defendido - e mantém - que a imposição de acesso à fibra ótica da MEO, nas Áreas NC em geral, não é proporcional. Com efeito:

(a) As obrigações de acesso à rede de fibra ótica da MEO seriam impostas em áreas onde, ainda hoje, este operador não tem praticamente cobertura de fibra. Evidencia-se que em Portugal o operador com a maior cobertura de RNG não é a MEO mas sim a NOS, sendo que nas Áreas NC a MEO tem até uma cobertura muito reduzida1. A concorrência em termos de acesso à banda larga de alta velocidade é baseada na concorrência entre infraestruturas de rede alternativas, sendo a cobertura de rede de fibra da MEO muito semelhante, quer em termos de dimensão, quer em termos de localização, à do terceiro operador (Vodafone).

(b) A posição de PMS da MEO resulta fundamentalmente da sua quota de mercado retalhista nos acessos em cobre (ADSL) e não em fibra (nas áreas NC, a quota de mercado da MEO, em termos de acessos suportados em RNG, é de 31% [e seria apenas de 19% se fossem considerados os acessos LTE]2).

(c) No período a que se refere esta análise não existe, nas Áreas NC, o reconhecimento de um problema no mercado retalhista que obrigue à imposição de medidas de acesso à fibra (em complemento às medidas de acesso a condutas, acesso a postes, acesso ao lacete local e acesso à oferta Rede ADSL PT) no mercado grossista.

(d) A evidência demonstra que a posição dominante da MEO, nos acessos em cobre, não é, per se, uma vantagem, uma vez que os operadores que instalam RNG nas Áreas NC ‘retiram’ rapidamente quota de mercado à MEO. Por exemplo:

i. a quota de mercado da MEO reduziu-se em pelo menos 20 pontos percentuais3 em 146 freguesias incluídas em Áreas NC, que tinham, no 3.º trimestre de 2014, menos de 15% cobertura de RNG, e que passaram a ter cobertura por parte de algum operador alternativo no 3.º trimestre de 20164 - ver Tabela A2 do Apêndice Estatístico;

ii. a MEO sofreu uma redução da sua base de clientes de banda larga em cerca de 7% naquelas áreas5,

o que significa que, não só a penetração de mercado aumentou, como os operadores alternativos angariaram um número razoável de clientes da MEO (i.e., churn), ou seja, não há evidência de custos de mudança suscetíveis de bloquear a mobilidade dos consumidores e a concorrência.

(e) A imposição de obrigações de acesso à rede de fibra da MEO, nas Áreas NC, poderia ter impactos negativos já que previsivelmente poderia desincentivar a empresa a investir e, simultaneamente, reduzir o incentivo ao investimento por parte dos operadores alternativos que ficariam à espera do investimento do operador regulado6. A evidência empírica disponível sugere um impacto negativo da regulação do acesso no investimento em rede7. A prazo, este impacto negativo da regulação do acesso no investimento poderia acabar por prejudicar a concorrência na prestação de serviços com base em RNG, precisamente pela falta de investimento nestas redes, que é essencial para que possa haver concorrência em serviços suportados em RNG8.

(f) Os argumentos apresentados sobre a falta de adequação da medida fundamentam também a sua não necessidade. Neste sentido importa ainda referir que no contexto criado pelas obrigações regulatórias em vigor (como a regulação do acesso a infraestruturas de construção civil - postes e condutas), os operadores têm desenvolvido de uma forma dinâmica os seus planos de investimento, ocupando o mercado português um lugar de destaque na Europa em termos de cobertura de RNG.

(g) As fortes medidas regulamentares grossistas impostas pela ANACOM em termos de acesso a condutas e a postes (que a ANACOM se propõe reforçar com a imposição de equivalência de input - EdI) diminuíram as barreiras à expansão (redução dos custos de investimento) e asseguraram um level playing field para o desenvolvimento de RNG, criando condições similares para o efeito entre todos os operadores.

O reforço destas medidas constitui uma medida menos gravosa do que seria a obrigação de acesso à fibra, sendo expectavelmente suficiente para alcançar o fim visado.

A forte dinâmica do mercado português e as mudanças que se têm verificado no sector reforçam a posição da ANACOM nesta matéria, sem prejuízo do compromisso assumido e comunicado à Comissão e ao ORECE durante a fase II, de monitorizar atentamente a respetiva evolução, nomeadamente nas Áreas NC, de agir rapidamente impondo medidas adicionais caso estas se venham a justificar, e de antecipar e iniciar, se necessário, a análise de mercados, dentro de 2 anos.

Entre os desenvolvimentos recentes do mercado constata-se o seguinte:

(a) A penetração de banda larga nas Áreas NC é ainda relativamente reduzida (cerca de 30% - ver Tabela A3 do Apêndice Estatístico) e não existem custos relevantes de mudança de operador, o que é evidenciado pela capacidade de angariação da maioria dos novos clientes, nas referidas áreas, demonstrada pelos operadores alternativos e, bem assim, pelo facto de estes terem vindo a ganhar quota de mercado à MEO.

(b) Tem-se verificado, no mercado, uma dinâmica de investimento e de concorrência, tendo os operadores alternativos inclusivamente levado a cabo investimentos em RNG nas Áreas NC, cobrindo, nestas áreas, um número de alojamentos superior ao coberto pela MEO. Assim:

i. Existem freguesias nas Áreas NC onde os operadores alternativos já têm uma cobertura significativa de RNG (designadamente nas áreas predominantemente urbanas9, em que a cobertura é superior a 50% e nas áreas mediamente urbanas é que é de cerca de 33% - ver Tabela A5 do Apêndice Estatístico).

ii. Existem, ademais, redes abertas, construídas com investimentos públicos, em várias freguesias das Áreas NC.

iii. Não é expectável que no período de vigência da atual análise de mercados se verifique qualquer investimento relevante por parte da MEO, em RNG, nas restantes freguesias, i.e., nas áreas predominantemente rurais. É natural, como resulta das próprias intenções de investimento da MEO, que ao longo dos próximos anos os seus investimentos se concentrem em áreas urbanas, com maior interesse económico e em que, muitas vezes, os operadores alternativos já estão instalados, e não em áreas rurais, em média de menor interesse económico imediato10.

(c) Por fim, os operadores praticam, desde sempre, preços uniformes no território nacional, pelo que, no limite, e ainda que a MEO fosse o único operador presente em determinadas áreas, as populações destas áreas beneficiariam dos mesmos preços de que beneficiam os clientes da empresa nas Áreas C, já que os preços que esta pratica estão condicionados pela concorrência em que incorre nestas áreas (sem prejuízo de os operadores alternativos disporem de opções, por exemplo o LTE em local fixo, para ganhar quota de mercado nestas áreas).

(d) Adicionalmente, o LTE em local fixo11 está a assumir um papel cada vez mais importante nestas áreas, tendo permitido aos operadores alternativos conquistar clientes de banda larga e construir uma base de clientes que poderá facilitar e incentivar o desenvolvimento e o investimento sustentável em RNG. Note-se que, entre o 3.º trimestre de 2014 e o 3.º trimestre de 2016, 85% dos novos clientes de banda larga nas Áreas NC foram conquistados pelos operadores alternativos, incluindo por aqueles que têm ofertas suportadas em LTE em local fixo, sendo que entre o 3.º trimestre de 2014 e o final de 2015, a percentagem de novos clientes captados pelos referidos operadores tinha já sido de 75%12.

Atento o supra exposto, a ANACOM considera que a imposição de uma obrigação de acesso à fibra da MEO não é proporcional, no caso específico do mercado português, na medida em que:

(a) Não é adequada, não sendo um meio eficaz ou suscetível de permitir atingir os fins de regulação pertinentes já que, como antes se referiu, e de acordo com a evidência disponível, a imposição da referida obrigação poderá não promover, e até mesmo desincentivar, o investimento em RNG e consequentemente o desenvolvimento da concorrência, já que esta depende, em primeira instância, da existência de investimento e implementação das RNG.

De facto, o objetivo da imposição do acesso a uma rede de fibra ótica de um operador com PMS é, antes de mais, a promoção da concorrência, já que com base no acesso a essa rede, diferentes operadores poderiam concorrer na prestação de serviços aos utilizadores finais.

No caso em apreço, está em causa regular o acesso a uma rede de fibra que, salvo algumas exceções, ainda não se encontra implantada. Ora, um elemento essencial para assegurar o desenvolvimento da concorrência nos serviços (com base no acesso à infraestrutura do operador com PMS) é a existência de investimento e implantação da rede por parte desse operador. A imposição da obrigação de acesso à rede do operador com PMS, antes de essa rede ser implantada, seria adequada para promover a concorrência se contribuísse para que esse investimento se realizasse, ou, pelo menos, se não o prejudicasse.

Porém, não se encontra estabelecida uma relação positiva entre regulação do acesso e investimento em redes de acesso por parte do operador com PMS. Pelo contrário, como referido, alguns estudos sugerem uma relação negativa entre uma e outro. Assim, existe o risco de a imposição de regulação do acesso a uma rede de fibra ótica que ainda não foi implantada ter um efeito negativo no investimento do operador com PMS.

Neste cenário, nas freguesias onde a obrigação de acesso à fibra viesse a ser imposta, e onde, neste momento, não se encontra implantada a rede de fibra ótica do operador com PMS (isto é, a maioria das freguesias nas Áreas NC), a imposição de tal obrigação não iria contribuir para a concorrência na prestação de serviços baseados no acesso àquela rede de fibra ótica, porque a referida rede não se encontra implantada nem chegaria a sê-lo.

(b) Não é necessária, atendendo ao facto de que, dentro do leque de obrigações disponíveis e adequadas à prossecução dos fins de regulação, apenas pode ser considerada necessária a medida que produza, na esfera jurídica da MEO, o menor grau de lesão, isto é, a menor compressão do direito objeto de restrição.

Sublinhe-se de novo, a este respeito, que o investimento em RNG em Portugal tem tido um desenvolvimento considerável na ausência de obrigações de acesso à rede de fibra da MEO, abrangendo já um número muito elevado de alojamentos, tendo na sua base um conjunto de medidas menos intrusivas, como a regulação do acesso a infraestruturas de construção civil da MEO - postes e condutas - e a imposição de obrigações de acesso simétricas decorrentes do regime previsto no Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio13, através das quais os operadores têm acesso a condutas, postes e outras instalações pertencentes ou geridas quer por entidades que operem no sector, quer por outras que, operando noutros sectores, são detentoras de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas. O investimento em RNG tem sido substancial e tem progredido na ausência de uma obrigação de acesso à fibra.

O mesmo se poderá dizer relativamente ao desenvolvimento da concorrência nos referidos mercados. De facto, as freguesias incluídas nas Áreas NC tendem a evoluir para uma progressiva integração nas Áreas C devido, designadamente, ao investimento em RNG por parte dos operadores alternativos, que impõem uma pressão concorrencial adicional e significativa, dando aos utilizadores finais, nas referidas áreas, escolha de serviços suportados em RNG.

Decorre do exposto que tanto a concorrência como o investimento em RNG se têm desenvolvido na ausência da imposição de uma obrigação de acesso à fibra, sendo expectável que o processo de diminuição das Áreas NC continue.

Saliente-se ainda que o défice de concorrência nestas áreas resulta, fundamentalmente, da quota de mercado retalhista da MEO em termos do número de acessos em cobre (ADSL) e não do número de acessos em fibra, relativamente aos quais a quota de mercado da MEO não ultrapassa os 31% (e se se considerasse a tecnologia LTE não ultrapassaria os 19% - ver Tabela A1 do Apêndice Estatístico).

De facto, a cobertura de RNG do operador com PMS é diminuta nestas áreas e na generalidade do território, sendo que os operadores alternativos têm vindo a ganhar-lhe quota de mercado.

As medidas regulatórias que se têm revelado necessárias para assegurar o desenvolvimento da concorrência (baseada nas infraestruturas) e o investimento eficiente em RNG, e que a ANACOM se propõe reforçar através da imposição de obrigações de equivalência de inputs, são, de facto, as obrigações de acesso a condutas e postes, de acesso ao lacete local e à oferta Rede ADSL PT, complementadas pela regulação simétrica decorrente do Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, na sua redação atual.

(c) Não é proporcional em sentido estrito, já que mesmo que tal medida corretiva fosse adequada e necessária - o que não se verifica - e até sem que se considerem sequer os encargos impostos ao operador com PMS, as vantagens da sua adoção seriam inferiores às desvantagens daí decorrentes. De facto, os benefícios líquidos desta medida são incertos, existindo o risco de serem nulos ou negativos - já que o operador com PMS detinha no final de 2015 uma percentagem extremamente reduzida de RNG implantadas nas Áreas NC (apenas 3% dos alojamentos cablados pela MEO estavam localizados nestas áreas) - e a obrigação imposta poderia levar ao desinvestimento em RNG, por parte da MEO e dos operadores alternativos, nas Áreas NC, como referido.

Assim, o investimento em RNG nas referidas áreas seria prejudicado sem que daí resultassem benefícios para os utilizadores finais.

Os dados adicionais apresentados à Comissão Europeia e ao ORECE, durante a fase II, reforçam o entendimento da ANACOM de que não é proporcional impor uma obrigação de acesso à fibra na totalidade das Áreas NC, inclusive nas áreas predominantemente rurais. Com efeito:

(a) Um conjunto significativo de freguesias nas Áreas NC insere-se em áreas classificadas como predominantemente ou mediamente urbanas (de acordo com a classificação do INE do território nacional por categoria, segundo o seu grau de urbanização), tendo características demográficas e económicas semelhantes às das Áreas C e uma cobertura já significativa de RNG por parte de operadores alternativos (superior a 1/314). Consequentemente, e como a Comissão Europeia parece também reconhecer15, não se justifica nestas áreas (não é necessária) a imposição de uma obrigação de acesso à rede de fibra da MEO.

(b) Outras freguesias incluídas em Áreas NC têm já uma cobertura (superior a 50%) de RNG abertas, implantadas com o apoio de auxílios estatais, e que proporcionam acesso grossista a operadores alternativos. Nestas áreas, tal como a própria Comissão parece também reconhecer34, não se justifica a imposição de uma obrigação de acesso à rede de fibra da MEO.

(c) Nas restantes freguesias em Áreas NC, classificadas como áreas predominantemente rurais, a imposição de uma obrigação de acesso à rede de fibra da MEO não é proporcional, pelos motivos que se detalham no próximo ponto.

2.3.2. Nas freguesias predominantemente rurais das áreas NC

Nestas áreas há um conjunto de indicadores socioeconómicos e demográficos - tais como a densidade de alojamentos, o número médio de alojamentos por freguesia, o número médio de alojamentos por edifício, a taxa de analfabetismo e o índice de envelhecimento -, dos quais decorre, em princípio, um reduzido nível de atratividade para o investimento, quer para a MEO, quer para os outros operadores, nomeadamente quando comparado com o nível de atratividade de outras áreas.

Veja-se o seguinte quadro:

Tabela 1. Indicadores socioeconómicos e demográficos na Áreas C, nas freguesias rurais com RNG abertas e em freguesias predominantemente rurais das Áreas NC (excluindo-se as freguesias onde existem RNG abertas)

Freguesias

Alojamentos por km2

Alojamento por freguesia

Alojamentos por edifício

Taxa de analfabetismo

Índice de envelhecimento

Áreas C

367

6 994

2,46

4,28%

117

Zonas rurais com RNG abertas

 27

 975

1,13

10,80%

327

Áreas NC - APR

18

641

1,04

12,33%

411

Fonte: ANACOM com base nos dados do INE

Estas áreas (mesmo quando comparadas com as freguesias onde foram implantadas RNG abertas, também elas situadas em zonas rurais e que beneficiaram de financiamento público significativo, que propiciou o investimento em RNG) evidenciam, em média:

(a) uma densidade populacional menor (inferior em cerca de 33%);

(b) um número de alojamentos por freguesia menor (inferior em cerca de 34%); e

(c) um menor número de alojamentos por edifício, o que se traduz, à partida, num maior custo de investimento em RNG.

Adicionalmente, estas áreas apresentam uma taxa de analfabetismo e um índice de envelhecimento significativamente mais elevados do que a média das Áreas C e das freguesias com RNG abertas, o que reduz a procura potencial, fator fundamental na definição do plano de negócios de qualquer operador.

Neste sentido, é pouco provável que se venha a registar investimento nas áreas predominantemente rurais no período de vigência da presente análise de mercados, que se prevê seja no máximo de dois anos16.

Nas freguesias predominantemente rurais das áreas NC17, cerca de 69% do aumento de clientes entre o final de 2015 e o 3.º trimestre de 2016 é atribuível à MEO. No entanto, caso se tivesse em conta os acessos LTE em local fixo nestas áreas, o contributo da MEO (para o aumento do número de clientes) seria de apenas 24%18.

Também nestas áreas, todos os operadores se encontram em condições similares para investir em RNG, sem prejuízo de o financiamento público poder vir a desempenhar um papel relevante, existindo até várias freguesias em áreas NC predominantemente rurais onde já existe cobertura de RNG superior a 50% por operadores alternativos que não a DSTelecom e a Fibroglobal (cuja instalação de rede foi significativamente subsidiada) - ver Tabela 2 no ponto 2.4.

Assim, a solução proposta pela Comissão, de impor uma obrigação de acesso à rede de fibra da MEO pelo menos nas áreas predominantemente rurais, não respeita, igualmente, o princípio da proporcionalidade, no caso do mercado português, uma vez que:

(a) Não é adequada, considerando que não é eficaz ou suscetível de atingir os fins pretendidos - a promoção da concorrência -, pois a imposição da obrigação em zonas em que a MEO não tem praticamente cobertura de rede de fibra (a sua cobertura nas freguesias predominantemente rurais das Áreas NC é inferior a 2% - ver Tabela A4 do Apêndice Estatístico), e onde não é o operador com maior cobertura de RNG (que é a NOS), não soluciona o problema de ausência de investimento e concorrência nestas áreas, podendo, outrossim, agravá-lo, pelos motivos antes expostos.

(b) Não sendo adequada, não é necessária para assegurar o acesso concorrencial das populações a serviços de banda larga de alta velocidade. A recente dinâmica do mercado sugere, aliás, que de entre o leque de medidas à disposição da ANACOM para alcançar os objetivos de regulação, existem outras que implicam uma menor compressão da livre iniciativa privada da MEO e que são suscetíveis de alcançar os mesmos fins.

As obrigações já impostas à MEO, que a ANACOM pretende reforçar durante o período de vigência da análise de mercado, são aquelas que se consideram necessárias à prossecução dos objetivos de regulação, complementadas com a regulação simétrica que o Decreto-Lei n.º 123/2009, de 21 de maio, introduziu, e que constitui também um pilar fundamental do sucesso do investimento em RNG em Portugal.

De facto, na sequência da abordagem regulatória que tem vindo a ser seguida, a ANACOM considera que o essencial é continuar a garantir e a reforçar as condições de investimento de todos os operadores. Assim, nas freguesias onde não existem RNG, cada um dos operadores pode investir em circunstâncias semelhantes, com base no acesso a condutas e a postes. E assim tem sido. Aliás, até agora nem tem sido a MEO o operador que mais tem investido em RNG nas áreas rurais.

(c) Refira-se ainda que a perda gradual da quota de mercado da MEO nas Áreas NC tem ocorrido também nas áreas predominantemente rurais19. No entanto, nestas áreas a MEO sofre pressão comercial por parte das ofertas baseadas na OLL (ainda que os operadores não estejam coinstalados na maioria das centrais localizadas nestas áreas), da oferta “Rede ADSL PT” (e também das ofertas baseadas em LTE em local fixo, nomeadamente em pacote com DTH).

(d) Tem-se constatado que nas referidas áreas há outros meios que também promovem o investimento em RNG e que possibilitam o acesso dos utilizadores a ofertas concorrenciais baseadas noutras tecnologias, como a própria rede de cobre e ainda o LTE em local fixo. A este propósito, refira-se que:

i. No contexto da rede de cobre, a ANACOM impôs obrigações de acesso, tanto no mercado de acesso local grossista num local fixo, como no mercado de acesso central grossista num local fixo, para produtos de grande consumo.

ii. O investimento em RNG fixas poderá ser fomentado com recurso a auxílios estatais, incluindo programas de expansão das atuais RNG abertas em áreas rurais, como, por exemplo, os planos de investimento da DSTelecom, ao abrigo do Programa “Comunidades Interligadas” promovido pela Comissão Europeia, para apoiar as regiões e cidades na implantação de RNG.

iii. O investimento em LTE poderá ser assegurado através de iniciativa privada, no quadro da concorrência entre infraestruturas alternativas que tem caracterizado o mercado português. Ainda assim, para promover a universalidade do acesso, o investimento em LTE também resulta de obrigações de cobertura, como as que a ANACOM tem imposto no contexto da atribuição e da renovação de direitos de utilização de frequências para a prestação de serviços de comunicações móveis.

(e) Estima-se que os custos da imposição de uma medida desta natureza, com as características recomendadas pela Comissão Europeia20 (incluindo a EdI e a replicabilidade económica), excederiam largamente os benefícios dela decorrentes, não correspondendo ao ónus mínimo que pode ser exigido à MEO para obter o fim visado, tanto devido ao encargo que lhe seria imposto, como aos efeitos nocivos que poderia ter para o investimento da própria empresa e dos demais operadores.

Não basta que a imposição de uma obrigação de acesso à rede de fibra da MEO nas Áreas NC seja considerada adequada e necessária - requisitos que, no entendimento da ANACOM, não se encontram preenchidos pelas razões que ficaram acima expostas. É fundamental realizar também um juízo de ponderação dos custos e benefícios face ao objetivo que se pretende atingir21, a saber, a concorrência e o investimento sustentado em RNG.

Assim:

i. Caso não seja imposta a obrigação de acesso à rede de fibra nas áreas predominantemente rurais, e mantendo-se a prática de uniformidade tarifária no território nacional adotada até à data, os utilizadores nestas áreas beneficiarão dos mesmos preços e condições praticadas pela MEO nas Áreas C.

ii. As obrigações já vigentes nos mercados em causa (simétricas e assimétricas), que a ANACOM se propõe reforçar no muito curto prazo, como o acesso a condutas e postes (com uma extensa rede no território nacional22), a preços muito reduzidos no quadro das ofertas reguladas (ORAC/ORAP), e a regulação estrita do acesso a infraestruturas em edifícios corresponde ao ónus mínimo imposto à empresa regulada, dados os objetivos que se pretendem atingir. Estas medidas, e ainda a existência de múltiplos pontos de presença dos operadores alternativos no território nacional, asseguram, por si só, condições semelhantes de construção e investimento em RNG para todos os operadores, garantindo assim um level playing field em termos de acesso ao mercado e investimento em RNG. A este propósito destaca-se, por exemplo, o referido pela Comissão Europeia no Impact Assessment relativo à proposta de Diretiva que estabelece o novo Código Europeu para as comunicações eletrónicas23, de que os reguladores terão que escolher a obrigação mais proporcional e efetiva a impor ao operador com PMS, dando prioridade à aplicação exclusiva de uma obrigação de acesso a infraestruturas de construção civil24. Também o ORECE25 reconhece que o acesso a estas infraestruturas, quando disponíveis, tem incentivado o investimento tanto por parte do incumbente, como por parte dos operadores alternativos.

iii. Caso se impusesse a obrigação de acesso à rede de fibra nas referidas áreas, ficando a MEO obrigada a assegurar a replicabilidade económica da oferta, esta poderia decidir aumentar o preço retalhista das ofertas disponibilizadas nas freguesias predominantemente rurais das áreas NC (com a provável quebra da uniformidade tarifária26), de modo a eliminar a margem negativa no fornecimento de serviços grossistas27, mesmo que a utilização dessa oferta regulada por terceiros viesse a ser reduzida, podendo os utilizadores nestas áreas ficar prejudicados (já que incorreriam num preço superior)28.

A MEO poderá decidir não investir em RNG nestas áreas - caso venha a ser regulada -, ficando os utilizadores prejudicados uma vez que, caso os restantes operadores decidam também não investir, aqueles ficarão privados do acesso a RNG e, consequentemente, da concorrência.

iv. Realizada a ponderação dos custos e benefícios relativamente à imposição de uma medida corretiva de acesso à rede de fibra da MEO nas áreas predominantemente rurais, a ANACOM entende que esta não é proporcional no caso específico do mercado português. Saliente-se que o que está em causa não é a decisão de impor, ou não impor, obrigações de acesso ao operador com PMS, mas o tipo e âmbito das obrigações a ser impostas - isto é, ao nível do acesso às infraestruturas de construção civil (condutas e postes) ou, desde logo, também ao nível do acesso à rede de fibra.

A imposição de obrigações de acesso à fibra nas freguesias predominantemente rurais, onde o operador que seria sujeito a tais obrigações ainda não possui redes desse tipo, parece ser uma regulação de natureza preventiva. Tratando-se de acautelar um evento improvável e cujas consequências lesivas (na remota hipótese de ocorrer) poderiam ser revertidas através de medidas que seriam adotadas apenas perante a sua efetiva verificação, considera-se que seria excessivo (e, portanto, violador do princípio da proporcionalidade) impor desde já aquelas obrigações.

Notas
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1 Apenas 3% dos alojamentos cablados pela MEO estavam localizados nestas áreas no final de 2015.
2 Ver Tabela A1 do Apêndice Estatístico.
3 Neste período de dois anos.
4 Independentemente de a MEO ter passado, ou não, a ter também cobertura nessas freguesias.
5 Vide Tabela A2 do Apêndice Estatístico.
6 Considerando a interação entre as empresas ao longo do tempo podem ser consideradas outras estratégias de investimento que podem ser fonte de outras distorções.
7 Vide, por exemplo:
- Michal Grajek and Lars-Hendrik Röller, Regulation and Investment in Network Industries: Evidence from European Telecoms, The Journal of Law & Economics, vol. 55, n. 1 (Fev. 2012), p. 189-216,
- Tony Shortall and Martin Cave, Is Symmetric Access Regulation a Policy Choice? Evidence from the Deployment of NGA in Europe, Communications & Strategies, n. 98, (Abr. 2015), p. 17.
- Klaus Gugler and Wolfgang Briglauer, The deployment and penetration of high-speed fiber networks and services: Why are EU member states lagging behind?, Telecommunications Policy, vol. 37, (Nov. 2013), p. 819-835.
- Wolfgang Briglauer, How EU sector-specific regulations and competition affect migration from old to new communications infrastructure: recent evidence from EU27 member states, J Regul Econ (2015) 48, p.194-217.

8 Refira-se, a este propósito, que a MEO reafirmou recentemente que o seu plano de cobertura alargada do país ''pressupõe a manutenção de condições regulatórias que permitem esse investimento, i.e., a não imposição de obrigações de acesso à fibra. Uma alteração deste enquadramento implicará a reponderação da estratégia de investimento ao nível do Grupo Altice''.
9 De acordo com a classificação do INE do território nacional por categoria, segundo o seu grau de urbanização.
10 De acordo com o referido pela MEO, em carta de 16.12.2016 (com referência S791), a estratégia subjacente ao plano de expansão da rede FTTH ''passa, prioritariamente, por fechar o gap de 1.3 milhões de casas face às redes de cabo, o que irá ocorrer ao longo dos próximos dois anos''.
11 Que não foi incluído na definição do mercado de produto retalhista mas que se tem em conta em termos da pressão concorrencial crescente que exerce e, consequentemente, na avaliação das obrigações a impor e respetiva proporcionalidade.
12 Vide Tabela A8 do Apêndice Estatístico.
13 A este respeito, assinala-se que a proposta de novo Código das Comunicações Eletrónicas em discussão na União Europeia prevê uma abordagem regulatória que de certa forma espelha o modelo de regulação proposto pela ANACOM, nos termos do qual se dá preponderância à regulação exclusiva de acesso a infraestruturas de construção civil e à imposição de obrigações simétricas, sendo que pela dinâmica existente no mercado português não está provado que tais medidas não sejam suficientes.
14 Já excluindo duplas contagens.
15 Vide §61 da Recomendação.
16 Como atrás referido e transmitido pela MEO à ANACOM.
17 Excluindo-se as freguesias com cobertura de RNG abertas.
18 Vide Tabela A8 do Apêndice Estatístico.
19 Nas quais não se perspetivam, por ora, investimentos em RNG, atenta a diminuta atratividade decorrente do nível de retorno do investimento realizado.
20 Recomendação 2013/466/UE, de 11 de setembro, sobre a coerência das obrigações de não discriminação e dos métodos de cálculo dos custos para promover a concorrência e melhorar o contexto do investimento em banda larga. Disponível em Recomendação da Comissão, de 11.09.2013Link externo.http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2013:251:0013:0032:PT:PDF.
21 Veja-se a este propósito o Ac. do TJUE, Proc. 265/87 ''o princípio da proporcionalidade é reconhecido na jurisprudência constante do Tribunal de Justiça como fazendo parte dos princípios gerais de direito comunitário. De acordo com este princípio, a legalidade das medidas que imponham encargos financeiros aos operadores está sujeita à condição de que tais medidas sejam adequadas e necessárias à realização dos objetivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, ressalvando-se que, quando há possibilidade de escolher entre diversas medidas adequadas, convém recorrer à menos gravosa, e que os encargos impostos não devem ser desproporcionados relativamente aos objetivos em vista.''
22 De algumas dezenas de milhares de quilómetros, nas Áreas NC.
23 Vide Proposed Directive establishing the European Electronic Communications Code Link externo.https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/proposed-directive-establishing-european-electronic-communications-code.
24 Determina-se, no referido Impact Assessment, o seguinte: ''NRAs would be required to choose the most proportionate and effective SMP remedy or combination of remedies where necessary, with initial priority to a stand-alone access remedy to civil engineering (e.g. duct access)''.
25 No relatório Challenges and drivers of NGA rollout and infrastructure competition, é referido o seguinte: ''Where ducts are available, access to this infrastructure incentivises alternative operators’ as well as incumbent operator's fibre rollout. With the deployment of parallel fibre networks, regulation could be limited or reduced to duct access (PT, some areas in ES) and with co-investment schemes, regulation could be limited to (symmetric) passive access and duct access (FR)''.
26 O que sucedeu, aliás, no caso da regulação da oferta Rede ADSL PT, em que a MEO quebrou a uniformidade tarifária no retalho.
27 Conforme melhor se explicita em secção autónoma do presente documento.
28 De facto, a MEO terá custos superiores na prestação do serviço nestas áreas face aos custos suportados nas Áreas C, podendo inclusivamente praticar um preço retalhista que não cubra os custos nestas áreas (embora cubra os custos médios de prestação do serviço, a nível nacional).