2.1. Modelo definido


Na definição do modelo de evolução da rede TDT, o ICP-ANACOM assumiu desde logo, e como atrás referido, a necessidade de identificar uma solução que (i) minimizasse o impacto da sua implementação junto da população, (ii) fosse suficientemente robusta e estável, nomeadamente ao nível da qualidade do serviço prestado, e (iii) tivesse em conta os cenários previsíveis de utilização do espectro no contexto europeu, a médio/longo prazo. Dito de outro modo, pretendia-se encontrar a melhor solução de compromisso entre a qualidade do serviço prestado pela rede, a eficiência espectral e o impacto na população.

Ponderados estes fatores, o ICP-ANACOM entende que a evolução da configuração da atual rede TDT para uma rede MFN (MFN de SFN´s), tendo sido a solução apontada no âmbito da consulta pública, é de facto a configuração que permite mitigar de uma forma mais cabal os impactos causados pelos fenómenos atmosféricos que alteram as condições de propagação de forma mais significativa, o que é confirmado pela pretensão da PTC em manter a atual rede MFN em overlay, possibilitando igualmente uma abordagem que acomoda os desenvolvimentos que se antecipam no plano internacional em matéria de gestão de espectro, designadamente no que respeita ao dividendo digital 2.

Além do mais, é também a solução que se apresenta como a evolução natural face à atual situação, uma vez que traduz a integração dos emissores instalados no âmbito da licença temporária de rede (que configuram já uma rede MFN), na rede TDT de âmbito nacional.

Com efeito, apesar de uma rede SFN ser, em primeira aproximação, mais eficiente em termos espectrais do que uma rede MFN, há que ter em conta que a rede MFN em tecnologia digital apresenta igualmente um menor número de constrangimentos quando se compara com a rede do tipo SFN. Na realidade, existem outros fatores preponderantes no desenvolvimento da rede que podem favorecer a MFN tais como a menor complexidade, nomeadamente ao nível do controlo das auto interferências, pois as exigências e os constrangimentos que se verificam nas redes SFN no que respeita à localização e potência dos centros emissores e necessidade de sincronização são significativamente mitigados nas redes MFN.

A este propósito, reitera-se que a opção de utilização de redes de frequência única (SFN) foi, em face do espectro disponível na altura, a única forma de tornar viável o modelo adotado para a introdução da TDT em Portugal que assentou na abertura de dois concursos públicos, tendo por objeto a atribuição de um número limitado de direitos de utilização de frequências reservadas para a radiodifusão televisiva digital terrestre, de modo a suportar uma operação free-to-air (Mux A) e uma operação de televisão paga (Mux’s B a F).

Realça-se que em 2007/2008 o espectro era muito escasso devido à sua utilização intensiva por parte da TV analógica, havendo, à data, disponíveis para a implementação da TDT apenas 6 canais radioelétricos, de um universo de 49 canais, e todos eles acima dos 782 MHz (canal 59), numa faixa que veio posteriormente a ser libertada no âmbito do dividendo digital 1.

Assim, enquanto a operação do Mux A se destinava fundamentalmente a assegurar a migração analógico-digital dos serviços de programas televisivos de acesso não condicionado livre e a continuar a disponibilizar à generalidade da população nacional uma oferta mínima, em condições similares para o utilizador final, procedendo-se à consequente libertação do espectro radioelétrico utilizado pela tecnologia analógica – em alinhamento com um calendário que se desenhava no plano internacional e ao nível da União Europeia –, a operação dos Mux’s B a F traduzia a possibilidade – oferecida pela plataforma digital terrestre – de proporcionar aos utilizadores finais uma oferta concorrencial às disponibilizadas por outras plataformas, ao nível dos serviços de televisão por subscrição.

Recorde-se que na altura, assistia-se a uma situação praticamente monopolista no que respeita ao mercado de televisão por subscrição, com a então TV Cabo a deter cerca de 78% de quota de mercado, pelo que importava criar condições para uma maior concorrência. Por este facto, o Regulamento do concurso público para a atribuição de direitos de utilização de frequências de âmbito nacional e parcial para o serviço de radiodifusão televisiva digital terrestre e de licenciamento de operador de distribuição (Mux’s B a F) determinou que os direitos de utilização de frequências e a licença de operador de distribuição não podiam ser atribuídos a qualquer entidade que detivesse no mercado de televisão por subscrição uma quota de mercado igual ou superior a 50%.

Este modelo, que procurava maximizar os benefícios para os utilizadores e facilitava o desenvolvimento da concorrência, garantindo simultaneamente a utilização eficiente das frequências, levou a que se privilegiasse a quantidade de redes a instalar, para que a plataforma terrestre dispusesse de capacidade para poder emitir um maior número de serviços de programas televisivos. Com efeito, a plataforma terrestre não poderia competir com as plataformas de cabo ou satélite se não disponibilizasse um número elevado de canais. Colocou-se assim a concurso um total de seis direitos de utilização de frequências (um para FTA e cinco para Pay TV).

Caso se tivesse utilizado o espectro então disponível para redes multi frequência (MFN) para a TDT, então (em 2008) só teria sido possível instalar uma única rede de âmbito nacional e que seria obrigatoriamente associada ao Multiplexer A, para permitir a migração da tecnologia analógica para a digital. Resumindo, não haveria espectro disponível para criar condições de concorrência nas plataformas de cabo e satélite, através da plataforma terrestre, em concreto através do lançamento do concurso para os Mux’s B a F.

Paralelamente, importa referir que o ICP-ANACOM já havia ponderado convenientemente as dificuldades de implementação de uma rede SFN a nível nacional, devido fundamentalmente aos constrangimentos de potência radiada e de localização das estações. Por essa razão, e tendo em conta o racional económico subjacente em operações desta natureza, as obrigações de cobertura terrestre constantes do caderno de encargos relativo ao Mux A (85% da população) foram mais reduzidas do que, por exemplo, as do concurso para a introdução da televisão privada em Portugal (95% do território), permitindo-se que fossem utilizados, desde que em condições de acesso equiparáveis, meios complementares para cobertura da população remanescente.

Atualmente, a libertação do espectro associado ao switch-off da televisão analógica, que ocorreu como se sabe em 26 de abril de 2012, possibilitou, a partir desta data, a utilização das redes planeadas para Portugal no âmbito do Acordo de Genebra de 2006 (GE-06), pelo que se encontram disponíveis para utilização várias redes deste tipo (MFN).

E, neste contexto, esta Autoridade entende que a utilização de espectro para a rede TDT deve conformar-se com as atribuições/adjudicações de frequências detalhadas no mapa constante do anexo 1, as quais se encontram atualmente devidamente planeadas e coordenadas a nível internacional no Acordo GE-06.

Não obstante, a decisão do ICP-ANACOM deve ainda ponderar um critério essencial, ou seja, o de minimizar o impacto da implementação da solução junto da população.

Com efeito, importa equacionar que esta solução pondere adequadamente, por um lado, a necessidade de definir um horizonte de previsibilidade do ponto de vista do operador da rede TDT e, por outro, na perspetiva dos consumidores, garantir a realização de uma transição suave a partir do estado atual, que tenha em particular atenção a necessidade de minimizar o impacto em termos do utilizador final, procurando soluções que ofereçam estabilidade e evitem mudanças desnecessárias.

Assim, o ICP-ANACOM considera que a implementação faseada da rede MFN – em que se mantêm, integrando a rede TDT os 3 emissores temporariamente licenciados – é a solução que permite um melhor equilíbrio entre os diversos critérios enunciados.

Por outro lado, assumindo o ICP-ANACOM que a implementação da rede MFN deve ser faseada e determinada pelas evoluções que entretanto se registem a nível internacional, a informação de que dispõe neste momento aponta para que apenas se possa definir um cenário estável sobre a utilização futura do espectro (faixa dos 700MHz/faixa UHF) após 2017.

Como tal, e uma vez que a implementação imediata desta solução iria implicar custos significativos a incorrer pelo Estado, esta Autoridade considera igualmente que este fator deve ser ponderado na máxima extensão possível e que aquela solução apenas deve ser determinada quando tal seja necessário para salvaguardar a implementação de decisões internacionais ou comunitárias em matéria de gestão do espectro.
 
Para além disso, e embora o ICP-ANACOM entenda que a configuração da atual rede deve evoluir para uma rede MFN (MFN de SFN´s), subsiste ainda um relativo grau de incerteza na identificação das frequências associadas a essa rede, pois a libertação do espectro associado ao dividendo digital 2 provavelmente implicará alguns processos de coordenação internacional, por forma a tentar “acomodar” o maior número de redes no espectro que ficará então disponível para a TDT. Na verdade, existem diversos desenvolvimentos a nível internacional que sugerem que a abordagem à implementação da MFN deve ser cautelosa. Neste contexto, o ICP-ANACOM entende que a implementação de uma MFN deverá ser efetuada passo-a-passo, salvaguardando as evoluções que possam entretanto vir a ocorrer, nomeadamente ao nível da utilização das frequências - o ICP-ANACOM acompanhará os desenvolvimentos internacionais e publicará anualmente relatório com a evolução desta matéria -, sendo recomendável que a finalização da implementação da rede MFN ocorra apenas após 2017 ou quando houver um maior grau de segurança quanto à necessidade de implementação do dividendo digital 2 e respetivas condições. Assim sendo, o ICP-ANACOM considera que a implementação desta solução deve decorrer mediante um período de simulcast digital entre a implementação da rede MFN e a rede SFN atual, em cada uma das áreas associadas às adjudicações identificadas no mapa constante do anexo 1.

Tratando-se de matéria que envolve especificidades ao nível do desenvolvimento e implementação da rede, em primeira linha da responsabilidade do operador da mesma, entende o ICP-ANACOM que o detalhe do plano de desenvolvimento da rede deve, nessa ocasião, ser devidamente ponderado e proposto pela PTC.

Em síntese, e conforme resulta detalhada e fundamentadamente das conclusões apresentadas no Relatório da consulta pública, o ICP-ANACOM entende que se deve evoluir faseadamente para uma rede MFN, no território continental, mediante a utilização de espectro conforme com as atribuições/adjudicações de frequências já planeadas e coordenadas internacionalmente por Portugal. Tais frequências estão atualmente disponíveis e são, com exceção do canal 49 atualmente utilizado pelo emissor adicional de Montejunto, compatíveis com a futura implementação do dividendo digital 2. Caso se venha a confirmar, como é muito provável, a necessidade de libertação do espectro associado ao dividendo digital 2, este canal será substituído em data oportuna.

Assinala-se, a este propósito, que mesmo no futuro cenário de implementação da rede MFN de SFN’s ainda subsiste espectro suficiente para a oferta de canais em HD e canais em SD.

Assim, ponderando critérios de (i) impacto na população, (ii) custos de implementação e (iii) garantia de previsibilidade para os vários intervenientes, o ICP-ANACOM considera que a transição para o modelo de rede MFN deve ocorrer faseadamente, de acordo com as seguintes fases e condições:

1.ª fase: manutenção do canal 56 e das frequências (canais) atualmente em utilização no âmbito da licença temporária de rede, as quais constituem já uma rede MFN, embora com um âmbito geográfico delimitado (correspondentes às 3 adjudicações do mapa constante do anexo 2);

2.ª fase: utilização das restantes frequências necessárias em cada uma das adjudicações para completar a cobertura nacional. Esta fase, incluindo o detalhe de planeamento e instalação da rede, com o necessário envolvimento da PTC, e respetivo calendário, será implementada de acordo com decisão autónoma do
ICP-ANACOM, condicionada à existência de decisões internacionais ou comunitárias quanto à futura utilização do espectro na faixa dos 700 MHz ou quando houver um maior grau de segurança quanto à necessidade de implementação do dividendo digital 2 e respetivas condições. No final desta fase o canal 56 é devolvido ao ICP-ANACOM.

Não obstante, a instalação de emissores “principais” nas adjudicações do mapa constante do anexo 1 deve ser abreviada, naturalmente suportando a PTC os custos a que haja lugar, caso se antecipe ou verifique que a rede em funcionamento não apresenta a estabilidade necessária à oferta do serviço com os níveis de qualidade constantes da Recomendação ITU-R BT.1735-1, (e suas revisões futuras). 

Com efeito, o ICP-ANACOM considera que podem subsistir situações em que apesar de a instalação de receção se encontrar em boas condições, a rede atual não garante um acesso contínuo e estável ao serviço, pese embora se trate de locais considerados de receção terrestre.