7.1 Sobre o princípio da orientação dos preços para os custos


No âmbito da jurisprudência e práticas decisórias da CE, não se identifica uma clarificação do princípio da orientação dos preços para os custos no âmbito da regulação do sector postal.

A metodologia de análise das propostas de preços do serviço postal universal que tem vindo a ser adotada pela ANACOM1 tem privilegiado explicitamente a consideração:

  • do cabaz de serviços como um todo (isto é, se por exemplo a proposta de preços apresentada pelos CTT envolver a totalidade do serviço universal abrangido por esta decisão, analisa-se a orientação para os custos da totalidade do cabaz); bem como
  • de cada serviço considerado individualmente (por exemplo, o serviço de correio normal nacional ou o serviço de correio azul nacional), à luz do seu caso específico, nomeadamente em termos de evolução prevista para a respetiva margem.

Esta metodologia de análise tem sido aplicada em simultâneo com a aplicação de um mecanismo de controlo de preços2 que estabelece, para cada ano, variações máximas de preços para o cabaz de serviços como um todo, mecanismo que, conforme adiante se refere, esta Autoridade considera que deverá continuar a ser aplicado no triénio 2018-20.

No âmbito da aplicação do princípio da orientação dos preços para os custos, tem considerado a ANACOM que, se a margem de um serviço, objeto da proposta de preços em análise, for positiva num determinado ano, uma proposta de variação de preços para o ano seguinte estará em conformidade com o princípio da orientação dos preços para os custos se levar a uma redução da margem ou, no limite, não levar a um aumento da margem desse serviço.

Ao invés, se a margem do serviço em análise for negativa num determinado ano, uma proposta de aumento de preços para o ano seguinte estará em conformidade com o princípio da orientação dos preços para os custos se levar a uma melhoria da margem ou, no limite, não levar a uma deterioração da margem do serviço.

A margem a considerar é a margem relativa (em percentagem) face aos proveitos, que revela também de uma forma direta qual a variação dos preços necessária para, tudo o resto constante, se obter uma margem nula.

A ANACOM tem tido em consideração, e continuará a ter, a verificação de efeitos não recorrentes que possam ter um impacto significativo na análise da verificação do cumprimento da orientação dos preços para os custos, expurgando da análise esses efeitos sempre que considerado adequado.

Para os anos 2019-20203, a ANACOM considera, no entanto, que esta abordagem, aplicada em concomitância com a aplicação de uma variação máxima de preços para o cabaz de serviços, deve ser revista, conforme a seguir descrito.

Esta Autoridade reconhece que a obrigação de cumprimento da orientação dos preços para os custos, tal como atualmente definida e aplicada, ao nível de cada serviço, para além de tornar complexa a elaboração de uma proposta de preços - pois os CTT têm de coordenar as variações de preços de forma a que se verifique o cumprimento da orientação dos preços para os custos por serviço, tendo de respeitar, ao mesmo tempo, a variação máxima de preços aplicável (que esta Autoridade pretende continuar a implementar, conforme se verá nos capítulos seguintes) -, pode limitar a flexibilidade do operador para atuar num mercado que, embora continuando a apresentar défices de concorrência, se encontra liberalizado.

Tal limitação tarifária pode restringir eventuais práticas dos CTT que consistam em alinhar os preços dos serviços com o seu nível de procura global, ou de cada serviço, reduzindo, teoricamente, o bem-estar social. Com a sua eliminação, considera-se que os CTT deverão poder, de uma forma mais eficiente e flexível, responder a variações da procura, quer entre serviços, quer a nível global, assegurando simultaneamente a prestação eficiente e sustentável do serviço universal.

Em qualquer caso, a ANACOM dará especial atenção a variações significativas dos preços e das margens de cada um dos serviços. Em particular, no caso de aumentos significativos de preços, a ANACOM terá em consideração o eventual impacto de tais variações no âmbito do cumprimento do princípio da acessibilidade dos preços. No caso de reduções significativas de preços e/ou de margens, a ANACOM terá em consideração a orientação dos preços para os custos e, no âmbito das suas atribuições, estará atenta a eventual aplicação de preços anti-concorrenciais que visem eliminar ou limitar a concorrência.

Em particular, esta Autoridade considera pouco provável que, só por si, aumentos ou reduções de preços inferiores a 10% e/ou de margens inferiores a 10 pontos percentuais, se reflitam em preocupações em termos de acessibilidade dos utilizadores aos serviços objeto desta decisão.

Em suma, no âmbito da aplicação da orientação dos preços para os custos e num quadro de aplicação simultânea de uma variação máxima de preços para o cabaz de serviços, a ANACOM avaliará a evolução de cada serviço e prestará especial atenção:

  • a propostas de variações médias anuais de preços significativas (com especial atenção a aumentos de preços superiores a 10% ou reduções de preços superiores a 10%);
  • a propostas de preços de que resultem estimativas de variações da margem significativas (com especial atenção a aumentos ou reduções do valor da margem relativa superiores a 10 pontos percentuais).

No âmbito da análise destas situações, esta Autoridade terá em conta, designadamente e no que for aplicável:

  • as previsões de evolução do tráfego e dos custos da prestação ou prestações de serviço em causa;
  • o valor da margem (por exemplo se se encontra próxima de zero) e a estimativa de variação da mesma (por exemplo, se a margem relativa estimada para o ano de aplicação dos novos preços for muito próxima da margem relativa do ano em curso);
  • a importância da prestação em causa em termos de proveitos e tráfego, no âmbito do serviço universal e da proposta de preços em análise.

No âmbito da análise das variações de preços significativas, será privilegiada a análise ao nível do produto elementar (e.g., preço de um envio de correio normal com peso entre 50 e 100 gramas, no serviço nacional, aplicável ao segmento ocasional / tarifário “preços base”).

No âmbito das variações significativas da margem, será privilegiada a análise a um nível mais agregado do que o produto elementar (por exemplo a nível de cada serviço e a nível das suas modalidades de serviço).

No que respeita ao critério de custo a considerar na análise da orientação dos preços para os custos, tendo em conta:

a) a Decisão 97/310/CE da CE e o acórdão Arcor (Caso C-55/06), ambos no âmbito do sector das telecomunicações, dos quais decorre que na aplicação do princípio da orientação para os custos:

  • os preços devem refletir apenas os custos subjacentes ao serviço;
  • na determinação da base de cálculo dos custos, devem tomar-se em consideração os custos reais do operador, a saber, os custos já pagos (suportados) pelo operador notificado e uma remuneração razoável por forma a permitir o desenvolvimento a longo prazo e a modernização das infraestruturas;

b) a jurisprudência e práticas europeias em matéria de aplicação das regras da concorrência4, em que é possível concluir que, no caso da obrigação de prestação de um serviço universal, os preços com a prestação do serviço universal têm de suportar os custos incrementais específicos do serviço e parte dos custos gerais de manutenção da rede incorridos (custos fixos e comuns associados à rede instalada), por força da obrigação de prestação do serviço universal;

c) que a aplicação do princípio da orientação dos preços para os custos, previsto no artigo 14.º da Lei Postal, deve corresponder à aplicação de um preço cujo limiar mínimo não constitua um preço predatório no âmbito da aplicação do direito da concorrência;

d) que os CTT se encontram obrigados (artigo 15.º, n.º 1, da Lei Postal) a dispor de um SCA que permita a separação de contas entre cada um dos serviços e produtos que integram o serviço universal e os que o não integram;

e) que o SCA deve, adicionalmente, permitir a separação entre os custos associados às diversas operações integrantes do serviço postal (aceitação, tratamento, transporte e distribuição) (artigo 15.º, n.º 2, da Lei Postal);

f) que a aplicação do sistema contabilístico deve basear-se nos princípios da contabilidade analítica, coerentemente aplicados e objetivamente justificáveis (artigo 15.º, n.º 3, da Lei Postal),

a ANACOM terá como referência os custos subjacentes ao serviço, produzidos e reportados pelo SCA dos CTT de acordo com as regras de alocação dos custos que decorrem da Lei Postal, salvo se outra regra for definida pela ANACOM ao abrigo dos artigos 15.º e 16.º da Lei Postal. Neste âmbito, a ANACOM terá como referência a relação entre os preços de cada serviço e os custos totais subjacentes ao serviço, bem como a relação entre os preços de cada serviço e o somatório: (i) dos custos que sejam diretamente atribuíveis ao serviço (custos diretos); (ii) da parte dos vulgarmente designados custos conjuntos afetos ao serviço; e (iii) de uma remuneração razoável do PSU (isto é cobrir a parte de custo de capital que seja alocada ao serviço)5.

Havendo situações em que a segunda relação seja negativa, os CTT devem apresentar, juntamente com a proposta de preços, informação detalhada e circunstanciada justificativa dessa situação, incluindo toda e qualquer informação adicional sobre custos relevante.

Notas
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1 Vide critérios de fixação dos preços do serviço postal universal, definidos pela ANACOM através de deliberação de 21.11.2014 e retificados por decisão de 25.06.2015, em www.anacom.pthttps://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=2.
2 Ao abrigo do previsto na alínea b) do n.º 8 do artigo 14.º da Lei Postal.
3 Conforme referido anteriormente, em 2018, aplicar-se-ão os critérios de formação de preços definidos para o triénio 2015-17.
4 Designadamente o Caso C-62/96 (Caso AKZO), a Decisão CE 2001/354/CE (Deutsche Post I) e a jurisprudência Chronopost (no Caso La Poste/Chronopost).
5 Refira-se que no estudo ''Pricing behaviour of postal operators'', página 22, de dezembro de 2012, elaborado pela Copenhagen Economics para a CE, esta consultora conclui, inter alia, que a exigência de que os preços de serviços que integram o serviço universal, num mercado concorrencial, sejam orientados para os custos, pode levar a que concorrentes menos eficientes possam entrar no mercado postal. Este é o caso em que os preços orientados para os custos (que têm de cobrir os custos marginais e uma parte dos custos fixos e comuns do operador) são maiores do que preços baseados nos custos variáveis médios (utilizado em testes de preços predatórios). A consultora acrescenta que este é geralmente o caso na prestação de serviços postais, devido ao elevado peso dos custos fixos e comuns na prestação de serviços postais. A consultora conclui que a exigência de preços orientados para os custos pode ser contrária ao objetivo de assegurar uma prestação eficiente dos serviços postais.