Problemas concorrenciais, associados a comportamentos discriminatórios ou a preços


Os pontos seguintes descrevem os problemas concorrenciais que potencialmente podem surgir no âmbito dos mercados grossistas em análise, tanto ao nível dos segmentos terminais em todo o território nacional como dos segmentos de trânsito nas “Rotas NC”. Trata-se de uma lista não exaustiva mas indicativa dos problemas concorrenciais que o ICP-ANACOM identificou no âmbito da análise destes mercados que, na ausência de regulação, podem afectar aspectos essenciais da concorrência, relacionados com os preços, a diversidade e qualidade das ofertas e propiciar situações de alavancagem de PMS para mercados a jusante.

  • Recusa de negociação e acesso

Este problema caracteriza-se pelas acções de uma empresa com PMS num dado mercado, com vista a alavancar o seu poder de mercado, recusando o acesso à sua rede ou a negociação com empresas que operam (ou pretendam oferecer serviços) nos mercados retalhistas adjacentes e que são seus concorrentes nesses mercados. Este problema abrange tanto as situações de recusa absoluta de negociação como a oferta de produtos ou serviços em condições que não sejam razoáveis.

Havendo um único operador com infra-estrutura nos segmentos terminais em todo o território nacional e nos segmentos de trânsito constituídos pelas “Rotas NC”, essa empresa teria incentivos para recusar o acesso aos seus concorrentes se os benefícios que auferisse com essa recusa de acesso fossem superiores aos custos, nomeadamente ao enfrentar uma maior concorrência que reduzisse o seu lucro (face a uma situação monopolista).

Tornar obrigatório o acesso aos circuitos alugados grossistas em condições razoáveis, devidamente reguladas, atenuará os problemas concorrenciais nos mercados em causa (note-se que no caso dos segmentos terminais em todo o território nacional e de trânsito nas “Rotas NC” não existem, na grande maioria dos casos, reais alternativas de acesso por parte dos operadores concorrentes).

  • Discriminação pela qualidade

Uma empresa com PMS nos mercados grossistas, mesmo quando sujeita a uma obrigação de acesso, pode tentar aumentar os custos das empresas rivais no mercado retalhista ou restringir as vendas das mesmas oferecendo produtos com baixa qualidade que impliquem um maior investimento por parte da empresa concorrente, de modo a eliminar ou diminuir a desvantagem associada à baixa qualidade dos produtos, que poderá ainda originar a perda de clientes.

Daí ser imprescindível acompanhar a obrigação de acesso por uma obrigação de não discriminação e de transparência.

  • Tácticas dilatórias

Esta actuação corresponde a comportamentos das empresas dominantes nos mercados grossistas em que, embora não existindo a recusa taxativa de fornecimento de um produto ou serviço necessário ao desenvolvimento da actividade retalhista do concorrente, este é fornecido (ou reparado) com um atraso temporal face ao fornecimento (ou reparação) do mesmo produto ou serviço à actividade retalhista da empresa com PMS. Uma vez mais, este tipo de comportamento pode ser minimizado se a empresa em causa estiver sujeita a uma obrigação de não discriminação (e de transparência) 1.

  • Desenho estratégico de produtos

Este comportamento está relacionado com a concepção de produtos ou serviços que induz o aumento do custo dos concorrentes ou a restrição das suas vendas. Uma empresa com PMS pode desenhar os seus produtos de acordo com a topologia da sua própria rede e exigir que os seus concorrentes utilizem, por exemplo, as mesmas normas, protocolos ou características que ela própria utiliza. Esta situação poderá conduzir a uma utilização facilitada destes produtos ou serviços pela componente retalhista do operador com PMS enquanto os concorrentes têm de adaptar os seus planos de negócio às condições impostas pela empresa dominante. No caso dos mercados em análise, esta empresa pode também disponibilizar o acesso apenas a uma dada tecnologia e utilizar outra tecnologia mais eficiente para si própria (e.g. Ethernet).

Impõe-se assim obviar a tais práticas uma vez mais através da obrigação de não discriminação e da especificação da obrigação de acesso e utilização de recursos de rede.

  • Preços excessivos, preços predatórios e subsidiação cruzada

As empresas com PMS tendem a fixar os preços dos produtos e serviços dificilmente replicáveis acima dos custos, de forma a maximizar os seus lucros face à procura 2.

Por outro lado, essas empresas têm também incentivos para praticar no mercado retalhista preços predatórios, i.e. preços inferiores aos custos marginais, durante um período de tempo limitado como forma de “fechar” esse mercado aos seus concorrentes. Poderá haver assim um incentivo para alavancar o poder de mercado grossista para o mercado retalhista num esforço em que, incorrendo em margens negativas no curto prazo, se visa eliminar ou reduzir as pressões concorrenciais no médio a longo prazo e, assim, recuperar nesse período e com ganhos significativos para si própria e prejuízos importantes para os utilizadores finais, as perdas incorridas no período de tempo em que praticou preços predatórios.

A subsidiação cruzada envolve, neste caso, dois preços em dois mercados distintos. Enquanto no mercado grossista, em que a empresa detém PMS e em que existem significativas barreiras à entrada, o preço cobrado é significativamente superior ao respectivo custo, no mercado retalhista que é objecto de alavancagem é cobrado um preço predatório, visando a exclusão da concorrência do mercado potencialmente competitivo.

No caso em apreço, nos segmentos terminais em todo o território nacional e de trânsito nas “Rotas NC”, onde praticamente não existe concorrência, pode ser cobrado um preço excessivo enquanto no retalho, nestas mesmas áreas, o risco é de ser cobrado um preço predatório.

Como resultado das práticas de preços excessivos a nível grossista, de preços predatórios ou de subsidiação cruzada praticadas ao nível do retalho, podem ocorrer situações de compressão de margens.

A definição dos preços dos circuitos alugados grossistas tem impacto na concorrência nos mercados retalhistas de serviços de comunicações electrónicas. Daí a importância das obrigações de controlo de preços e contabilização de custos e de separação de contas.

Tendo em consideração o exposto e a apreciação continuada da matéria supramencionada em sede de intervenção regulatória, o ICP-ANACOM considerou, na sua decisão de 8 Julho de 2005, que existiam indícios de que as possibilidades referidas:

  • se verificavam na prática e afectavam os consumidores;

  • não podiam ser resolvidas, tempestivamente, unicamente por aplicação da lei da concorrência; e

  • tenderiam a persistir no tempo, dado existirem incentivos e possibilidades de actuação para que o operador dominante actuasse de forma abusiva.

Note-se ainda a existência, à altura, de reclamações apresentadas a esta Autoridade por operadores e/ou outras entidades, relativamente a diversas práticas da PTC, que tinham correspondência com os problemas identificados. A existência de tais reclamações sugeria a existência efectiva de problemas concorrenciais, que se mantêm no tempo, sobre os quais a manutenção da imposição de obrigações no âmbito do novo quadro regulamentar deverá actuar.

Com efeito, o ICP-ANACOM tem continuado, desde a anterior análise, a receber, de operadores alternativos presentes nestes mercados grossistas, reclamações relativas, nomeadamente, a preços, SLAs e à ausência de regulação da oferta Ethernet da PTC 3.

Note-se que o facto de a oferta Ethernet da PTC não ser actualmente regulada levanta algumas questões que foram ponderadas na presente análise de mercado:

  • Não estando todas as condições associadas à prestação de serviço Ethernet claramente definidas, poderá existir um défice de transparência ligado à prestação destes serviços;

  • A necessidade de efectuar uma orçamentação para conhecer as condições em que um determinado serviço é prestado constitui um processo ineficiente, sujeito a atrasos – sem prejuízo da existência de um prazo médio - e susceptível de gerar discriminação entre operadores e face aos próprios serviços e às empresas do Grupo PT;

  • Tratando-se de uma prestação de um serviço cujas condições estão ainda sujeitas a negociação comercial, tal situação pode conduzir, por manifesta desigualdade de poder negocial face à inexistência de alternativas nos mercados em causa, a situações de preços, qualidade de serviço e SLA inadequados e de discriminação, nomeadamente de favorecimento das empresas do Grupo PT 4;

  • Assumindo que se trata de serviços efectivamente substitutos, torna-se evidente que a não regulação dos circuitos Ethernet poderia conduzir a uma regulação, sem efeitos práticos, restringida aos circuitos alugados tradicionais 5. Se isso ocorresse, estar-se-ia a intervir no mercado sem que daí resultasse qualquer benefício para o mesmo, uma vez que os problemas identificados ou existentes se iriam manter.

A manutenção da imposição de obrigações ex ante em ambos os mercados relevantes grossistas (obrigações de acesso, não discriminação, transparência, contabilização de custos e separação de contas), contribui assim para evitar que os comportamentos acima identificados como eventuais práticas sejam adoptados.

Finalmente, o ICP-ANACOM deve ter em mente a necessidade de se manter um level playing field no acesso regulado aos circuitos alugados grossistas, relevando-se aqui a posição comum do ERG sobre esta matéria no sentido de dever existir uma razoável certeza de que os operadores alternativos são capazes de concorrer ao mesmo nível do operador identificado com PMS. Isto implica que determinadas medidas regulatórias devem ser aplicadas efectivamente para:

  • assegurar que o operador com PMS não disponha de uma desigual e injusta vantagem (face aos outros operadores) devido às economias de escala e de gama (da sua rede), especialmente se resultante da sua posição de dominância;

  • proibir o operador com PMS de discriminar favoravelmente as próprias empresas e serviços do Grupo, quer em termos de preço quer em outras condições;

  • prevenir efectivamente comportamentos obstrutivos e de atraso; e

  • assegurar que as medidas adoptadas pelo operador com PMS para o desenvolvimento de nova infra-estrutura, necessária para o fornecimento de novos serviços retalhistas, permitem a todos os outros operadores as mesmas oportunidades para concorrer nesse âmbito.

Notas
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1 Existem questões, que têm sido mencionadas pelos operadores alternativos, relacionadas com diferenças em termos de prazos de fornecimento de serviços de circuitos alugados grossistas, especificamente no caso de circuitos CAM (e, também, na reparação de avarias). A este respeito esclarece-se que a não discriminação é conseguida com a igualdade de tratamento relativamente aos casos mais comuns, mas também quando estão em causa fornecimentos mais específicos ou relacionados com segmentos de mercado que têm outro tipo de necessidades e utilizações dos serviços, como os circuitos CAM ou o serviço de backhaul.
2 Os preços são considerados excessivos se ultrapassarem significativamente os custos de produção, incluindo a remuneração do capital investido.
3 Embora de novo se refira que a actuação do ICP-ANACOM não se encontra limitada a situações em que se verificam queixas de operadores ou de consumidores finais.
4 De facto, a discriminação pode ter motivos económicos associados à escala dos operadores e ao poder negocial que detêm, conduzindo a uma discriminação económica que prejudicará os operadores de menor dimensão e os novos entrantes, reduzindo a concorrência potencial e efectiva no mercado.
5 Em nada valeria assegurar um determinado nível de qualidade de serviço ou uma dada margem numa oferta regulada quando existe um outro tipo de oferta mais eficiente que permite prestar exactamente o mesmo tipo de serviços - ou ainda com melhor qualidade e/ou a um menor preço - e que não é regulado.