Decreto-Lei n.º 146/99, de 4 de maio



Presidência do Conselho de Ministros

Decreto-Lei


As dificuldades ligadas aos procedimentos judiciais dissuadem o consumidor de fazer valer os seus direitos. A experiência adquirida a nível nacional, bem como noutros países comunitários, demonstra que os mecanismos alternativos de resolução extrajudicial dos litígios de consumo, desde que garantido o respeito de certos princípios essenciais, podem assegurar bons resultados, quer para os consumidores, quer para os profissionais, reduzindo o custo e o prazo de resolução dos litígios de consumo.

O quadro legal estabelecido pelo presente diploma visa garantir a imparcialidade, a objectividade, a eficácia e a transparência da actividade de departamentos ou órgãos responsáveis pela resolução extrajudicial de conflitos de consumo através de um sistema de registo junto do Instituto do Consumidor.

Tendo em conta as características próprias do sistema português, segue-se de perto o teor da Recomendação da Comissão da União Europeia n.º 98/257/CE, de 30 de Março, relativa aos princípios aplicáveis aos organismos responsáveis pela resolução extrajudicial de litígios de consumo.

Através desta regulamentação pretende-se incentivar o desenvolvimento e reforçar a confiança dos consumidores e dos profissionais nestes mecanismos alternativos.

Assim:

Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta, para valer como lei geral da República, o seguinte:

Artigo 1.º
Sistema de registo voluntário

1 - É criado o sistema de registo voluntário de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos de consumo.

2 - As entidades que pretendam instituir procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos de consumo através de serviços de mediação, de comissões de resolução de conflitos ou de provedores de cliente, qualquer que seja a denominação ou a forma que revistam, solicitam o respectivo registo junto do Instituto do Consumidor, ficando sujeitas aos princípios e regras de procedimento previstos no presente diploma.

3 - A arbitragem não se encontra abrangida pelo presente diploma.

4 - O disposto neste diploma não prejudica a utilização de outras formas de resolução extrajudicial de conflitos.

Artigo 2.º
Princípio da independência

1 - As entidades referidas no n.º 2 do artigo anterior devem oferecer garantias de independência e de imparcialidade na sua actuação.

2 - Sempre que a entidade que profere a decisão ou intervém como mediador seja um provedor de cliente ou uma pessoa singular, qualquer que seja a sua designação, a independência e imparcialidade são garantidas, designadamente, pelos seguintes meios:

a) A pessoa designada deve possuir a capacidade, experiência e a competência necessárias, nomeadamente em matéria jurídica ou outras, para o exercício das funções;

b) O mandato deve ter uma duração nunca inferior a três anos, não sendo possível pôr-lhe termo sem motivo justificado e devidamente fundamentado;

c) Sempre que a pessoa designada seja nomeada ou paga, directa ou indirectamente, por uma associação profissional ou por uma empresa, não pode ter exercido nem poderá vir a exercer funções por conta da associação profissional ou da empresa em causa, de sua associada ou de empresa do mesmo sector nos três anos precedentes e subsequentes ao termo do seu mandato.

3 - Sempre que a entidade em causa integre várias pessoas, a sua independência é assegurada pela representação paritária das organizações de consumidores e dos profissionais ou pela aplicação a cada um dos seus membros dos critérios enunciados no número anterior.

Artigo 3.º
Princípio da transparência

1 - As entidades referidas no n.º 2 do artigo 1.º devem prestar a qualquer pessoa que o solicite, por escrito ou por qualquer outra forma apropriada, informações sobre:

a) A natureza e âmbito dos litígios que podem ser submetidos à apreciação da entidade, bem como os limites eventualmente existentes relativamente ao âmbito material e territorial ou ao valor em litígio;

b) As regras do procedimento, incluindo as diligências preliminares eventualmente impostas ao consumidor, bem como outras disposições procedimentais, nomeadamente as relativas ao seu carácter escrito ou oral, à comparência dos sujeitos interessados e outros intervenientes e ao idioma utilizado;

c) A forma como a entidade decide sobre o litígio, nomeadamente as regras de voto no caso de deliberações;

d) As normas em que se fundamentam as decisões da entidade, nomeadamente os juízos de equidade ou as regras não legais eventualmente aplicáveis, tais como códigos de boa conduta ou normas deontológicas;

e) O valor jurídico da decisão da entidade, com indicação clara se a mesma é ou não vinculativa para o profissional;

f) As sanções aplicáveis em caso de não respeito pelo profissional da decisão da entidade quando esta é vinculativa, bem como as vias de recurso eventualmente abertas à parte cuja pretensão não foi satisfeita;

g) O regulamento de funcionamento.

2 - A entidade deve publicar um relatório anual relativo à sua actividade, que permita avaliar os resultados obtidos e identificar a natureza dos litígios que lhe foram submetidos.

Artigo 4.º
Regras de procedimento

1 - As regras aplicáveis aos procedimentos de resolução de conflitos de consumo regulados neste diploma devem constar de regulamento de funcionamento aprovado pelas entidades referidas no n.º 2 do artigo 1.º, devendo respeitar os seguintes princípios:

a) Às partes deve ser assegurado o direito de dar conhecimento do respectivo ponto de vista à entidade que vai decidir e de tomar conhecimento de todas as posições e factos invocados pela outra parte, bem como, se for o caso, das declarações dos peritos, podendo fazê-lo por um meio de comunicação a distância;

b) Às partes deve ser igualmente assegurado o direito de se fazer representar ou acompanhar por advogado ou outro procurador com poderes especiais ou por representante devidamente credenciado de associação de consumidores ou de profissionais dotada de representatividade;

c) A entidade competente deve tomar em consideração quaisquer elementos úteis para a resolução do litígio, mesmo que estes não tenham sido expressamente invocados pelas partes;

d) Os prazos para a prática de quaisquer actos e, designadamente, para a decisão final, bem como o formalismo mínimo para a sua validade, devem ser clara e precisamente definidos;

e) Os poderes de intervenção da entidade competente na condução do procedimento devem ser claramente identificados e definidos com rigor e precisão.

2 - Os procedimentos referidos no presente diploma são isentos de quaisquer encargos para o consumidor.

3 - O prazo para a decisão, a que se refere a alínea d) do n.º 1, não deve exceder seis meses contados a partir do momento em que o litígio lhe é submetido.

4 - A decisão final relativa ao procedimento é fundamentada, exarada em acta e comunicada aos interessados, por escrito ou por qualquer outra forma apropriada, no mais curto prazo após a sua adopção, que não poderá nunca exceder 30 dias.

Artigo 5.º
Registo

1 - A entidade requerente do registo previsto no n.º 1 do artigo 1.º não pode dar início à sua actividade antes de ser notificada pelo Instituto do Consumidor da formalização do registo.

2 - São fixadas por portaria do membro do Governo que tutela a área da defesa do consumidor as regras relativas ao procedimento e à admissibilidade do registo.

3 - O Instituto do Consumidor disponibiliza, para uso das entidades registadas, um logótipo, cujo modelo e forma de utilização são fixados na portaria mencionada no número anterior.

Artigo 6.º
Adesão prévia

1 - Os profissionais que se comprometam previamente a submeter o litígio de consumo a qualquer entidade referida no n.º 1 do artigo 1.º ficam sujeitos às respectivas decisões.

2 - Sem prejuízo do disposto no Código da Publicidade, os profissionais que assumam o compromisso referido no número anterior podem mencionar esse facto na sua publicidade.

3 - Compete às associações profissionais estabelecer códigos de conduta que garantam o respeito pelos seus associados dos compromissos assumidos nos termos do n.º 1.

Artigo 7.º
Adesão do consumidor

Salvo disposição em contrário, a adesão do consumidor ao procedimento extrajudicial no quadro do presente diploma não o priva do direito que lhe assiste de recorrer aos órgãos jurisdicionais competentes para resolver o litígio.

Artigo 8.º
Execução da decisão

A decisão da entidade competente pode constituir título executivo, desde que se verifiquem os requisitos para esse efeito fixados na lei processual civil.

Artigo 9.º
Supervisão

1 - Cabe ao Instituto do Consumidor zelar pelo respeito do disposto no presente diploma, podendo, designadamente, determinar a extinção do registo e a cessação das acções publicitárias previstas no n.º 2 do artigo 6.º.

2 - No caso previsto no número anterior o Instituto do Consumidor poderá publicitar a extinção do registo e a exclusão da entidade do sistema previsto no presente diploma.

3 - As entidades visadas pelo presente diploma devem comunicar ao Instituto do Consumidor as informações previstas no artigo 3.º, bem como os elementos necessários para verificação do respeito do disposto no presente diploma.

4 - As informações mencionadas no número anterior devem ser actualizadas anualmente e sempre que se justifique.

5 - O Instituto do Consumidor põe à disposição do público uma base de dados relativa às entidades que dispõem de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos registados no âmbito do presente diploma.

Artigo 10.º
Regime transitório

O disposto no presente diploma aplica-se a quaisquer entidades referidas no artigo 1.º, incluindo aquelas que estejam criadas ou em funcionamento à data da sua entrada em vigor e que pretendam aderir ao sistema.

Artigo 11.º
Entrada em vigor

1 - Com excepção do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 5.º e do número seguinte, o presente diploma entra em vigor na data da publicação da portaria.

2 - A portaria mencionada no número anterior deve ser publicada no prazo de 60 dias contado da data da publicação do presente diploma.

 

Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 11 de Março de 1999. - António Manuel de Oliveira Guterres - José Eduardo Vera
Cruz Jardim
- José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.

Promulgado em 15 de Abril de 1999.
Publique-se.
O Presidente da República, Jorge Sampaio.
Referendado em 21 de Abril de 1999.
O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oliveira Guterres.