2. Introdução


Os governos, os organismos públicos e as entidades reguladoras devem procurar assegurar que as medidas de regulação que adotam são eficazes, uma vez que os custos económicos e sociais de uma regulação de fraca qualidade podem ser muito substanciais.

Em especial, no sector das comunicações, uma regulação de fraca qualidade pode resultar num conjunto de fatores suscetíveis de afetar adversamente, de modo direto ou indireto, a economia nacional:

a) No aumento dos custos de transação para os operadores (decorrentes em especial de se assegurar a conformidade com as decisões regulatórias)1 e para os utilizadores finais;

b) Na subida dos custos de coordenação, em especial nos casos em que a implementação e ou monitorização e ou sancionamento do incumprimento de uma dada medida regulatória compete a várias entidades;

c) Numa maior incerteza sobre a evolução dos mercados, refletindo-se isto no risco do negócio e, concomitantemente, em menores níveis de investimento realizado;

d) Em regras de complexidade desnecessária e ou pouco transparentes cuja verificação acarreta custos de fiscalização excessivos e pode aumentar a litigância;

e) Em “descobertas supérfluas” que criam oportunidades artificiais de negócios alicerçadas nomeadamente em estruturas de custos distorcidas;

f) Numa redução da capacidade de concretização dos objetivos de política pública para o sector.

Esta preocupação com a eficácia da regulação, com vista a nomeadamente aumentar a legitimidade2 e a transparência do processo regulatório, é transversal a vários sectores de atividade e tem vindo a assumir maior relevo no panorama internacional no decurso dos últimos 15 anos, afetando domínios tão diversos quanto o próprio processo legislativo, os procedimentos de consulta pública, a avaliação ex-post de ferramentas e instituições regulatórias, a simplificação administrativa ou a transparência regulatória (OCDE, 1995; Mandelkern et al, 2001).

Na terminologia de organismos como a CE, a OCDE ou o Banco Mundial, a problemática associada à eficácia da regulação tem vindo a ser sistematizada num corpo doutrinário comummente designado melhor regulação (“better regulation”), do qual é parte fundamental a AIR. Alguns autores (Radaelli e Francesco, 2010) conotam também a AIR com a escola do New Public Management, que surgiu nos anos 80 do século XX e se preocupava com a modernização e desburocratização da gestão dos organismos e empresas públicas.

Neste contexto, a AIR é um “processo de identificação e avaliação sistemática dos efeitos expectáveis de propostas regulatórias, usando um método analítico consistente, como a análise custo-benefício” (OCDE, 2008). Esse processo é comparativo. Isto é, após a identificação dos objetivos de regulação que se procuram atingir, são definidas várias alternativas para implementação desses objetivos, as quais são então comparadas através de um processo uniforme. Os decisores ficam assim informados sobre as alternativas mais eficazes e eficientes, podendo escolher em conformidade.

Em qualquer caso, note-se que a AIR não é, per si, um instrumento necessário, nem suficiente, nem, no caso da ANACOM, obrigatório, para a definição de políticas públicas e ou decisões regulatórias. É apenas um método empírico que pode ser visto em complemento com outros métodos usualmente empregues na tomada de decisões regulatórias, tais como a decisão política3, “benchmarking”4, o consenso5 e o parecer técnico6 (OCDE, 1997a).

A AIR foi adotada formalmente no processo de decisão política de muitos dos países desenvolvidos, em especial desde 1974, e mesmo num conjunto significativo de países em desenvolvimento, tais como, por exemplo, a Albânia, a Argélia, o Botswana, as Filipinas e a Jamaica (Kirckpatrick e Zhang, 2004).

Entre os países com maior experiência no recurso à AIR, destacam-se os EUA, o Canadá, o Reino Unido e a Austrália (OCDE, 2008b).

Note-se, no entanto, que o facto de o governo de um determinado país ter adotado formalmente um processo de AIR não implica necessariamente que a ARN desse país haja igualmente adotado, designadamente em função da sua independência funcional e ou administrativa, igual processo.

O caso dos EUA é paradigmático dado que, apesar de o governo federal não poder impor às agências federais a implementação de processos de AIR, há cerca de 50 anos que o executivo federal norte-americano procura influenciar a FCC (Federal Communications Commission - ARN dos EUA) e outras agências federais, no sentido de aquelas adotarem um processo de AIR7. Sem prejuízo, em 2011, a FCC mostrou-se sensível ao argumento do Presidente Obama, segundo o qual era útil revogar um conjunto de regulamentos obsoletos (embora não seja claro se a AIR é necessariamente aplicada nesse contexto). Nesse país, compete ao Office of Information and Regulatory Affairs (operando dentro do Office of Management and Budget) fazer a supervisão e monitorização global dos resultados da implementação da AIR pelas diversas agências do governo federal (CE, 2011r).

A base legal para a implementação da AIR é diferenciada de país para país, podendo assentar numa ordem presidencial (EUA), numa lei (por exemplo na República Checa, na Coreia do Sul e no México), num decreto ou linhas de orientação do próprio Primeiro-Ministro (foi o caso da Austrália, Áustria, França, Itália e Holanda) ou numa iniciativa legislativa do governo.

No caso concreto de Portugal, o desenvolvimento de políticas de melhor regulação, a nível transversal, teve a ver, de acordo com a OCDE (2009ab), fundamentalmente com:

a) A operacionalização das reformas para modernizar a economia e promover o crescimento, em linha com a “Agenda de Lisboa” da UE;

b) O reconhecimento generalizado de que a administração pública precisa de ser mais custo-eficiente e de responder melhor às necessidades públicas, o que requer também uma transformação da cultura administrativa;

c) A prioridade dada à dinamização e à promoção da inovação no sector privado, com vista a aumentar a competitividade da economia e a atrair mais fluxos de investimento direto estrangeiro.

Em Portugal, após uma fase embrionária na qual se destacaram medidas tais como a Lei nº 74/98, de 11 de novembro8 e o Programa Nacional de Ação para o Crescimento e o Emprego9, o programa de simplificação administrativa e legislativa “Simplex”10 caraterizou a primeira fase de políticas de melhor regulação, sendo subsequentemente acompanhado pela ação Legislar Melhor, que visou melhorar a qualidade da produção legislativa11.

Outro elemento relevante foi a Resolução do Conselho de Ministros nº 29/2011, de 11 de julho, a qual manteve em vigor a definição de regras de legística aplicáveis na elaboração de actos normativos (inicialmente aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 77/2010, de 11 de outubro)12 e, em paralelo, definiu a obrigatoriedade de preenchimento de um formulário eletrónico que deverá acompanhar os projetos de actos normativos, incluindo campos tais como, por exemplo, um sumário das medidas; a indicação de audições realizadas ou a realizar; a especificação de indicadores de impacto legislativo ou a avaliação sumária dos meios envolvidos na execução, a curto e médio prazo, das medidas propostas.

A Figura 1 ilustra o enquadramento institucional das políticas de melhor regulação em Portugal, tal como percecionado pela OCDE em 2009, destacando-se o empenhamento político de topo, a nível do Primeiro-Ministro e - no tocante à sociedade da informação - o envolvimento do Ministério da Ciência, da Tecnologia e Ensino Superior e da então Agência Para a Sociedade do Conhecimento (UMIC), entretanto extinta, passando as suas competências relevantes nesta área para a alçada da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Especificamente no tocante à AIR, as análises feitas em Portugal, para justificar iniciativas legislativas do governo, parecem incidir fundamentalmente (à semelhança, por exemplo, do que acontece na Áustria) na análise fiscal, identificando-se os efeitos dessas medidas em sede do Orçamento do Estado.

Figura 1 - Enquadramento institucional das políticas de melhor regulação em Portugal

Enquadramento institucional das políticas de melhor regulação em Portugal.

Fonte: OCDE (2009a)

Atendendo a estas preocupações, sempre presentes no horizonte das atividades desempenhadas pela ANACOM, as Orientações Estratégicas para o Plano Plurianual de Atividades 2015-2017 (que foram sujeitas a consulta pública13) estabeleceram, no âmbito da prioridade estratégica relacionada com a promoção de mercados abertos e concorrenciais e do eixo de atuação “Avaliar o impacto das medidas de regulação tomadas”, o desenvolvimento de um estudo sobre AIR com enfoque em análise comparativa das abordagens seguidas pelas diferentes ARN quanto a programas de AIR.

Deste modo, o presente documento procura identificar e discutir, no âmbito da AIR, os objetivos que se pretendem alcançar com tal análise, as metodologias de implementação e as vantagens e desvantagens existentes no que respeita aos mercados de comunicações eletrónicas e sua regulação.

Após tal discussão, serão analisados os casos de estudo referentes à implementação da AIR na CE, no Reino Unido e na Irlanda (referentes às situações, a nível europeu, em que a implementação parece estar mais avançada no contexto europeu no sector das comunicações eletrónicas) indicando-se resumidamente as “lições” salientes de cada caso.

Com base no trabalho precedente, apresentar-se-á depois uma reflexão sobre as condições de aplicação da AIR à atividade desempenhada pela ANACOM.

Finalmente, apresentar-se-ão as principais conclusões da análise efetuada, à luz de uma eventual implementação do processo de AIR no processo regulatório das comunicações eletrónicas em Portugal.

Notas
nt_title
 
1 Com acréscimo de custos, nomeadamente, a nível dos recursos humanos necessários para as atividades desempenhadas para se assegurar a conformidade com as decisões regulatórias, a nível dos recursos administrativos e a nível da contratação de consultores externos necessários à operacionalização de soluções especializadas (Mägli et al, 2010).
2 Sob um enfoque institucionalista (não estritamente legalístico), certos contextos institucionais incentivam fortemente as organizações a justificar e fundamentar as suas atividades, estimulando-as a aumentar a sua legitimidade (de natureza “moral”, pericial, legal ou outra) em linha com tais contextos.
3 Ou seja, a decisão tomada por representantes com legitimidade política para decidir sobre matérias importantes no âmbito do processo político.
4 Quer dizer, a decisão baseada num modelo exógeno, tal como, por exemplo, comparações com práticas regulatórias e resultados alcançados noutros países.
5 Isto é, a decisão tomada com base numa posição comum que reflete um acordo geral entre as entidades interessadas.
6 Consiste numa decisão fundamentada num parecer de um técnico ou de um grupo de técnicos credíveis, com juízo profissional necessário para saber o que deve ser feito.
7 Em conformidade com a Diretiva Presidencial de Agosto de 1965 do Presidente Johnson, com a Ordem Executiva 11821 (Inflation Impact Statements) do Presidente Ford, com a Ordem Executiva 11949 (Economic Impact Statements) do Presidente Ford, com a Ordem Executiva 12044 (Improving Government Regulations) do Presidente Carter, com a Ordem Executiva 12291 (Federal Regulation) do Presidente Reagan, com a Ordem Executiva 12866 (Regulatory Planning and Review) do Presidente Clinton, com a Circular A-4 de 2003 do Presidente Bush (Regulatory Analysis), com a Ordem Executiva 13422 do Presidente Bush (alterando a Ordem Executiva 12866, por forma a controlar o processo regulatório), com a Ordem Executiva 13297 do Presidente Obama (Revocation of Certain Executive Orders Concerning Regulatory Planning and Review) – revogando a Ordem Executiva 13422 do Presidente Bush e em Janeiro de 2011, com a Ordem Executiva 13563 (Improving Regulation and Regulatory Review) do Presidente Obama.
8 Esta peça legislativa estabeleceu regras para a identificação, redação e publicação de legislação, contribuindo para uma melhoria da transparência e eficácia dos procedimentos legislativos. Foi entretanto alterada pela Lei nº. 2/2005, de 24 de janeiro, pela Lei nº 26/2006, de 30 de junho, pela Lei nº 42/2007, de 24 de agosto e pela Lei nº 43/2014, de 11 de julho (vide Lei n.º 74/98, de 11 de novembro com as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2005, de 24 de janeiro, Lei n.º 26/2006, de 30 de junho, Lei n.º 42/2007, de 24 de agosto, e Lei n.º 43/2014, de 11 de julho Link externo.http://www.parlamento.pt/legislacao/documents/legislacao_anotada/publicacaoidentificacaoformulariosdiplomas_simples.pdf).
9 Este programa consubstanciou as linhas diretrizes para a concretização duma estratégia nacional de reformas e modernização no âmbito da Estratégia de Lisboa, em particular nas suas dimensões macroeconómica, microeconómica e de emprego, enformando as recomendações gerais de política económica e de política de emprego para Portugal formuladas pela Comissão Europeia, e às prioridades identificadas pela Comissão Europeia para Portugal no Quadro da elaboração do Plano Nacional de Reformas.
10 O Simplex foi um programa introduzido com vista à simplificação administrativa e legislativa, por forma a tornar mais fácil a vida dos cidadãos e das empresas na sua relação com a Administração e, simultaneamente, contribuir para aumentar a eficiência interna dos serviços públicos. Vide informação detalhada sobre este programa em SIMPLEX Link externo.http://www.simplex.pt/simplex.html.
11 Esta ação foi uma medida do Plano Tecnológico, visando simplificar e eliminar a legislação que constitua uma carga desproporcionada para os cidadãos e para as empresas e definir modelos de avaliação ex-ante dos encargos administrativos das iniciativas legislativas e sua adequação aos princípios da administração eletrónica. O objetivo estratégico que se pretendia alcançar com esta medida era promover a alteração do perfil da indústria e serviços.
12 Estabelecendo também que os projetos de actos normativos devem ainda observar as orientações constantes do Guia Prático para a Elaboração dos Actos Normativos do Governo.
13 Plano de Atividades da ANACOM para 2015-2017 em consultahttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1218592.