Relatório de audiência prévia


(Elaborado nos termos do artigo 105.º do Código do procedimento Administrativo)

 
I
Enquadramento

Por deliberação de 19 de Agosto de 2009, o Conselho de Administração do ICP- Autoridade Nacional de Comunicações (ICP-ANACOM) decidiu, ainda sob a forma de sentido provável de decisão, o seguinte:

1. «Revogar o acto atributivo da licença n.º ICP-11/99-FWA, emitida à BRAGATEL - Companhia de Televisão por Cabo de Braga, S.A. (doravante BRAGATEL) para a exploração de sistemas de acesso fixo via rádio (FWA);

2. Determinar a correspondente recuperação do direito de utilização de frequências atribuído, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2004;

3. Indeferir o pedido de eficácia retroactiva do acto de revogação com efeitos à data de atribuição do título, a qual teve lugar em 29 de Dezembro de 1999;

4. Submeter o deliberado no número anterior a audiência prévia da empresa, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, fixando à empresa um prazo de 10 dias úteis para, querendo, se pronunciar por escrito.»

A ZON TV CABO, S.A. (doravante ZON) - empresa na qual foi entretanto fundida, por incorporação, a BRAGATEL - notificada do referido projecto de decisão apresentou a sua pronúncia em 4 de Setembro de 2009.

Entretanto, em 14 de Setembro de 2009, a ZON procedeu ao pagamento das taxas relativas à utilização do espectro FWA (anos de 2001 a 2003) que a BRAGATEL tinha em dívida para com o Icp-ANACOM, no montante total de € 2.932.725,83.

II
Da resposta da interessada

Referem-se de seguida os comentários oferecidos pela ZON e a apreciação do ICP-ANACOM relativamente a cada uma das questões suscitadas, as quais, sinteticamente, se reconduzem aos seguintes aspectos:

a) Inexistência de condições económicas, financeiras, tecnológicas e de mercado para o lançamento do concurso FWA;
b) Ilegalidade das taxas aplicáveis;
c) Impossibilidade de concretização do objecto do acto administrativo de atribuição da Licença.

Assim:

1.1 Inexistência de condições económicas, financeiras, tecnológicas e de mercado para o lançamento do concurso FWA

Na sua pronúncia, a ZON começa por efectuar uma resenha histórica, factual e regulamentar, registada ao nível da exploração dos sistemas FWA para fundamentar a sua convicção de que, contrariamente ao sustentado no parecer do ICP-ANACOM aprovado pela referida deliberação de 19 de Agosto de 2009, não existiam em 2004 condições tecnológicas e de mercado que permitissem uma efectiva exploração do sistema FWA na faixa atribuída à BRAGATEL – Companhia de Televisão por Cabo de Braga, S.A. (BRAGATEL).

A empresa sustenta neste domínio o seguinte:

a) «Aquando do lançamento, realização e conclusão do concurso público FWA para atribuição de licenças, de âmbito nacional, para a utilização de frequências para o Acesso Fixo Via Rádio, não se encontravam reunidos os pressupostos objectivos de desenvolvimento tecnológico, isto é, não se encontrava assegurada, em regime de oferta massificada, a disponibilidade no mercado nacional e internacional de equipamentos indispensáveis à exploração da tecnologia, de sustentabilidade financeira e de competitividade da tecnologia FWA de modo a que a sua exploração pudesse ser objecto de licenciamento;

b) Desde a data da atribuição da licença até à data em que a BRAGATEL formulou o seu primeiro pedido formal de revogação da Licença, subsistiam «obstáculos de natureza económico, financeira, tecnológica e regulamentar» impedientes da pretendida exploração das frequências licenciadas;

c) O então ICP – Instituto das Comunicações de Portugal fundou a sua decisão de licenciar a utilização de frequências, nos específicos termos em que o fez, numa apreciação inexacta da situação factual existente, em particular, do estádio de desenvolvimento da tecnologia FWA e da sustentabilidade financeira e competitividade da sua exploração;

d) Os pressupostos em que assentou a atribuição da Licença vieram a revelar-se de impossível concretização e verificação até ao ano de 2004, constituindo a atribuição da Licença em 1999, com imposições específicas de aproveitamento do espaço radioeléctrico disponibilizado, um acto claramente desfasado da realidade tecnológica e regulamentar existente, numa fase em que nem sequer de forma pioneira se conseguia explorar as referidas frequências para as finalidades pretendidas, de forma efectiva e eficiente;

e) Verificou-se que, no decurso dos anos de 2000 a 2004, não foram utilizadas, efectiva e eficientemente, as frequências atribuídas, sendo do conhecimento público que a enorme turbulência que se verificava neste sector tecnológico impedia qualquer investimento por parte dos particulares, que não encontravam eco das suas pretensões - utilização das licenças que lhe haviam sido atribuídas por concurso público - nos fornecedores dos equipamentos, uma vez que estes não garantiam os níveis mínimos de operação adequada;

f) Não podemos, por isso, concordar com o referido no Parecer, que acompanha a notificação a que agora se responde, quando ali se conclui «pela existência de condições tecnológicas e de mercado que permitem uma efectiva exploração do sistema FWA nesta faixa».

1.2 Quanto ao alegado pela ZON importa ter presente que a abertura do concurso para atribuição de licenças de âmbito nacional para a utilização de frequências para o FWA foi precedida de uma recolha de manifestação de interesse promovida pelo então ICP – Instituto das Comunicações de Portugal. Esta acção, motivada pelo reconhecimento da importância do acesso local para a oferta de novos serviços e plataformas tecnológicas, visava a promoção da concorrência no acesso local e a inovação na oferta de novos serviços ao utilizador final.

Tendo em conta as competências do ICP-ANACOM, hoje (como na altura em que se desenrolou o processo do FWA), cabe ao regulador aferir, através da auscultação do mercado e dos demais mecanismos previstos na legislação, os modos e os “timings” adequados para que o espectro possa ser disponibilizado. Coube por isso ao ICP uma tomada de decisão que, entre outros aspectos, tivesse em conta a apetência, os serviços, o desenvolvimento ao nível global (Europa e outras regiões do mundo) e a harmonização da utilização destas faixas.

Assim, na consulta pública levada a cabo em 1999 foram colocadas aos agentes de mercado questões de diversa índole tendo em conta que naquela altura estavam, sob ponto de vista de utilização do espectro, criadas as condições mínimas para a disponibilização das faixas FWA, sendo que existiam (como hoje existem) Standards Europeus para os equipamentos, bem como uma harmonização dos arranjos/canalizações do espectro, em particular aquelas definidas através da CEPT.

Em particular para a faixa dos 27-29 GHz, estava em causa a construção de uma nova infra-estrutura alternativa e competitiva de telecomunicações que permitiriam um leque de serviços alargado (voz, dados e vídeo), tendo sido disponibilizado espectro (2x175 MHz) em quantidade suficiente que permitiria o desenvolvimento da rede/serviços pretendidos.

No contexto da manifestação de interesse então expressa pelo mercado, ficou claro não só o benefício que adviria para os potenciais utilizadores da utilização das “faixas FWA” como, adicionalmente, seriam necessárias faixas adicionais para a prestação do FWA (p.ex. faixa 40,5- 43,5 GHz).

Naturalmente, sob ponto de vista de desenvolvimento tecnológico, existiam as condições necessárias e suficientes para levar a cabo o desenvolvimento de uma rede FWA, cabendo aos actores relevantes (particularmente a indústria e os operadores) levar por diante esse desiderato. Na mera perspectiva de definição de condições técnicas e operacionais de uso espectro estavam de, facto, criadas as condições que permitiam uma efectiva exploração do sistema FWA.

Para além da perspectiva tecnológica, não resultaram também da análise efectuada às respostas apresentadas pelos interessados no âmbito da consulta quaisquer motivos de ordem económica, financeira ou de mercado, que desaconselhasse a realização do concurso público para a atribuição das correspondentes licenças (cfr. “Relatório à consulta pública sobre Acesso Fixo Via Rádio (FWA)”, aprovado por deliberação do ICP-ANACOM de 2 de Junho de 1999 1) na data em que o mesmo foi lançado.

2.1 Ilegalidade das taxas aplicáveis à utilização do espectro

A ZON sustenta que a taxa constante da Portaria 465-A/99, de 25 de Junho, não observou os critérios previstos no artigo 29.° do Decreto-Lei n.° 381-A/97, de 30 de Dezembro (então em vigor), mais concretamente que a taxa relativa à faixa de frequências dos 27,5 - 29,5 GHz não foi fixada em função dos custos administrativos associados à utilização do espectro radioeléctrico.

A empresa considera ainda esta taxa injusta por não ser aplicada em função do correspectivo retorno que o particular podia retirar da utilização do bem, sendo esta aplicada, quer o particular utilizasse as freqüências, quer não o fizesse e independentemente da área geográfica de implementação.

Salienta ainda a desproporção existente na taxa aplicada - € 611 000,00 - que se revelou completamente desproporcionada e desfasada da realidade para os anos de 2000 a 2004.

2.2 Cumpre em primeiro lugar esclarecer que a fixação do montante da taxa devida pela utilização das frequências FWA não tinha de se conformar aos critérios definidos no já referido artigo 29.º do Decreto-Lei n.° 381-A/97, o qual se refere às taxas administrativas devidas ao ICP-ANACOM pela prática dos actos de registo dos prestadores e pela emissão de licenças (respectivo averbamento, substituição e renovação), assim como pelo exercício anual das actividades.

Com efeito, a Portaria 465-A/99, de 25 de Junho, é habilitada no n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 207/92, de 2 de Outubro, o qual permite ao membro do Governo responsável pela área das comunicações a fixação das taxas devidas pela utilização do espectro radioeléctrico.

Conforme se pode ler no preâmbulo da citada Portaria, a mesma consagrou uma disciplina tarifária especial no que se refere à utilização do domínio público radioeléctrico, que visava promover e incentivar a sua eficiente e correcta exploração.

Anote-se, também, que a publicação da já referida Portaria n.º 1062/2004, de 25 de Agosto, que alterou o regime de taxas de utilização do espectro FWA não visou sanar qualquer vício ou ilegalidade de que padecesse a Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de Dezembro, conforme aponta a ZON, porque pura e simplesmente esta não estava ferida de qualquer ilegalidade. Não se tratou, pois, de “emendar a mão” motivada por qualquer ilegalidade que tivesse sido cometida.
 
Não obstante toda argumentação aduzida pela ZON no sentido de sustentar a pretensa ilegalidade destas taxas de utilização do espectro, continua sem se perceber como a empresa aceitou o valor das facturas, não recusou o seu pagamento, tendo-se limitado a pedir, primeiro, que este fosse feito em prestações e depois mediante a dação da licença em função do pagamento.

Refira-se ainda quanto ao invocado valor excessivo das taxas que o espectro atribuído à BRAGATEL na faixa dos 27-29 GHz foi de 2x175 MHz, quantidade que não tem paralelo, por exemplo, com a atribuída aos detentores de espectro noutras faixas FWA (3 GHz e 24 GHz).

3.1 Impossibilidade de concretização do objecto do acto administrativo de atribuição da Licença.

A ZON sustenta que o acto administrativo de emissão da Licença à BRAGATEL, praticado em 29 de Dezembro de 1999, com as especificidades e obrigações naquela constantes, era de objecto impossível, constituindo um acto nulo para efeitos do disposto no artigo 133.°, n.º 2, alínea c) do CPA, podendo, como tal, o ICP-ANACOM declarar a nulidade daquele acto a todo o tempo nos termos do disposto no n° 2 do artigo 134.°.

E, acrescenta, esta nulidade não produzirá efeito após 1 de Janeiro de 2004, na medida em que, por força da alteração efectuada pela Portaria n° 1062/2004, de 25 de Agosto, o acto administrativo sofreu uma alteração significativa, sendo materialmente um novo acto, o que aconteceu após audição do ICP-ANACOM aos titulares das licenças que informaram em que termos pretendiam que as mesmas fossem alteradas.

Não se suscitando questões de inadmissibilidade legal de declaração de nulidade por inexistência de qualquer abuso de direito, conclui a ZON pela necessária declaração de nulidade do acto de emissão da licença n° ICP 11/99-FWA a favor da BRAGATEL por o seu objecto ser de impossível execução até Janeiro de 2004, data em que, por força da Portaria 1062/2004, de 25 de Agosto, foram reflexamente alteradas as condições constantes das licenças emitidas.

3.2 É irrefutável que o nível de exploração do FWA ficou, nos primeiros anos, aquém das expectativas. O que se refere no preâmbulo da Portaria n.º 1062/2004, de 25 de Agosto, a este propósito é suficientemente elucidativo.

Também é verdade que a referida Portaria só foi publicada em 2004, quando o Regulamento do Concurso para a atribuição das licenças FWA (Portaria n.° 465-B/99, de 25 de Junho) previa que a atribuição das frequências às entidades licenciadas deveria ser revista no prazo de dois anos a contar da emissão das licenças, ou seja, em 2002.
Não obstante, reitera-se o já referido no parecer aprovado pela deliberação de 19 de Agosto de 2009, ou seja, as alterações ao regime de utilização de frequências introduzidas pela Portaria n.° 1062/2004, não envolviam o reconhecimento de que o anterior não podia ser implementado, mas visavam, unicamente, criar melhores condições para a sua implementação por parte dos operadores.

Com efeito, aquela Portaria pretendendo relançar a utilização dos sistemas FWA, autorizou o ICP-ANACOM a definir um novo modelo de utilização das frequências por zonas, tendo em vista a recuperação dos direitos de utilização das frequências que não estavam a ser efectivamente utilizadas; a permitir ao ICP-ANACOM adaptar os respectivos títulos habilitantes, nomeadamente adequando as obrigações de cobertura e de instalação de infra-estruturas constantes das frequências que se mantivessem nas respectivas titularidades.

Isto é, aquela Portaria, em face das dificuldades surgidas na implantação dos sistemas FWA, veio permitir e estimular as empresas licenciadas a adequarem os respectivos modelos de exploração.

Nenhuma das razões extensivamente aduzidas pela ZON na sua pronúncia, incluindo as apontadas omissões em que terá incorrido o ICP-ANACOM – (i) não decisão de suspensão do pagamento da taxa de utilização das frequências e (ii) a não revisão das frequências e taxas em 2002 -, concorre para que o acto atributivo das licenças FWA em 1999 possa, em qualquer circunstância, ser considerado nulo por impossibilidade de execução até Janeiro de 2004, pois esta era perfeitamente possível.

E tanto assim é que, conforme apuraram os serviços de fiscalização do ICP-ANACOM em acção efectuada entre 16 e 30 de Janeiro de 2004,  todos os operadores licenciados (com excepção da BRAGATEL, da TELEWEB e da MAXITELSAT, S.A., estas duas últimas entretanto declaradas falidas e cujas cauções prestadas no âmbito do concurso foram accionadas pelo ICP-ANACOM) operavam sistemas FWA, ou seja, tinham instalado estações de base (BTS) e dispunham de uma maior ou menor “carteira” de clientes.

Aliás, a própria BRAGATEL solicitou em 19 /7/2001 o licenciamento de uma estação (em Lisboa - Campo Grande), a qual esteve activa até 18/12/2006.

Assim, tudo o indica, só a BRAGATEL se viu afectada, de forma incontornável, «(…) pela turbulência do mercado tecnológico, (…) pela indefinição das tecnologias e possibilidades do FWA, (…) pela necessidade de realização de estudos ou por qualquer outra razão plausível.» (itálico nosso).

Registe-se que a forma vaga e indeterminada como a empresa faz alusão a um conjunto de factores que a terão impedido ou condicionado a execução da proposta que apresentou ao concurso público de atribuição das licenças FWA – e que foi determinante do acto atributivo do título em face à proposta apresentada por outros dois candidatos à mesma faixa de frequências dos 27,5 – 29,5 GHz -, marca claramente a postura por esta adoptada ao longo de todo o processo.

De facto, a empresa, em momento algum, teve o cuidado de concretizar, de forma circunstanciada e, sobretudo, comprovável, as dificuldades com que se terá deparado, chegando agora ao cúmulo de alegar a existência de «outras razões plausíveis» para sustentar a impossibilidade de explorar o sistema FWA.

Mais. Estando convicta de que não estavam reunidas as condições para iniciar a exploração do sistema FWA no prazo legal de 18 meses contado da emissão do título, nos termos a que se havia proposto e vinculado, optou por não solicitar ao ICP-ANACOM a alteração da sua licença, conforme admitia o artigo 18.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei  n.º 381-A/97, de 30 de Dezembro.

Em síntese, fica a convicção de que o fim último da argumentação aduzida pela ZON visa permitir-lhe eximir ao pagamento das taxas de utilização do espectro FWA devidas até Janeiro de 2004.

A conceder-se, o ICP-ANACOM criaria um verdadeiro regime de excepção no que toca ao pagamento das taxas devidas, criando uma situação de discriminação positiva e ilegal da empresa relativamente aos demais operadores licenciados que não deixaram de pagar o montante das taxas que lhes foram liquidadas e cobradas desde a entrada em vigor da Portaria n.º 465-A/99, de 25 de Junho.

III
Proposta de decisão

Face ao exposto, propõe-se que o Conselho de Administração do ICP-ANACOM mantenha, de facto e de Direito, o projecto de decisão aprovado na sua deliberação de 18.01.2008 e delibere aprovar a seguinte decisão final:

1. Revogar o acto atributivo da licença n.º ICP-11/99-FWA, emitida à BRAGATEL - Companhia de Televisão por Cabo de Braga, S.A. (doravante BRAGATEL) para a exploração de sistemas de acesso fixo via rádio (FWA);

2. Determinar a correspondente recuperação do direito de utilização de frequências atribuído, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2004;

3. Indeferir o pedido de eficácia retroactiva do acto de revogação com efeitos à data de atribuição do título, a qual teve lugar em 29 de Dezembro de 1999.

Notas
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1 Resposta à consulta pública sobre Acesso Fixo via Rádio (FWA).


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