Atento o referido no capítulo anterior e considerando que:
A. É necessária uma atuação urgente para a salvaguarda da concorrência e defesa dos interesses dos utilizadores
A ANACOM, de acordo com o artigo 5.º da LCE, tem como objetivos de regulação fundamentais a promoção da concorrência e a defesa dos interesses dos cidadãos, incumbindo-lhe para tal, nomeadamente, assegurar a inexistência de distorções ou entraves à concorrência no setor das comunicações eletrónicas e adotar todas as medidas razoáveis e proporcionadas necessárias para garantir que qualquer empresa possa fornecer os serviços de comunicações eletrónicas ou estabelecer, alargar ou oferecer redes de comunicações eletrónicas.
Nos termos do disposto no artigo 9.º da LCE, a ANACOM pode, em circunstâncias excecionais, adotar medidas imediatas, proporcionadas e provisórias, quando considerar necessária uma atuação urgente para salvaguarda da concorrência ou defesa dos interesses dos utilizadores.
Existem problemas concorrenciais no fornecimento de capacidade nos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas, que estão devidamente identificados no capítulo anterior, relativos, nomeadamente à prática de preços em níveis excessivamente superiores aos custos, que afetam a eficiência estática, mas têm também impacto na dinâmica concorrencial, prejudicando os operadores alternativos, os utilizadores finais (especialmente) nas RA e o mercado em geral, tornando demasiado oneroso o aluguer de circuitos de elevada capacidade, nomeadamente de circuitos Ethernet.
Esta situação - a existência de margens excessivas por parte da MEO - é suscetível de ter um impacto negativo para o mercado em geral e em particular nas RAA e RAM, e como tal, torna urgente uma intervenção regulamentar, nomeadamente no sentido da redução substancial dos preços dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas, conforme explicitado no capítulo anterior.
É assim premente, em face de um adiamento da revisão da análise do mercado de acesso grossista de elevada qualidade num local fixo, a necessidade de adotar preços para os circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas (efetivamente) orientados para os custos.
O referido adiamento da conclusão da revisão da análise do mercado de acesso grossista de elevada qualidade num local fixo e a premência da adoção de uma medida que leve à orientação dos preços dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas para os respetivos custos, nos termos já indicados, constituem circunstâncias excecionais relevantes para efeitos de aplicação dos poderes conferidos pelo artigo 9.º da LCE - ao contrário do sustentado pela MEO na carta que em 26 de junho de 2015 enviou à ANACOM.
A este respeito, releve-se que o argumento da MEO de se exigir a realização do processo de análise de mercado como pressuposto de aplicação do artigo 9.º da LCE retirar-lhe-ia todo o sentido e efeito útil, por limitar a possibilidade de imposição dessas medidas ao momento em que já se concluiu o processo de análise que permite a adoção da decisão final, uma vez que nesse momento deixa de ser necessário impor medidas provisórias, podendo impor-se medidas definitivas1.
Foi estimado que a primeira redução dos preços dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas, no sentido da orientação gradual dos preços para os custos, conforme exposto no capítulo anterior, terá um impacto direto no conjunto dos operadores concorrentes da MEO na ordem dos [IIC] [FIC] euros por cada mês (ou cerca de [IIC] [FIC] euros por ano), mantendo-se tudo o resto contante, pelo que o adiamento da entrada em vigor da presente medida afeta de modo significativo a rentabilidade das ofertas destes operadores nas RA e, deste modo, afeta de modo significativo a concorrência, e consequentemente, os utilizadores finais.
Acresce que a ANACOM tem sido informada sobre as intenções de determinados operadores expandirem a capacidade contratada à MEO no anel CAM e, tudo o resto constante (i.e., caso se apliquem os preços atualmente definidos comercialmente pela MEO), o impacto da não entrada em vigor desta decisão de redução de preços ainda seria maior do que o acima estimado.
Tendo em conta que a MEO é monopolista nestas ligações, o nível de concorrência nos mercados está forçosamente dependente dos preços cobrados ao nível grossista. Podendo o monopolista cobrar preços muito acima dos seus níveis de custo - como se concluiu -, por falta de alternativa no mercado, maximiza assim os seus lucros. Esta situação leva normalmente a um aumento de preços retalhistas e/ou a uma redução da qualidade do serviço a que os utilizadores finais têm acesso por um determinado preço, podendo levar à redução da quantidade procurada no mercado e até à exclusão de utilizadores menos ativos.
Por outro lado, existem operadores que têm ofertas de banda larga fixa e de televisão por subscrição no Continente e que praticamente não têm este tipo de ofertas nas RA, sendo o preço dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas uma das barreiras à expansão da atividade desses operadores nas RA, o que constitui mais um motivo que desaconselha o adiamento desta decisão.
B. A adoção de medidas específicas de controlo de preços suporta-se numa análise de mercado, sendo impostas a operadores com PMS
Os problemas de concorrência acima identificados existem no âmbito de mercados relevantes específicos, que foram objeto de definição e análise de concorrência, com vista à identificação de operadores com PMS nesses mercados.
Não é expectável, face ao acompanhamento do mercado que tem sido feito e que o SPD de 19 de dezembro de 2014 reflete (embora de modo incompleto face aos dados que entretanto foram conhecidos, os quais, no entanto, não indicam qualquer alteração com repercussões relativas aos circuitos agora em causa), que, em relação aos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas, uma revisão da análise de mercado aprovada a 28 de setembro de 2010 resulte numa conclusão distinta da que então foi obtida, em especial no tocante ao poder de mercado significativo da MEO em relação a estes circuitos.
O SPD de 19 de dezembro de 2014, em que se analisa a situação dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas foi sujeito a consulta pública e audiência prévia dos interessados, confirmando e até reforçando as conclusões da anterior análise de mercados nesta componente específica.
Neste contexto, justifica-se, no âmbito da análise de mercados em vigor e quanto aos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas: (i) no que diz respeito à obrigação de transparência imposta, incluir os circuitos CAM de 10 Gbps (que se encontram abrangidos pela definição de mercado e pela obrigação genérica de acesso) na ORCE; e (ii) quanto à obrigação de controlo de preços imposta, alterar a respetiva metodologia de implementação, substituindo a regra de “retalho-menos” pelo princípio da obrigação de orientação dos preços para os custos dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas.
Note-se que o processo de análise do mercado em curso e as medidas cuja adoção foram propostas (no SPD) têm um âmbito mais amplo do que o das medidas provisórias em apreço, incluindo no que diz respeito aos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas uma prevista redução adicional dos preços visando a sua orientação para os custos, atendendo ao horizonte temporal da sua aplicação.
C. As medidas em causa são proporcionais
As medidas agora impostas:
(a) São necessárias, atentos os problemas identificados e a premência da respetiva resolução. As medidas não seriam necessariamente urgentes se se demonstrasse ou fosse expectável que se viesse a verificar a retificação da situação pelo normal funcionamento do mercado, o que não sucede dado que a MEO, até ao momento, está a cobrar preços muito elevados pelo aluguer dos circuitos em causa;
(b) São adequadas, uma vez que são aptas a combater os problemas identificados e não existem outras menos gravosas a que possa recorrer-se para o efeito. Em sentido estrito, o problema identificado é a prática de preços injustificadamente elevados, não havendo solução adequada menos gravosa que a regulação desses preços;
(c) São proporcionais, tendo em conta os benefícios decorrentes para o interesse público face aos prejuízos2 que decorreriam da sua não aplicação ou da sua aplicação em momento mais tardio, nomeadamente em virtude do previsível adiamento a que irá estar sujeita a aprovação de uma decisão definitiva sobre a análise deste mercado; por outro lado, a redução imposta é a necessária e suficiente para obviar de modo satisfatório aos prejuízos referidos no horizonte temporal previsto para a sua aplicação, sendo o ajustamento final efetuado no âmbito da decisão definitiva de análise de mercado;
(d) São aplicadas a um operador com PMS. A ausência de alternativas para os seus clientes e o natural incentivo e racionalidade dos agentes económicos torna desrazoável esperar que o operador com PMS venha, no livre funcionamento do mercado, a implementar, em tempo útil, uma descida dos preços até níveis razoavelmente próximos dos seus custos.
D. Existe enquadramento legal nacional e comunitário para a adoção imediata de medidas provisórias e urgentes, que não pressupõe que se efetue o procedimento geral de consulta previsto no art.º 8.º da LCE, a audiência prévia dos interessados, prevista no CPA, e a notificação à CE, nos termos dos artigos 57.º da LCE e 7.º da Diretiva-Quadro
A adoção de medidas urgentes está prevista na LCE, no seu artigo 9.º, que refere que “sem prejuízo do disposto na lei geral, a ARN pode, em circunstâncias excepcionais, adoptar medidas imediatas, proporcionadas e provisórias sem recurso aos procedimentos previstos nos artigos 8.º e 57.º, conforme os casos, quando considerar necessária uma actuação urgente para salvaguarda da concorrência ou defesa dos interesses dos utilizadores”.
O mesmo artigo refere ainda, no seu n.º 2, que “(...) a ARN deve informar, com a maior brevidade possível, a Comissão Europeia, as outras autoridades reguladoras nacionais e o ORECE das medidas adoptadas e respectiva fundamentação”.
O referido artigo 9.º da LCE corresponde à transposição do artigo 7.º (9) da Diretiva-Quadro que refere o seguinte: “Em circunstâncias excepcionais e em derrogação do procedimento previsto nos n.ºs 3 e 4, sempre que considere que é urgente agir para salvaguardar a concorrência e defender os interesses dos utilizadores, a autoridade reguladora nacional pode aprovar imediatamente medidas proporcionais e provisórias. Deve comunicar imediatamente essas medidas, e a sua justificação, à Comissão, às outras autoridades reguladoras nacionais e ao ORECE. Se a autoridade reguladora nacional decidir tornar tais medidas permanentes ou prorrogar o respectivo prazo de aplicabilidade, é aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4”.
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 124.º do CPA3, não há lugar a audiência prévia dos interessados quando a decisão seja urgente.
Verificam-se, como resulta do exposto, os pressupostos para adoção desta medida provisória, ao abrigo do artigo 9.º da LCE.
Adicionalmente, relembra-se que os interessados foram ouvidos quanto ao que constava do SPD de 19 de dezembro de 2014 (nomeadamente quanto aos preços que a ANACOM se propunha definir em relação aos preços dos circuitos CAM e inter-ilhas e respetiva metodologia), tendo os respetivos comentários e observações sido considerados na elaboração da presente decisão e integrados no Relatório da consulta pública e de audiência prévia, aprovado na data da presente decisão e que nesta se considera reproduzido. Os interessados tiveram assim oportunidade de se pronunciar sobre as questões que importam à presente decisão, que na sua generalidade são idênticas às que já eram mencionadas no referido SPD, pelo que sempre haveria lugar à dispensa de audiência prévia, ao abrigo da alínea e) do n.º 1 do artigo 124.º do CPA.
Finalmente, as medidas provisórias são, claramente, “excecionais”, não sendo uma prática sistemática desta Autoridade nos processos de análise de mercado ao abrigo da LCE, pelo contrário4. Há no entanto uma prática de ARN em outros Estados Membros de adoção de medidas provisórias com conteúdo similar ao das medidas ora em apreço e em contextos análogos.
1 Adicionalmente, obrigar à realização do processo de audiência prévia e consulta inerente à ''análise de mercado'' para a adoção de medidas provisórias urgentes não só contraditaria a sua própria natureza, como iria contra a letra da Diretiva-Quadro (cfr. artigo 6.º).
2 Que é grave, na medida em que se traduz na manutenção dos elevados preços grossistas e dos preços retalhistas, de elevadas barreiras à entrada de operadores alternativos nas RA, bem como uma eventual redução da qualidade dos serviços prestados e até na potencial exclusão do mercado de utilizadores finais e de operadores de menor dimensão. O impacto destes fatores vai para além do estrito plano do consumo de serviços de comunicações eletrónicas, afetando, de modo geral, o desenvolvimento de todas as atividades económicas nas RA que sejam direta ou indiretamente afetadas pelos preços e qualidades dos serviços disponíveis.
3 Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, diploma que aprova o novo CPA.
4 Até ao momento, só num caso foram medidas provisórias (no âmbito do mercado grossista de terminação de chamadas na rede telefónica pública num local fixo, em 2013), e por exigência da Comissão Europeia.