Interfaces fixo-móvel


/ / Atualizado em 23.02.2007

Fundamentação:

Os equipamentos de interface entre PPCA’s (Postos Privados de Comutação Automática) e redes móveis GSM (também designados por GSM Gateways, SIM Boxes ou ainda Phone-Cells) permitem que os utilizadores ligados àqueles comuniquem directamente com utilizadores ligados a estas últimas redes, e vice?versa, como se de chamadas do tipo móvel-móvel intra-rede (chamadas on net) se tratasse.

Em Março de 1999 esta Autoridade concluiu não existirem razões que fundamentem quaisquer restrições à comercialização e utilização deste tipo de equipamentos.

Genericamente, trata-se de terminais GSM, adaptados para funcionar de forma estática e substituir ligações através da rede fixa. Operando de forma autónoma ou acoplados a PPCA’s ou outros equipamentos, eles incorporam cartões SIM, bem como interfaces variados, para diversos tipos de equipamentos terminais e tecnologias de rede fixa, e permitem a ligação de antenas externas para melhorar a emissão/recepção radioeléctrica.

Desde meados de 2002, o ICP-ANACOM tem conhecimento de uma nova utilização para este tipo de equipamentos, cada vez mais sofisticados e integrando um crescente número de “facilidades”. Trata-se do seu uso comercial para encaminhar chamadas telefónicas de terceiros utilizadores, com origem diversa e destinos situados em redes móveis GSM alheias a tal negócio. A nível nacional, a maioria desta situações corresponde a desvios de tráfego internacional com destino às redes móveis GSM portuguesas.

Esta situação é viabilizada pela evolução técnica, que levou a uma grande variedade deste tipo de equipamentos. Alguns deles permitem acoplar dezenas de cartões SIM (Subscriber Identity Module) e diversas funcionalidades: LCR (Least Cost Routing), conversão de e-mail para SMS, call-back, geração de ficheiros CDR (Call Detail Record), configuração e manutenção remota, entre outras.

A utilização de interfaces para fins comerciais por operadores de telecomunicações, nomeadamente carriers, legalmente habilitados ou não, tem sido uma prática corrente e crescente que, em Portugal, foi denunciada pelos operadores móveis OPTIMUS, TMN e VODAFONE.

A motivação para tal uso advém das vantagens económicas obtidas pelos seus promotores, relativamente ao encaminhamento do tráfego através dos pontos de interligação convencionados.

Porém, somente os carriers intermediários e os operadores dos interfaces em questão usufruem dessas vantagens. Os utilizadores, que desconhecem até  a intervenção destas entidades no processamento das respectivas chamadas, não participam dos respectivos benefícios económicos. Pelo contrário, sofrem uma acentuada degradação da qualidade de serviço que obteriam numa situação regular.

Numa situação normal, o tráfego telefónico é entregue às redes móveis GSM em pontos específicos dessas redes (pontos de interligação) por carriers, com os quais os operadores móveis tenham celebrado acordos de interligação, que definem as condições técnicas e comerciais dessa entrega de tráfego. Após a recepção e o processamento das comunicações, as chamadas são encaminhadas pelas redes móveis até ao seu destino final.

Nas situações atrás referidas, o tráfego telefónico com destino a clientes das redes móveis é desviado para interfaces fixo-móvel. Para uma determinada chamada, esses equipamentos efectuam as seguintes operações:

- recebem (atendem) a chamada telefónica - que não lhes era dirigida -, originada noutra rede, nacional ou estrangeira;

- verificam qual é o número de destino dessa chamada;

- estabelecem uma segunda chamada para esse número de destino, com recurso a um dos cartões SIM da rede móvel correspondente, que têm acoplados;

estabelecem um canal de audio (ligação física) entre as duas chamadas (a primeira chamada, com origem nacional ou internacional, e a segunda chamada, com origem e destino na mesma rede móvel), numa operação semelhante ao serviço de conferência de chamadas.

Esta utilização tem graves implicações técnicas, tanto para os operadores móveis como para os utilizadores e para as autoridades competentes para a realização de intercepções legais de comunicações:

- reduz significativamente a eficiência da utilização dos recursos radioeléctricos, que são escassos, por ser utilizado um canal radioeléctrico adicional relativamente a uma situação convencional;

- provoca uma concentração de tráfego na célula em que os cartões SIM acoplados aos equipamentos de interface se encontram, que pode levar à congestão de tráfego e à consequente impossibilidade de iniciar chamadas – com a inerente e respectiva perda –, bem como à eventual queda da célula, ficando os operadores impossibilitados de prestar o serviço aos seus clientes nessa área. Estes riscos só poderiam ser evitados através de um significativo incremento da capacidade de rede nessas zonas, o que colide com as restrições de planeamento que impedem a construção em tempo útil de novas infra-estruturas. Assim, há necessariamente uma degradação do serviço, que se reflecte directamente nos utilizadores;

*- provoca um aumento significativo do tempo de estabelecimento da chamada, cuja responsabilidade o utilizador (que desconhece a existência do interface) atribui ao operador móvel de destino;

- introduz uma ligação radioeléctrica adicional na chamada, que se traduz numa qualidade audio inferior à expectável pelo consumidor;

- obriga à dupla codificação da voz, primeiro na chamada original e depois na segunda chamada estabelecida pelo interface fixo-móvel, o que conduz também a uma degradação da qualidade audio;

- obsta a que a identificação da linha chamadora (CLI) seja a apresentada ao terminal de destino, o qual recebe em seu lugar a CLI do cartão SIM utilizado na segunda chamada; isto impossibilita que os consumidores tenham acesso a determinados serviços e facilidades que, em condições normais, estariam disponíveis;

leva a que, deixando os cartões SIM pré-pagos, utilizados nos interfaces fixo?móvel, de ter crédito, e não sendo tecnicamente possível controlar os carregamentos de forma a evitar tal facto, por vezes os consumidores se vejam impossibilitados de realizar chamadas (ouvindo uma mensagem a referir que o respectivo cartão não dispõe de saldo para realizar a chamada, o que inclusivamente acontece a clientes que optaram por assinatura mensal), ou chamadas a decorrer sejam abruptamente terminadas, o que dá origem a muitas queixas e prejudica seriamente a reputação dos operadores móveis;

impede em certos casos que a chamada termine no destino pretendido, uma vez que, tendo qualquer cliente de redes móveis estrangeiras que se encontre em roaming nas redes móveis nacionais associada uma numeração temporária que apenas pode ser interpretada pela rede visitada (VLR, Visited Location Register) e que não é acessível directamente por qualquer operador, os equipamentos de interface fixo-móvel, ao encaminharem tráfego, são transparentes relativamente ao número de destino, nesta situação diferente do que foi temporariamente atribuído pelo operador móvel nacional ao referido cliente (roamer in); não sendo este reconhecido pela VLR, torna-se impossível terminar a chamada no roamer in de destino; no limite, estes clientes poderão nunca receber chamadas ou ver-se obrigados a registar-se noutra rede móvel, onde, mesmo  assim, poderão deparar-se com o mesmo problema;

leva a que o cliente – designadamente o cliente de uma rede móvel nacional que se encontre em roaming numa rede estrangeira – se veja impossibilitado de aceder a serviços cuja prestação depende do envio transparente do CLI, com as correspondentes perdas de chamadas, devido à manipulação do próprio CLI, que decorre da utilização dos referidos interfaces; para mais, os clientes suportam o custo associado aos mesmos, já que a chamada é estabelecida, e por isso debitada;

- prejudica, podendo mesmo impedir, a intercepção legal de comunicações, devido à manipulação do CLI;

- pode colocar em causa os direitos dos consumidores relativamente à confidencialidade das comunicações e à protecção de dados pessoais, na medida em que os referidos dados são tratados sem o conhecimento e a permissão daqueles.

A situação poderá configurar, para além de violação aos contratos estabelecidos entre operadores de telecomunicações e carriers, por parte destes, a prática de diversas infracções, quer de natureza criminal (cfr. os nºs 2 e 5 do art. 221º do Código Penal), quer de natureza contra-ordenacional.

À face da legislação anteriormente vigente, tal situação poderia configurar a prática das contra-ordenações previstas  na alínea a) do nº 1 e no nº 2 do art. 20º do Decreto-Lei nº 290-B/99, de 30 de Julho, e nas alíneas a) e i) do nº 1 do art. 7º, na alínea b) do nº 2 do art. 26º e nas alíneas a) e e) do nº 1 do art. 33º do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro.

Com a entrada em vigor da Lei das Comunicações Electrónicas (Lei nº 5/2004, de 10 de Fevereiro), as empresas que pretendam oferecer redes e serviços de comunicações electrónicas passaram a estar apenas obrigadas a enviar previamente ao ICP – Autoridade Nacional de Comunicações a descrição sucinta da rede ou serviço cuja oferta pretendem iniciar e a comunicar a data prevista para o início da sua actividade, conforme preceituado no nº 1 do respectivo art. 21º.

O exercício da actividade de operador de redes ou de prestador de serviços de comunicações sem a competente comunicação prévia a esta Autoridade – bem como o desenvolvimento de acções não compreendidas na descrição do serviço que pretendem oferecer – é susceptível de consubstanciar a prática de uma contra?ordenação, nos termos do disposto no preceito legal supra referido e na alínea c) do nº 1 do art. 113º do mesmo diploma legal.

Por outro lado, como já se referiu, o referido uso destes equipamentos, pondo em causa a protecção de dados pessoais e da privacidade, não assegurando, em vários aspectos, facilidades de serviço e níveis de qualidade que estavam estabelecidos para a prestação de serviços de telecomunicações móveis – que não serão certamente diminuídos nos regulamentos da Lei nº 5/2004 – e não garantindo a intercepção legal de chamadas, não poderá deixar de ofender as condições gerais a que se reporta o artigo 27º da nova Lei das Comunicações Electrónicas, que  será regulamentada por esta Autoridade.

O ICP – Autoridade Nacional de Comunicações pode ainda, nos termos do disposto no art. 14º do Decreto-Lei nº 192/2000, de 18 de Agosto, autorizar que os operadores recusem a ligação, efectuem o desligamento ou retirem de serviço cartões SIM acoplados a um interface quando considerem que a utilização da mesma com fins comerciais causa interferências nocivas ou danifica a rede ou o seu funcionamento.

O que poderá ser o caso nas situações supra descritas.