2.4. Principais fatores de viabilidade económica do investimento em RNG


A Comissão Europeia considera1 que, a fim de demonstrar a existência de uma motivação comercial para os operadores alternativos implantarem redes de fibra ótica com base exclusivamente num acesso regulamentado a condutas e postes, a ANACOM deveria analisar, de forma mais aprofundada, os principais fatores de viabilidade económica dessas implantações. Segundo a Comissão, essa avaliação da viabilidade económica poderia, por exemplo, quantificar o investimento necessário por cliente, tendo nomeadamente em conta a densidade populacional, a receita média por utilizador prevista, bem como a taxa de penetração crítica.

A Comissão sugere ainda que a implantação significativa de RNG nas Áreas C deverá fornecer elementos de prova suficientes dos valores-limiar considerados aceitáveis pelos diferentes operadores ativos no mercado e indicar os níveis de aceitação que seriam esperados após a implantação, reduzindo assim, ao longo do tempo, a insegurança quanto ao retorno do investimento.

Como reconhece2 a Comissão, os operadores podem priorizar o investimento em RNG por etapas, de tal forma que uma “delimitação [das áreas do mercado geográfico] puramente estática baseada na implantação efetiva até à data pode não captar plenamente o potencial, ao longo do período de revisão do mercado, para uma concorrência efetiva entre infraestruturas”.

O que a Comissão sugere resultaria numa apreciação estática das condições de investimento, em que, com base no investimento atual em RNG, se tentariam identificar os indicadores que estiveram na base desse investimento, extrapolando-se a partir destes o respetivo limiar para, de seguida, se identificarem as áreas que seriam prospectivamente cobertas por essas redes.

Em primeiro lugar, como a ANACOM já explicou, tendo sido imposto o acesso regulado a condutas e a postes e estando em vigor obrigações de acesso simétricas a infraestrutura civil, os vários operadores (MEO e operadores alternativos) estão em igualdade de circunstâncias para efeitos de investimento em RNG. A ANACOM não dispõe de dados que permitam concluir que a MEO poderá ter menores custos, maior eficiência, proveitos mais elevados ou outro tipo de vantagens face aos outros operadores ativos no mercado, que façam com que a viabilidade do seu investimento em RNG seja significativamente distinta da viabilidade do investimento para os operadores alternativos. Atente-se, por um lado, ao facto de a cobertura de RNG nas Áreas NC, por parte dos operadores alternativos, ser superior à da MEO (o operador alternativo com maior cobertura de RNG cobre cerca de quatro vezes mais alojamentos que a MEO3). Por outro lado, nenhum operador, ainda que não tenha sido o primeiro a cobrir uma determinada área com RNG, fica privado de poder angariar clientes nessa área, como os dados relativos aos últimos anos têm revelado, uma vez que a Vodafone tem sido o operador que tem angariado um maior número de clientes de banda larga, não obstante ter sido o terceiro, ou quarto, operador a conseguir cobrir a maior parte das áreas com RNG. Neste contexto, o facto de a MEO deter uma base de clientes em ADSL não constitui uma vantagem determinante para efeitos do investimento em RNG.

Em segundo lugar, podendo, por exemplo, a densidade populacional ser um fator relevante na decisão de priorização do investimento em RNG, não é claro qual seria o valor limite que justificaria, ou não, esse investimento, até porque a definição desses limiares depende de várias variáveis e da estratégia de cada operador. Também não é evidente que não possam existir outros fatores que permitam justificar o investimento numa dada freguesia, ainda que esta tenha uma densidade populacional relativamente baixa. Com efeito, há um conjunto alargado e diversificado de fatores que podem justificar a opção de investir em RNG numa dada área, que não se esgotam na densidade populacional, não sendo evidente, nem necessariamente igual, a ponderação que cada operador dá a cada um dos fatores em cada momento.

A este propósito, assinala-se que existem várias freguesias onde já existe cobertura de RNG (por operadores alternativos que não a DSTelecom e a Fibroglobal, cuja instalação de rede foi significativamente subsidiada) e que apresentam um conjunto de indicadores socioeconómicos e demográficos que, em grande parte, se comparam desfavoravelmente com os indicadores relativos a freguesias rurais com RNG abertas.

Os exemplos abaixo apresentados são todos de freguesias em áreas predominantemente rurais onde existe pelo menos um operador alternativo com cobertura de RNG superior a 50% (apenas a taxa de analfabetismo e o índice de envelhecimento apresentam desvios positivos significativos):

Tabela 2. Exemplos de indicadores socioeconómicos e demográficos em freguesias predominantemente rurais onde os operadores alternativos já investiram em RNG

Freguesias

Alojamentos por km2

Alojamento por freguesia

Alojamentos por edifício

Taxa de analfabetismo (%)4

Índice de envelhecimento5

Rurais com RNG abertas

 27

 975

1,13

10,8

327

040218

 13

 246

1,08

 8,8

272

430201

15

598

1,02

5,0

126

430110

19

396

1,03

3,4

58

420603

28

271

1,00

7,0

72

430109

31

925

1,04

3,3

69

430114

32

796

1,05

2,6

54

420601

35

653

1,03

7,1

52

430119

38

921

1,02

4,7

84

470110

40

366

1,01

2,2

79

Fonte: ANACOM com base nos dados dos operadores e do INE

Em todas estas freguesias a cobertura de RNG da MEO é residual (inferior a 2%, com exceção de um caso em que é ligeiramente superior a 10%) e, como se disse, existe um operador alternativo com cobertura superior a 50%

Ou seja, o que os dados da tabela acima demonstram é que os operadores que decidiram investir nas freguesias acima listadas consideraram-nas atrativas e, por isso, incluíram-nas no seu plano de investimento, pelo que seria demasiado simplista, pouco realista e manifestamente desadequado, definir um conjunto de indicadores e respetivos limiares, idênticos para os vários operadores, tanto mais que há variáveis e objetivos associados a cada estratégia que apenas cada operador conhece e pode ponderar.

Não se pode, assim, reduzir a probabilidade de investimento, num dado período de tempo e numa determinada área geográfica, a um conjunto limitado de indicadores ou, caso tal se fizesse, teria sempre que ser entendido meramente como um exercício de análise, nomeadamente de identificação de variáveis de influência e respetivo grau. Por exemplo, o racional para uma parte importante do investimento de determinados operadores poderá ter sido o de investir em áreas já cobertas por outros operadores (nomeadamente cobertas pelo operador com maior cobertura de RNG a nível nacional), independentemente de fatores socioeconómicos, demográficos ou de outra índole; noutros casos, o operador poderá, ter evitado o investimento nessas áreas e ter optado por investir em áreas adjacentes e não sobrepostas. Por outro lado, determinadas áreas poderão ter sido cobertas por RNG devido a fatores normalmente associados a outros mercados (como o mercado de acesso de elevada qualidade em que a existência, por exemplo, de parques industriais poderá ter sido o driver do investimento).

Em bom rigor importaria ainda estimar, por freguesia, a procura e a respetiva tendência ao longo do período de vida do investimento, o que é um exercício difícil e fonte de incerteza substancial, em que as autoridades reguladoras enfrentam ainda os problemas tradicionais de informação assimétrica. Por exemplo, nas freguesias em causa teremos certamente dinâmicas económicas diferentes ao longo dos próximos anos. Por exemplo, algumas poderão ser destino de projetos turísticos, que criarão oportunidades interessantes para serviços suportados em RNG (e em LTE). Noutras, projetos industriais, de armazenagem, de transportes, podem constituir fontes importantes de procura que justifiquem investimentos. Pelo contrário, não é de excluir que em muitas destas freguesias se mantenham somente os níveis atuais de procura ou, mesmo, se reduzam, não se constituindo oportunidades de investimento significativas.

Consequentemente, existem múltiplas estratégias, variáveis ao longo do tempo, que poderão ser consideradas aquando da decisão de investimento em RNG e que não radicam exclusivamente na densidade populacional, na receita média por utilizador ou na taxa de penetração crítica, pelo que o exercício sugerido pela Comissão careceria sempre de um mínimo de fiabilidade e poderia conduzir a resultados contraproducentes.

O que se observa efetivamente no caso português é uma forte dinâmica de investimento, que tem resultado em concorrência acrescida e que se tem expandido também para áreas mais rurais - o que pode ser aferido pelos dados entretanto recebidos pela ANACOM. Assim, os dados para o período entre o final de 2015 e o 3.º trimestre de 2016, vêm reforçar as conclusões sobre:

(a) O elevado nível de concorrência nas Áreas C: a quota de mercado da MEO desceu de 36% para 34% (excluindo os acessos LTE em local fixo6 - ver Tabela A1 do Apêndice Estatístico).

(b) A expansão do investimento por parte dos operadores alternativos em RNG, em Áreas NC é inevitável uma vez que o operador atualmente com maior cobertura de RNG é um operador alternativo que já cobriu praticamente a totalidade das Áreas C. Assim, 39% dos novos alojamentos cobertos pelos operadores alternativos no período reportado foi em Áreas NC (ver Tabela A6 do Apêndice Estatístico). Por outro lado, o número de alojamentos cobertos neste período, nestas áreas, por parte dos operadores alternativos e por parte da MEO foi praticamente idêntico, com um total superior a 300 mil alojamentos.

(c) Os operadores alternativos têm captado mais clientes do que a MEO, inclusive nas Áreas NC – nestas áreas, e no período em análise, os operadores alternativos aumentaram o número de acessos de banda larga em algumas dezenas de milhar. Por sua vez, a MEO sofreu uma redução (ainda que ligeira) do número de acessos de banda larga.

(d) A redução progressiva da quota de mercado da MEO nas Áreas NC de 84% para 80% (sem a inclusão dos acessos LTE em local fixo)7 - ver Tabela A1 do Apêndice Estatístico.

(e) A cobertura progressiva das Áreas NC, tendo os operadores alternativos aumentado a cobertura nestas áreas em cerca de 8 pontos entre o 3.º trimestre de 2014 e o 3.º trimestre de 2016 (incluindo duplas contagens)8 ou em cerca de 5 pontos percentuais, excluindo as duplas contagens9. No final do período em análise os operadores alternativos tinham uma cobertura superior a 33% destas áreas (sem incluir duplas contagens)10.

(f) Adicionalmente, há a considerar o impacto da tecnologia LTE na captação de clientes por parte dos operadores alternativos à MEO, sendo que, nesse período, 44% dos novos acessos de banda larga dos operadores alternativos eram suportados em LTE em local fixo. Em resultado disto, no 3.º trimestre de 2016, 50% do total dos acessos de banda larga dos operadores alternativos nas Áreas NC já eram suportados naquela tecnologia.

Perante esta dinâmica, a ANACOM, comprometeu-se, durante a fase II da investigação, perante o ORECE e a Comissão Europeia, a acompanhar o mercado e a efetuar uma nova análise dos mercados no prazo máximo de dois anos, o que, no entender desta Autoridade, é a abordagem que melhor salvaguarda a concorrência e o investimento em RNG, por se afigurar adequada, necessária e proporcional, quando comparada com a opção recomendada pela Comissão Europeia (a imposição de uma obrigação de acesso à rede de fibra da MEO, até em áreas onde, atualmente, essa rede praticamente não existe. Esta traduzir-se-ia numa atuação regulatória de natureza preventiva, quando o risco que se pretende acautelar – que é reduzido, como já se referiu, e que que, caso se materialize, é solucionável através de medidas regulamentares adicionais – não a legitima.

Notas
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1 Vide §65 da Recomendação.
2 Vide §61 da Recomendação.
3 Com referência ao final de 2015.
4 Relação entre a população residente com 10 ou mais anos que não sabe ler nem escrever, i.e., incapaz de ler e compreender uma frase escrita ou de escrever uma frase completa, e a população residente com 10 ou mais anos. Fonte: INE.
5 Relação entre a população idosa e a população jovem, definida como o quociente entre o número de pessoas com 65 ou mais anos e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos. Fonte: INE.
6 Com a inclusão destes acessos, a quota de mercado da MEO reduz-se de 35% para 33% (e no 3.º trimestre de 2014 era de 39% - ver Tabela A1 do Apêndice Estatístico).
7 Caso estes acessos fossem incluídos, a quota de mercado da MEO reduzir-se-ia de 72% para 67%. Destaca-se que face ao 3.º trimestre de 2014, i.e., em dois anos, a MEO perdeu 11 pontos percentuais de quota de mercado - ver Tabela A1 do Apêndice Estatístico.
8 Ver Tabela A4 do Apêndice Estatístico.
9 Ver Tabela A5 do Apêndice Estatístico.
10 Ver Tabela A5 do Apêndice Estatístico.