Análise dos comentários da Comissão Europeia aos processos PT/2008/0850 e PT/2008/0851


/ Atualizado em 27.01.2009

O mercado 4, conforme definido pela própria Comissão Europeia, é, à partida, tecnologicamente neutro – trata-se do mercado de fornecimento grossista de acesso (físico) à infra-estrutura de rede num local fixo, independentemente da infra-estrutura.

A ARCEP foi, por exemplo, ainda mais abrangente na sua análise ao mercado 4, já que incluiu na definição daquele mercado o acesso a condutas baseado no pressuposto de que, estando os acessos em fibra óptica incluídos nesse mercado, o acesso a condutas também está, uma vez que é um substituto do acesso a fibra escura.

A Comissão Europeia faz notar que – tanto quanto é de seu conhecimento – o cabo não pode ser objecto de desagregação, pelo que fica excluída a possibilidade de substituição directa a nível grossista por lacetes em par de cobre. No entanto, a desagregação da fibra óptica também é tecnicamente complexa, nomeadamente em soluções PON, e distinta da desagregação de lacetes em par de cobre, pelo que a substituibilidade directa a nível grossista entre o par de cobre e a fibra óptica também não é imediata.

Salientando que a opção por incluir, ou não, os acessos suportados em cabo coaxial na definição do mercado de fornecimento grossista de acesso (físico) à infra-estrutura de rede num local fixo, não altera as conclusões da análise, o ICP ANACOM mantém a definição de mercado adoptada na proposta de medida e irá aprofundar a análise desta matéria até à próxima reavaliação do mercado.

Nessa análise terá em conta, nomeadamente, todas as implicações resultantes da inclusão, ou não, dos acessos suportados em cabo coaxial na definição do mercado e a consistência geral da abordagem no que toca à inclusão, neste mercado, dos produtos suportados em diferentes tecnologias (nomeadamente, em pares de cobre, cabo coaxial e fibra óptica), em termos da compatibilidade com os instrumentos da lei da concorrência – nomeadamente a avaliação de substituibilidade tendo em conta os constrangimentos directos e indirectos.

Quer no mercado 4, quer no mercado 5, a Comissão Europeia entende que o ICP ANACOM não justificou, de forma suficiente, a razão pela qual o aumento de preços ao nível grossista seria inteiramente transferido para os utilizadores finais dos produtos de retalho de acesso em banda larga.

O ICP-ANACOM informou a Comissão Europeia nomeadamente de que:

  1. Tendo em conta que concluiu que em certas áreas geográficas, abrangendo 61% do total de acessos em banda larga, o mercado de retalho de acesso em banda larga goza de concorrência efectiva – sendo, assim, os preços muito próximos dos custos (em cenário de concorrência efectiva) –, qualquer aumento nos preços grossistas (que constituem custos variáveis para os operadores alternativos) tem de ser repercutido num aumento dos preços retalhistas; doutro modo, as empresas passariam a praticar preços inferiores aos custos.
  2. Em acréscimo, no mercado 5, o preço das ofertas de banda larga do operador dominante é regulado através de uma obrigação de controlo de preços (“retalho-menos”) e encontra-se muito próximo do nível mínimo permitido; assim, aumentos dos preços grossistas têm necessariamente de ser reflectidos em aumentos dos preços de retalho, quer pelo operador dominante (para cumprir a regra de “retalho-menos”), quer por parte dos operadores alternativos, que têm margens positivas, mas reduzidas.

A este respeito (intensidade dos constrangimentos indirectos) veja-se também a posição do grupo de peritos do ERG, em relação às sérias dúvidas suscitadas pela Comissão Europeia no caso da análise do mercado 5 efectuada pela CMT1: “First of all the Expert Group does not share the Commission’s view that indirect constraints should be taken into account in the assessment of SMP rather than in the definition of the relevant market. […] A restriction of the definition of the market to the activities carried out by the incumbent and limiting the assessment of SMP to this operator risks an erroneous outcome of the market analysis.”

O grupo de peritos do ERG continua defendendo que a Comissão Europeia “requires an NRA to be able to demonstrate that sufficient demand substitution would occur at the retail level in response to a SSNIP at the wholesale level to render the wholesale price rise unprofitable. The Expert Group’s view is that it is unlikely that an NRA would have available concrete evidence to demonstrate such a point. This is because such relative price changes are very unlikely to have occurred in practice”.

E termina, referindo que “Under the assumptions of the HMT prices are assumed to be at the competitive level i.e. they reflect cost. As such the vertically integrated hypothetical monopolist would have to pass on any price increase at the wholesale level in order to avoid running at a loss, which would not be sustainable. Moreover, in circumstances where the hypothetical monopolist is supplying wholesale services to third-parties and it were not to pass on its wholesale price increase through its own retail prices, then this would create a margin squeeze, given the assumption of prices being at the competitive level”, que é o que se defende acima.

Assim, o ICP-ANACOM mantém o entendimento de que, nos casos em apreço e no âmbito do teste SSNIP (small but significant non-transitory increase in price), aumentos de preços ao nível grossista seriam inteiramente transferidos para os utilizadores finais dos produtos de retalho de acesso em banda larga.

O ICP-ANACOM também apresentou à Comissão Europeia resultados detalhados de estudos (nomeadamente sobre elasticidade procura-preço) que indiciam que, em Portugal, os consumidores de serviços de banda larga são bastante sensíveis a aumentos de preços, pelo que aumentos de preços retalhistas por parte de um operador (nomeadamente de ofertas suportadas em pares de cobre) levam a uma substituição significativa da procura das ofertas desse operador por outros produtos de banda larga, nomeadamente suportados em cabo coaxial. Essa diminuição da procura é tal que leva a que o aumento de preço não seja rentável.

Neste contexto, sem prejuízo para outras considerações, o ICP ANACOM continuará a aprofundar esta matéria, de forma a fortalecer ainda mais a robustez de análises futuras.

A Comissão Europeia convida o ICP-ANACOM a monitorizar a progressão da concorrência e a actualizar a sua análise de mercado, antes do termo do período transitório de um ano, no respeitante às 12 áreas de central consideradas competitivas e onde a quota de mercado retalhista do Grupo PT era ainda igual ou superior a 50%, no final de 2007.

Como se previa já no relatório da audiência prévia, podem haver evoluções relevantes que alterem as condições concorrenciais particularmente nas áreas de central incluídas na “área C”, pelo que o efeito dessas evoluções terá de ser avaliado em análises periódicas, com períodos relativamente curtos2. Tais evoluções que podem vir a ocorrer estão sobretudo relacionadas com a introdução da fibra óptica na rede de acesso, com a eventual criação de novos pontos de atendimento, com a respectiva transferência de lacetes entre pontos de atendimento (remotização de lacetes de pontos de atendimento principais para pontos de atendimento secundários) e com o impacto da eliminação da obrigação de controlo de preços nas “áreas C” no mercado de fornecimento grossista de acesso em banda larga (mercado 5).

É, assim, intenção do ICP-ANACOM acompanhar atentamente e analisar aprofundadamente, a curto prazo, as condições concorrenciais das áreas de central incluídas na “área C”, com particular destaque para as 12 áreas onde a quota de mercado retalhista do Grupo PT era ainda igual ou superior a 50%, no final de 2007.

A Comissão Europeia solicita ao ICP-ANACOM que indique claramente, na decisão final, que a fibra óptica está incluída nos mercados 4 e 5.

O documento de análise dos mercados 4 e 5, notificado à Comissão Europeia, já continha referências explicitas à possibilidade de os acessos suportados em fibra óptica virem a ser sujeitos a regulação ex-ante, o que, implicitamente, significava que os acessos suportados em fibra óptica faziam parte dos mercados grossistas. 

A Comissão Europeia solicitou, ainda assim, que o ICP-ANACOM indicasse claramente, na decisão final, que os acessos em fibra óptica estão incluídos nos mercados 4 e 5.

Assim, e tendo em conta que a definição dos mercados grossistas 4 e 5 está em linha com os mercados relevantes apresentados pela Comissão Europeia na sua Recomendação sobre mercados relevantes3, explicita-se que a definição dos mercados 4 e 5 cobre os acessos em fibra óptica, tendo em conta o princípio da neutralidade tecnológica.

A Comissão Europeia convida o ICP-ANACOM a impor medidas correctivas aplicáveis aos produtos de acesso por fibra óptica, quer no âmbito do mercado 4, quer no âmbito do mercado 5, conforme adequado, após a consulta nacional sobre as NRA, cujos projectos devem ser notificados à Comissão Europeia em conformidade com o estabelecido no artigo 7.º da Directiva-Quadro.

Conforme já referido, na análise prevê-se, em termos genéricos, a possibilidade de impor, tanto no mercado 4 como no mercado 5 (neste último, na “área NC”), obrigações de acesso a fibra óptica. Registe-se que, segundo os comentários tecidos pela Comissão Europeia as medidas correctivas no mercado 5 ainda não estariam contempladas na análise notificada (e convidava o ICP-ANACOM a examinar atentamente a necessidade de imposição de medidas correctivas aplicáveis ao acesso a fibra óptica também no mercado 5). Esclarece-se, no entanto, que esta possibilidade já se encontra prevista na página 143 da secção 8.2.1.1. da análise. Por lapso, as tabelas 34 e 35 da análise não incluiam a referência a esta possível medida.

A avaliação detalhada e específica de eventuais obrigações relacionadas com os acessos em fibra óptica será assim efectuada em sede própria, nomeadamente no âmbito da consulta pública sobre NRA e medidas subsequentes, no âmbito da qual a proposta de Recomendação da Comissão Europeia sobre a abordagem regulatória às NRA será também tida em devida conta.

Os projectos de medidas referentes à regulamentação das NRA serão objecto de consulta pública e notificados em conformidade com o estabelecido no artigo 7.º da Directiva-Quadro.

A Comissão Europeia sublinha a necessidade de o ICP-ANACOM monitorizar o nível geral de concorrência grossista e o fornecimento de serviços grossistas de acesso em banda larga em Portugal, a fim de garantir que tanto os clientes empresariais como os clientes residenciais estão adequadamente protegidos por uma concorrência efectiva no período abrangido pela análise.

O ICP-ANACOM pretende vir a solicitar periodicamente informação, tanto aos OPS – nomeadamente aos operadores que prestam serviços suportados na OLL – como ao Grupo PT, sobre a eventual disponibilização, na “áreas C”, de ofertas grossistas de acesso em banda larga no mercado.

Nessa análise serão também tidas em conta as várias possibilidades de escolha dos utilizadores finais, quer sejam suportadas em ofertas grossistas, quer sejam suportadas em infra-estrutura própria dos operadores.
 
Síntese

Na tabela seguinte sintetizam-se os principais comentários tecidos pela Comissão Europeia e a posição assumida pelo ICP ANACOM face aos mesmos:

Comentários da Comissão Europeia

Posição do ICP ANACOM

Apela fortemente à não inclusão do cabo no mercado 4.

Não se acolhe este comentário pelos motivos supra referidos, destacando-se, de qualquer forma, que caso o mesmo fosse acolhido não alteraria as conclusões da análise.

Convida o ICP-ANACOM a monitorizar a progressão da concorrência e a actualizar a sua análise de mercado, antes do termo do período transitório de um ano, no respeitante às 12 áreas de central consideradas competitivas e onde a quota de mercado retalhista do Grupo PT era ainda igual ou superior a 50%, no final de 2007.

Assume-se o compromisso de acompanhar atentamente as condições competitivas nas "áreas C", incluindo as referidas 12 áreas de central, explicitando-o no texto da deliberação.

Solicita ao ICP-ANACOM que indique claramente, na decisão final, que a fibra óptica está incluída nos mercados 4 e 5.

É clarificado que a fibra óptica está incluída na definição dos dois mercados em análise, apesar de implicitamente já o estar.

Convida o ICP-ANACOM a impor medidas correctivas aplicáveis aos produtos de acesso por fibra óptica, nos dois mercados.  

A possibilidade de imposição destas medidas - sujeitas a consulta posterior - já se encontrava contemplada no sentido provável de decisão, clarificando-se nas tabelas 34 e 35 a possibilidade de impor, em determinadas condições, uma oferta grossista de acesso a lacetes ópticos.

Sublinha a necessidade de o ICP-ANACOM monitorizar o nível geral de concorrência grossista e o fornecimento de serviços grossistas de acesso em banda larga em Portugal.  

Pretende-se vir a solicitar periodicamente informação de forma a acompanhar a evolução do mercado.



1 Caso ES/2008/0805.
2 Deu-se, no relatório da audiência prévia, o exemplo da remotização de lacetes, tendo-se esclarecido que o efeito da remotização seria “avaliado nas análises periódicas que se seguirão com períodos relativamente curtos, não havendo elementos consolidados de desenvolvimento das redes que permitam avançar de modo não puramente especulativo”.
3 Respectivamente: - Mercado 4: Fornecimento grossista de acesso (físico) à infra-estrutura de rede (incluindo o acesso partilhado ou totalmente desagregado) num local fixo. - Mercado 5: Fornecimento grossista de acesso em banda larga. Este mercado compreende o acesso à rede não física ou virtual, incluindo o acesso em fluxo contínuo de dados (bitstream), num local fixo. Este mercado situa-se a jusante do fornecimento de acesso físico abrangido pelo mercado 4 atrás mencionado, porque o fornecimento de acesso grossista em banda larga pode ser materializado utilizando este recurso em combinação com outros elementos.