Presença de obstáculos fortes e não transitórios à entrada no mercado


À partida, não existem quaisquer barreiras legais, administrativas ou regulatórias à entrada no mercado retalhista de circuitos alugados.

Relativamente às barreiras estruturais, importa analisar, segundo a Recomendação, os “indicadores relativos aos obstáculos à entrada na ausência de regulamentação (incluindo a medida dos custos irrecuperáveis), à estrutura do mercado, ao seu desempenho, à sua dinâmica, incluindo indicadores como as quotas de mercado e as tendências nessa matéria, os preços do mercado e as tendências nessa matéria, assim como a extensão e a cobertura das redes ou infra-estruturas concorrentes”.

Na anterior análise de mercado, o ICP-ANACOM concluiu que a elevada e persistente quota de mercado das empresas do Grupo PT, juntamente com as barreiras à entrada associadas à extensão da rede e integração vertical dessas empresas, constituía um indicador de que a dominância do Grupo PT no retalho iria manter-se no futuro. Por outro lado, considerou o ICP-ANACOM que a regulação ao nível grossista não era, só por si, suficiente para colmatar eventuais falhas de mercado, isto é, para cumprir os objectivos regulatórios nesta matéria.

Com efeito, em 2004, apenas o Grupo PT estava presente no mercado retalhista de circuitos alugados analógicos, pelo que a sua quota de mercado era, naturalmente, de 100%. Ao nível dos circuitos alugados digitais, a quota de mercado do Grupo PT, no final do mesmo ano, era de cerca de 93% ao nível de receitas 1 no mercado de circuitos até 2 Mbps, circuitos abrangidos pelo conjunto mínimo. A quota do Grupo PT nas componentes de 64 Kbps e de n×64 Kbps era superior aquele valor (cerca de 97%), mas o mesmo já não acontecia para os circuitos de 2 Mbps e superiores (mas estes já fora do mercado relevante 2), em que a quota descia para cerca de 81%. Este facto já indiciava uma apetência para uma entrada no mercado fundamentalmente ao nível dos circuitos de maior capacidade, nomeadamente associados a distâncias mais longas, os quais permitem, à partida, uma maior rentabilidade.

Estas elevadas quotas de mercado do Grupo PT têm-se vindo a reduzir ao longo do período agora em análise (2006 a 2008).
Nos circuitos analógicos, ainda que a quota do Grupo PT se mantenha próximo de 100%, assistiu-se à entrada, em 2007, de dois operadores neste segmento do mercado retalhista. Acresce que existe uma clara migração de circuitos analógicos para circuitos digitais de baixo débito, tendo o volume de circuitos analógicos no retalho diminuído 16,1% entre 2006 e 2008.

Ao nível dos circuitos alugados digitais (até 2 Mbps, exclusive), o volume e a receita globais destes circuitos encontra-se, nos últimos anos, em queda acentuada (de, respectivamente 47,1% e 23,7%, de 2006 para 2008). A quota de mercado do Grupo PT 3 nestes circuitos que, no final de 2008, era de 87,3% ao nível de receitas e de 90,8% ao nível do volume, apresenta descidas da ordem dos 6%.

À primeira vista, esta descida da quota de mercado do Grupo PT parece representar uma redução pouco significativa, mas o certo é que não tem em conta a evolução verificada nos segmentos dos circuitos de 2 Mbps (e de capacidade superior, mas que actualmente não são regulados), cujas receitas e volume, ao contrário dos circuitos analógicos e digitais de baixa capacidade, tem vindo a aumentar de modo significativo e em que importa salientar que as quotas de mercado do Grupo PT nestes dois “segmentos” (2 Mbps e de capacidade superior) descem, no final de 2008, para valores de 70,3% e 39,7% em termos de volume, respectivamente para os segmentos de circuitos de 2 Mbps e de capacidades superiores 4.

Adicionalmente, importa salientar que, desde 2005, entraram no mercado retalhista, em particular nos segmentos de capacidade igual ou superior a 2 Mbps, vários novos operadores, o que tem vindo a trazer uma nova dinâmica a este mercado, principalmente nestes segmentos considerados mais rentáveis, concretizada num aumento expressivo da quota de mercado dos novos operadores neste mesmo segmento. Não há, portanto, obstáculos intransponíveis à entrada no mercado, como já se tinha concluído supra, relativamente aos circuitos analógicos.

Assim, face:

  • à entrada de novos prestadores no mercado de retalho (incluindo a entrada de dois operadores no segmento de circuitos analógicos em 2007);

  • à redução continuada do volume de circuitos analógicos e digitais de baixo débito e correspondente receita;

  • à tendência para a migração de circuitos analógicos para circuitos digitais de baixo débito, bem como destes para circuitos de capacidade superior (nomeadamente, superior a 2 Mbps); e

  • às expressivas quotas de mercado (especialmente em volume) já conseguidas pelos novos operadores no segmento de circuitos de 2 Mbps e, fundamentalmente, de capacidade superior a 2 Mbps,

é razoável afirmar que as barreiras à entrada no mercado retalhista de circuitos alugados já não serão (tão) elevadas. Numa análise prospectiva, é expectável que estas tendências sejam confirmadas e até acentuadas.

As principais barreiras à entrada identificadas pelo ICP-ANACOM na anterior análise de mercado estavam associadas ao controlo, por parte do Grupo PT, da rede de suporte ao serviço de circuitos alugados. Os custos irrecuperáveis (ou afundados), que no caso dos circuitos alugados são extremamente elevados, constituíam e ainda constituem uma importante barreira estrutural à entrada 5. Com efeito, não é economicamente viável para os novos operadores replicarem toda a rede de acesso da PTC, devendo também ter-se em conta as significativas economias de escala e de gama associadas a esta rede. Adicionalmente, o Grupo PT é composto por operadores integrados verticalmente, com presença quer ao nível do mercado grossista quer ao nível do mercado de retalho. Se existisse dificuldade em conseguir inputs do mercado grossista ou em obter esses inputs a um preço competitivo, poderiam acentuar-se as barreiras à entrada ao nível do retalho.

Todas estas barreiras foram consideradas, na anterior análise de mercado de 2005, como elevadas e não transitórias, não sendo previsível, à altura, que pudessem ser reduzidas num período de tempo razoável.

Esta conclusão poderia previsivelmente manter-se no futuro, se não acontecessem alterações estruturais substanciais nos mercados, especialmente ao nível das redes e tecnologia (e.g. Ethernet), pois, em termos globais, a quota do Grupo PT, ainda que tendo decrescido, continua actualmente elevada, acima de 80% para a totalidade do mercado retalhista de circuitos alugados.

Contudo, e de acordo com as Linhas de Orientação, a presente análise deve ser realizada partindo do princípio que o mercado retalhista não está sujeito a regulação ex ante, sendo no entanto considerada a eventual regulação dos mercados grossistas conexos.
Neste âmbito, considera o ERG que, por exemplo, uma obrigação grossista de acesso pode reduzir ou até eliminar as seguintes barreiras no mercado retalhista a jusante:

  • controlo de infra-estrutura não facilmente replicável: os operadores alternativos podem aceder e utilizar recursos específicos da rede do operador dominante em condições razoáveis e não discriminatórias;

  • vantagens ou superioridade tecnológica: os operadores alternativos podem ter acesso a tecnologias utilizadas pelo operador dominante e concorrer utilizando as mesmas vantagens tecnológicas;

  • integração vertical: a oferta de produtos grossistas regulados pode permitir aos operadores alternativos desenvolver gradualmente a sua própria rede, suportando-se (em complemento) na rede do operador dominante.

Para o ERG, uma obrigação grossista de orientação dos preços para os custos, em conjunto com a referida obrigação de acesso, pode contribuir ainda mais para a redução das barreiras à entrada no mercado retalhista a jusante, permitindo aos operadores adquirir os necessários inputs grossistas que lhes possibilitam concorrer ao mesmo nível que o prestador retalhista dominante.

Finalmente, poderá ser útil, segundo a mesma entidade, analisar o impacto efectivo das obrigações grossistas ao nível da entrada de operadores a jusante, isto é, se essas obrigações são efectivas na eliminação da falha de mercado.

Como já referido, o ICP-ANACOM concluiu, na anterior análise, que o Grupo PT detinha PMS nos mercados grossistas relevantes identificados e por conseguinte impôs a essa entidade as seguintes obrigações: i) acesso e utilização de recursos de rede específicos; ii) não discriminação na oferta de acesso e interligação e na respectiva prestação de informações; iii) transparência na publicação de informações; iv) separação de contas quanto a actividades específicas relacionadas com o acesso e/ou a interligação; v) controlo de preços e contabilização de custos e vi) reporte financeiro.

A PTC publicou em 2005, em cumprimento das referidas obrigações, a oferta de referência de circuitos alugados grossistas - ORCA -, abrangendo todo o território nacional e as tecnologias analógicas e digitais, contemplando, neste caso, os débitos de 64 Kbps a 2 Mbps, 34 Mbps e 155 Mbps. Esta oferta é activamente utilizada pela maioria dos operadores e prestadores de serviços, incluindo os operadores a actuar no mercado de retalho de circuitos alugados.

No âmbito da ORCA, os operadores têm acesso “garantido” em todo o território nacional e de modo não-discriminatório aos inputs grossistas, a preços orientados para os custos em prazos bem definidos e com determinada qualidade de serviço, o que lhes permite, para além da construção de rede própria, revender circuitos alugados no mercado retalhista, beneficiando da ubiquidade da rede da PTC, sem que tenham que, por exemplo, investir fortemente em infra-estruturas de rede alternativas. Podem ainda os operadores alternativos rentabilizar as infra-estruturas que detenham recorrendo ao aluguer de circuitos parciais, acessíveis através de co-instalação em centrais da PTC onde podem partilhar espaços e funcionalidades já disponíveis para outros serviço, nomeadamente acesso a lacetes locais e interligação de redes.

Adicionalmente, o ICP-ANACOM considera ser possível e mesmo necessário melhorar diversos aspectos da actual oferta grossista regulada, prevendo promover a sua alteração na sequência da presente análise de mercado de forma a que a mesma tenha um maior impacto nos mercados de retalho – nomeadamente com a inclusão dos circuitos Ethernet na ORCA. Esta matéria será abordada em detalhe no Capítulo 6, mas importa salientar desde já que a imposição de obrigações de controlo de preços, nomeadamente em termos de orientação para os custos, permite aos operadores alternativos beneficiar das economias de escala e de gama do Grupo PT.

Sem prejuízo, deve ser ainda salientado que os operadores alternativos têm vindo a desenvolver as suas redes de transporte em fibra óptica, nomeadamente recorrendo a fibra escura (por exemplo, de “utilities”), e instalando pontos de acesso/nós de rede nas principais cidades. Pelo facto de existir infra-estrutura de transporte alternativa nas rotas que ligam esses nós de rede, pode-se afirmar que, nessas mesmas rotas, não existirão barreiras à entrada, mesmo que não haja oferta grossista regulada. Esta matéria será mais detalhada no Capítulo seguinte.

Em conclusão, e em linha com o referido pela CE, podendo os operadores presentes no mercado retalhista manter uma oferta ubíqua, recorrendo à oferta grossista regulada de circuitos alugados, nomeadamente para complementar a infra-estrutura própria, então as barreiras à entrada já não são elevadas.

Os mercados grossistas e as obrigações a impor ao operador com PMS são analisados em secções posteriores, mas, para o propósito do presente teste, o ICP-ANACOM considera que a imposição efectiva, onde apropriado, das referidas obrigações grossistas é suficiente para reduzir as elevadas e não transitórias barreiras à entrada no mercado retalhista de circuitos alugados.

Tendo em conta a análise supra, considera o ICP-ANACOM que as obrigações impostas ao Grupo PT, e actual e efectivamente consagradas na oferta de referência grossista e na sua operacionalização, permitiram, efectivamente, a entrada e expansão de operadores no retalho, bem como o incremento da concorrência neste mercado, em especial ao nível dos circuitos de 2 Mbps e de capacidade superior a esta, sendo que estes últimos agora também fazem parte do mercado de produto.

Assim, o ICP-ANACOM considera que o mercado retalhista de circuitos alugados não cumpre o primeiro critério para definição de um mercado relevante susceptível de regulação ex ante.

Sendo os três critérios cumulativos, o facto de o primeiro não ser cumprido implica, automaticamente, o incumprimento do teste e a correspondente exclusão do mercado retalhista do conjunto de mercados relevantes para efeitos de regulação ex ante. Não obstante, far-se-á uma análise sucinta dos dois restantes critérios, aliás como tem sido prática corrente por parte dos restantes reguladores.

Notas
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1 E de cerca de 96% ao nível do volume de circuitos.
2 Tendo em conta o reduzido volume e receitas, no retalho, dos circuitos de maior capacidade (superior a 2 Mbps), estes foram excluídos do mercado relevante nessa decisão, sendo que já não integravam o conjunto mínimo de circuitos alugados definido a nível da União Europeia.
3 A partir de 2005, apenas uma empresa do Grupo PT, a PT Prime, está presente no mercado de retalho de circuitos alugados.
4 E para 87,2% e 34,2%, ao nível das receitas de circuitos, respectivamente de 2 Mbps e de capacidades superiores a esta.
5 Um potencial entrante pretenderá suportar tais custos de investimento se for expectável cobrir os mesmos, bem como os custos de produção, através das receitas conseguidas. O operador histórico (que já fez os seus investimentos) pode assim explorar esta assimetria sinalizando junto do potencial entrante que, caso decida iniciar a actividade naquele mercado, os preços serão demasiado baixos para cobrir os custos irrecuperáveis. Desta forma a entrada é desencorajada.