4. Metodologias da AIR


De forma genérica, o primeiro passo para a implementação da AIR requer que – previamente à tomada de qualquer decisão regulatória - se responda às seguintes questões:

a) Qual é, em traços gerais, o problema que se pretende endereçar?

b) Qual é o objetivo específico de política que se pretende alcançar?

c) Quais são os diferentes meios de atingir o objetivo específico?

Um erro muito comum quando se prepara uma resposta a estas questões é a confusão entre meios e objetivos de política.

Por exemplo, um objetivo de política pode ser reduzir o valor global das fraudes que afetam os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas. Criar uma lista de devedores, incluindo utilizadores finais com uma dívida acumulada a tais prestadores superior a um determinado montante, ou efetuar chamadas de verificação questionando o utilizador final quando o seu consumo se torna atípico são meios (mas não objetivos em si) para atingir esse objetivo de política.

Noutro exemplo, poder-se-ia dizer que outro objetivo de política pública é (para além de participar no desenvolvimento do mercado interno da UE e garantir e proteger os direitos dos utilizadores e dos cidadãos) promover a concorrência no sector das comunicações eletrónicas. Levar a cabo um processo de análise de mercados suscetíveis de regulação ex-ante é um meio (mas não um objetivo em si) para atingir um maior nível de concorrência nos mercados.

Para além dessas questões fundamentais de natureza geral, a preparação de uma AIR passa por se analisar previamente as respostas às seguintes questões específicas (OCDE, 2008b):

a) O problema a resolver encontra-se corretamente definido?

b) A ação do governo e ou do regulador é justificada?

c) É a regulação a melhor resposta para o problema?

d) Existe uma base legal para a regulação?

e) Qual o nível apropriado de intervenção regulatória?

f) Os benefícios da regulação justificarão os correspondentes custos?

g) A distribuição dos benefícios a diferentes segmentos da sociedade é transparente?

h) É a regulação clara, consistente, compreensível e acessível aos utilizadores?

i) Todas as partes interessadas tiveram oportunidade para exprimir as suas posições sobre as diferentes opções consideradas?

j) De que forma se irá garantir a implementação das medidas propostas?

A Figura 2 apresenta as diferentes fases do processo de AIR, começando pela definição do contexto político e dos objetivos de política que permitam uma clara identificação do problema a endereçar.

Após a referida análise, segue-se a identificação e caracterização de todas as opções de regulação (ou não regulação) que permitam alcançar os objetivos traçados.

Em terceiro lugar, ocorre a estimativa quantitativa e ou qualitativa dos impactos das opções consideradas, designadamente em termos de custos, benefícios e efeitos redistributivos.

Depois dá-se o desenvolvimento de estratégias de implementação para cada uma das opções consideradas, incluindo uma avaliação da sua eficácia e eficiência.

Em quinto lugar, apontam-se os mecanismos de consulta pública que contribuem para tornar a AIR um processo participativo, angariando-se importante informação sobre custos, vantagens e desvantagens de cada uma das opções consideradas ou até mesmo identificando-se opções alternativas que não tenham sido consideradas.

Finalmente, sobressai o desenvolvimento de mecanismos de monitorização para avaliar o sucesso da política proposta e para alimentar essa informação em futuras decisões regulatórias (de notar que um esboço dessas medidas pode ser submetido previamente a consulta pública). Dessa forma, reinicia-se o processo de AIR, se e quando se pretender reconsiderar a decisão tomada.

Figura 2 - O processo da AIR

O processo da AIR

Fonte: OCDE (2008b)

Pela sua importância, merece especial destaque a fase de avaliação dos custos, benefícios e outros impactos.

É de relevar, em especial, que o resultado de uma avaliação preliminar, com recurso a ferramentas da AIR, pode apontar mesmo no sentido de não se tomar qualquer medida de regulação, nomeadamente quando:

a) A dimensão do problema é demasiado pequena para justificar os custos da intervenção regulatória;

b) O custo de implementação de qualquer opção de intervenção regulatória não se afigura razoável vis-à-vis o benefício expectável decorrente dessa implementação;1

c) As entidades afetadas pela decisão regulatória têm capacidade para, per si, empreenderem ações que resolvam satisfatoriamente o problema identificado;

d) O problema tem uma natureza essencialmente temporária;

e) Os meios disponíveis e conhecidos para a supervisão e fiscalização tornam improvável que esta venha a ser eficazmente implementada.

Para se compreender os incentivos que as entidades interessadas terão para se conformarem ou não com determinada decisão regulatória, é útil responder-se às seguintes questões (OCDE, 2008a):

a) Até que ponto se encontram as entidades afetadas familiarizadas com a decisão regulatória e até que ponto a compreendem?;

b) Quais são os benefícios e custos com que as entidades interessadas se deparam no caso de cumprimento e no caso de incumprimento da decisão regulatória?2;

c) Até que ponto as entidades afetadas aceitam a decisão regulatória como apropriada e legítima?;

d) Em que medida as entidades afetadas se inclinam a cumprir, em regra, as decisões regulatórias?;

e) Até que ponto é provável que entidades terceiras identifiquem desconformidades das entidades afetadas em relação à decisão regulatória e até que ponto é provável que tal resulte numa penalização dessas entidades afetadas (e.g. recusa de negociação com as mesmas)?;

f) Em que medida é provável que desconformidades, por parte das entidades afetadas, com a decisão regulatória venham a ser descobertas através de denúncias?;

g) Qual a probabilidade de as entidades afetadas virem a ser inspecionadas ou auditadas pelas autoridades competentes?;

h) Qual a probabilidade de uma desconformidade vir a ser descoberta no decurso de uma ação de fiscalização?;

i) Até que ponto ações de fiscalização programadas aumentarão a probabilidade de descoberta de desconformidades?;

j) Qual a probabilidade de uma sanção ser aplicada no caso de uma desconformidade ser detetada?;

k) Qual o grau de severidade das sanções aplicáveis?.

Para compreender e estimar os custos que resultam, para os regulados, de determinada medida regulatória, é comum olhar para as seguintes rubricas (OCDE, 2008a):

a) Aquisição de equipamentos necessários para cumprir as regras regulatórias;

b) Contratação de pessoal adicional e de consultores externos para assegurar a implementação das medidas regulatórias;

c) Alteração do processo produtivo, por forma a alinhá-lo com as regras regulatórias;

d) Recolha e armazenagem de informação que as medidas regulatórias exigem que seja reportada ou armazenada;

e) Outros aumentos nos custos de produção, decorrentes da medida regulatória considerada.

Existe uma diversidade de exemplos concretos na atuação regulatória da ANACOM em que os regulados referem custos de implementação associados à efetivação dessas medidas.

Como exemplo concreto dos custos que se podem encontrar associados a uma intervenção regulatória específica, pode-se olhar para a decisão da ANACOM de 17.07.2004, que determinou os princípios e condições gerais a que devem obedecer o acesso e a utilização de condutas e infraestrutura associada da então denominada PT Comunicações, S.A. (atual MEO) no âmbito de uma oferta de referência de acesso a condutas3, bem assim como para as decisões subsequentes das quais resultaram alterações à referida oferta de referência.

A este respeito, o operador histórico especificou um conjunto significativo de custos relacionados nomeadamente com o cadastro de infraestruturas, a aquisição de dados cartográficos, a implementação e gestão de sistemas informáticos, a gestão de recursos humanos, a operação e a manutenção de infraestruturas e faturação e cobrança.

Outro exemplo é a decisão da ANACOM de 17.02.2010, relativa às alterações à ORALL (oferta de referência de acesso ao Lacete local)4, a qual teve entre os custos adicionais referidos pelo operador histórico no tocante à melhoria dos níveis de qualidade de serviço da ORALL, os referentes ao redimensionamento de equipas envolvidas em trabalhos de manutenção e reparação e o desenvolvimento de processos de suporte e dos sistemas de informação.

A nível retalhista, é também sabido que, historicamente, em sede de processos negociais relacionados com convenções de preços e de qualidade de serviço, os operadores históricos do sector das comunicações eletrónicas e do sector postal invocaram a existência de aumentos de custos associados a uma maior exigência nos níveis-objetivo de qualidade de serviço.

Uma vez que os impactos das decisões regulatórias se fazem frequentemente sentir ao longo de um período dilatado no tempo, deve-se – pressupondo que é possível quantificar monetariamente tais impactos – calcular o valor atual líquido (VAL) desses custos, acomodando assim os efeitos da taxa de inflação, da incerteza e da preferência intertemporal pelo dinheiro5 (OCDE, 2008a).

Quantificar os benefícios de determinada decisão regulatória pode ser tão ou mais difícil quanto quantificar os custos associados a essa decisão regulatória. Sem prejuízo, por exemplo, no tocante a mercados grossistas (que constituem atualmente o conjunto fundamental de mercados de comunicações eletrónicas suscetíveis de regulação ex-ante, de acordo com a Recomendação da CE relativa aos mercados relevantes6) e em decisões incidindo sobre preços grossistas, poderão analisar-se nomeadamente aspectos como:

a) O efeito da redução de preços grossistas na redução de preços retalhistas;

b) A variação do volume do consumo dos serviços de comunicações eletrónicas prestados;

c) O potencial aumento do número de clientes aderentes aos serviços de comunicações eletrónicas;

d) O impacto em diferentes horizontes temporais sobre o volume do investimento dos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas;

e) Os efeitos a nível da concorrência nos mercados de comunicações eletrónicas afetados pela decisão, em especial se esta envolver o estabelecimento de soluções de autorregulação ou corregulação, determinar ou encorajar a publicação de informação (e.g., sobre preços, vendas, custos ou quantidades produzidas), isentar alguns operadores do cumprimento de obrigações aplicáveis a outros, ou aumentar os custos de mudança de prestador (OCDE, 2008a);

f) Os efeitos a jusante em termos de produtividade da economia nacional.

Quando não é de todo possível concluir-se uma análise credível em relação aos benefícios esperados decorrentes de determinadas opções regulatórias, geralmente a decisão a tomar passa por se escolher a opção regulatória que se estimar mais eficiente para a sociedade em termos de custos (OCDE, 2008a).

A OCDE (2008a) chama ainda a atenção para o facto de certas medidas regulatórias poderem ter um impacto pernicioso, que importa precaver, devido à redução da concorrência ou a efeitos de substituição no consumo de certos produtos .

No tocante ao primeiro aspecto, a OCDE nota que a regulação excessiva de certos mercados pode levar a uma redução do investimento, na medida em que os potenciais investidores podem duvidar da rentabilidade do negócio.

No tocante ao segundo aspecto, a OCDE oferece o exemplo das medidas regulatórias que aumentaram os padrões de segurança na aviação civil. Essas medidas tiveram como resultado a redução do número de mortos em função de acidentes de aviação, mas, por outro lado, aumentaram o custo das viagens áreas. Deste modo, muitas pessoas passaram a substituir as viagens de avião por viagens de automóvel, aumentando possivelmente o número de acidentes rodoviários e o número de mortos globalmente considerado .

A ter em conta também que, muitas vezes, não é possível avaliar em termos quantitativos o impacto de medidas regulatórias propostas, sendo necessário recorrer a informação de natureza qualitativa. Por exemplo, pode tornar-se extremamente complexo estimar o valor monetário de vidas humanas salvas em consequência de uma eventual decisão regulatória que melhore as condições de acesso a serviços de emergência. Nesses casos, a OCDE (2008a) chama a atenção para a utilidade da utilização de métodos de apoio à decisão multicritério (tais como, por exemplo, o M-MACBETH correntemente em uso na ANACOM), para tentar trazer maior objetividade à análise.

Notas
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1 Incluindo, nomeadamente, custos relacionados com o eventual aumento da dotação de pessoal afeto à área de supervisão e custos com auditorias.
2 Naturalmente, as metodologias concretas para estimar os benefícios e os custos dependerão do nível de profundidade com que se pretenda desenvolver a AIR, mas também do sector de atividade das entidades reguladas. Tal como no tocante a qualquer outra atividade regulatória, a eventual assimetria de informação entre reguladores e entidades reguladas aconselha um permanente juízo crítico em relação à informação que se possa recolher junto das entidades reguladas. É também de relevar que a certificação e ou auditoria da informação disponibilizada pelas entidades reguladas não é isenta de custos e pode implicar demoras na tomada de decisão regulatória.
3 Oferta de acesso às condutas da concessionária PTC (relatório da consulta e decisão)https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=409931.
4 Alterações à ORALLhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1012070.
5 Sendo a avaliação destes dois últimos aspetos particularmente complexa, julga-se que se poderá admitir alguma relação com as taxas de juro de referência praticadas no mercado.
6 Recomendação da Comissão 2014/710/UE, de 9 de outubro de 2014, relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no sector das comunicações eletrónicas suscetíveis de regulamentação ex ante, em conformidade com a Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas.